José Goldemberg: “A Rio+20 pode não fazer diferença”

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A Rio+20 pode não fazer diferença se não avançar nos assuntos já tratados desde 1992, segundo José Goldemberg. O físico da Universidade de São Paulo foi Secretário do Verde e Meio Ambiente em 1992, antes da pasta se tornar um ministério. Em entrevista à ÉPOCA, ele fala das lacunas que a Rio+20 deve resolver.

Por Alex Mansur/ Revista Época

 ÉPOCA: Há muita expectativa na Rio+20. Vários chefes de estado, pesquisadores, empresários estarão aqui para discutir um mundo melhor e mais sustentável. Devemos ter tanta expectativa assim?

José Goldemberg: Não é incomum que aconteçam conferências que não dão em nada. Essa expectativa sobre a Rio+20 existe porque a Rio 92 foi muito produtiva. Nela foram criadas a convenção da biodiversidade, do clima, da desertificação, a Agenda 21. Mas não temos certeza do que vai sair agora. Até agora, o documento construído para sair da Rio+20 diz que a economia verde deve ser implementada sem explicar como um presidente ou um dono de indústria faz isso. É um bom conselho, mas que não vale no dia seguinte, quando todos voltam para casa.

ÉPOCA: Se a Rio+20 não acontecesse, faria falta?

Goldemberg: Olha… Essa é uma boa pergunta (risos). A Rio+10 está nessa categoria. As pessoas nem sabem que ela aconteceu porque nenhum acordo relevante foi feito e não teve grande participação de políticos. O que se espera é que a Rio+20 não seja igual, mas se os principais chefes de estado não vierem, vai cair na categoria da Rio+10. A Angela Merkel (chanceler da Alemanha) e o David Cameron (primeiro ministro do Reno Unido) já disseram que não vem. As sinalizações indicam que (Barack) Obama não vem. Se vierem só os representantes de países da America Latina e africanos, será uma conferência pouco significativa. São as grandes potências que devem vir para se comprometer e fechar os acordos porque elas estão provocando os maiores danos à natureza. Não adianta comprometer a Nigéria que do ponto de vista de destruição ambienta é insignificante, ao contrário da China.

As grandes potências devem vir para se comprometer e fechar os acordos porque elas estão provocando os maiores danos à natureza

 

ÉPOCA: Então qual a importância de voltar ao Rio para essa conferência hoje?

Goldemberg: Temos que reafirmar os compromissos adotados desde 1992, mas o mais importante é indicar os caminhos para serem seguidos daqui pra frente. O que não pode acontecer é a Rio+20 ser um evento comemorativo porque não há muito para comemorar sobre os cuidados que tivemos com a Terra. A Rio+20 tem que dar um passo adiante. O correto seria fazer uma reunião de análise sobre o que se conseguiu até agora e mostrar novos compromissos. Falar claramente aos governantes o que é adotar uma economia verde. Mas não é isso que parece estar sendo construído.

ÉPOCA: Em 1992, o senhor era Secretário de Meio Ambiente e acompanhou de perto o trabalho do governo brasileiro para receber o evento. Como o senhor valia o papel do Brasil nas negociações hoje?

Goldemberg: Até agora o governo tem sido muito omisso. Não apoia de forma clara a transição para uma economia verde, não trata desse assunto e está tentando dar à conferência um caráter mais social do que ambiental, focando na erradicação da pobreza. Claro que isso é importante e deve ser uma meta dos governos do mundo todo. Só que, se o meio ambiente for destruído, não vai ter como erradicar a pobreza. O meio ambiente é fonte de riqueza. Desde quando cortar árvore resolve a pobreza de um país? É mais complexo que isso. Desmatar nunca foi e nunca será uma solução sustentável.