O pior do jeitinho

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Editorial Jornal Zero Hora/ RBS- Domingo,03-02-2013

O conjunto de inépcias que emerge da investigação sobre a tragédia de Santa Maria evidencia um dos grandes males do país, que é a burla rotineira de normas legais e recomendações técnicas por pessoas interessadas em auferir vantagens. Ocorre em todos os setores da sociedade, da administração pública à portaria do edifício.

 

É o lado sombra do famoso jeitinho brasileiro, já incorporado à identidade cultural do nosso povo. Às vezes, nos orgulhamos desse artifício que expressa a nossa criatividade, a nossa tolerância, a nossa cordialidade ou a nossa capacidade de improvisar. Mas, em muitas situações, ele nos envergonha, pois é usado como cobertura para a malandragem, para a corrupção e para a ruptura de normas sociais, que invariavelmente causam prejuízos para terceiros.

 

Tais comportamentos, facilmente comprovados no cotidiano dos brasileiros, só ganham dimensão e causam revolta quando geram consequências graves, como em desastres que poderiam ser evitados se os agentes envolvidos tivessem cumprido suas obrigações. Porém, quando não ocorre uma tragédia nem morre ninguém, nossa reação costuma ser, invariavelmente, de tolerância e conformismo. Suportamos, quase sempre sem reclamar, o despreparo do funcionário da loja ou do restaurante, o desleixo do servidor público que deveria nos considerar seu patrão, a má qualidade dos produtos adquiridos muitas vezes por preços exorbitantes, as deficiências dos serviços que nos prestam e a carência de equipamentos públicos indispensáveis para nosso conforto e para nossa segurança.

 

O país convive historicamente com a cultura da irresponsabilidade – e, infelizmente, a maioria de nós tem sido conivente com ela. Até costumamos denunciar e cobrar irregularidades de governantes, políticos e agentes públicos, mas nem sempre percebemos que a incúria e a inação espraiam-se pelos estratos mais básicos da sociedade. O lixo fora da lixeira é um indicativo não apenas de que alguém descumpriu uma regra de cidadania, mas também de que a tolerância vai estimular o delito e a impunidade. O carro estacionado em local não permitido indica não apenas que um condutor infringiu a lei, mas também que o agente público descumpriu a sua atribuição de fiscalizar. A expressão “não dá nada”, que se ouve com extrema frequência no cotidiano brasileiro, transformou-se num verdadeiro atestado nacional de permissividade.

 

Tem solução? Especialistas no comportamento do brasileiro, como o cientista político Alberto Carlos Almeida, dizem que o país ainda levará muito tempo para superar a cultura da improvisação e para vencer aquilo que o filósofo Eduardo Gianetti da Fonseca chama de “zonas cinzentas da moralidade”. Mas, leve o tempo que levar, o certo é que esta mudança precisa ocorrer primeiro no indivíduo, para que também ocorra no Estado, nos governantes e no conjunto da sociedade.

O editorial ao lado foi publicado antecipadamente no site e no Facebook de Zero Hora, na sexta-feira. Os comentários selecionados para a edição impressa mantêm a proporcionalidade de aprovações e discordâncias entre as 435 manifestações recebidas até as 18h de sexta. A questão proposta aos leitores foi a seguinte: Editorial diz que jeitinho é um mal brasileiro. Você concorda?