Direitos humanos nas Américas: segundo quem?

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Por Francisco Rey Marcos

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A publicação simultânea do Informe Anual da Anistia Internacional de 2012 e do Informe do Departamento de Estado dos Estados Unidos sobre os direitos humanos no mundo demonstram mais uma vez os diferentes padrões que são utilizados para avaliar uma questão de caráter universal, como é o caso dos direitos humanos.

No que diz respeito ao continente americano, as diferenças de enfoques são tão grandes em algumas questões que é preciso refletir a respeito. Vale lembrar que nas Américas existe o Sistema Interamericano de Direitos Humanos com diversos organismos que deveriam ter permitido avançar nos enfoques aceitos por todos os Estados-membro, que evitariam esse uso tendencioso e tortuoso que alguns fazem dos direitos humanos.

Os dados da Anistia Internacional É significativo que na nota de imprensa que acompanha o Informe anual da Anistia Internacional, a primeira referência seja sobre a situação em Guantánamo e a prisão ilegal na base militar estadunidense de 171 homens que, em muitos casos, desconhecem a acusação que pesa contra eles e qual pode ser sua situação futura.

Ainda que o presidente Barack Obama havia se comprometido a fechar o centro de detenção e a normalizar a situação jurídica dos detidos, os avanços foram muito escassos e, em plena pré-campanha eleitoral, o candidato Obama parece ter se esquecido do tema. Apenas cinco presos, os acusados de terem participado diretamente no planejamento dos atentados de 11 de setembro de 2001, começaram a ser julgados perante uma comissão militar. O chamado “limbo jurídico”, que é na verdade um inferno, continua.

Junto a isso e ainda reconhecendo os avanços em alguns países do continente americano, o Informe da Anistia expressa sua preocupação pela situação dos defensores dos direitos humanos em países como a Colômbia, o México ou o Brasil. Ao mesmo tempo, um dos temas que o informe põe mais ênfase é o impacto negativo em matéria de direitos humanos às comunidades indígenas como consequência dos muitos projetos extrativos que se generalizam no continente. Lamentavelmente, em alguns outros temas, como as execuções extrajudiciais no México ou na Colômbia, ou os abusos policiais, a corrupção da força pública em numerosos países ou a superlotação nos cárceres e as mudanças, no que diz respeito aos informes de anos anteriores, são praticamente nulos.

Direitos humanos como arma O Informe do Departamento de Estado dos Estados Unidos começa enfatizando outras coisas: “Os Estados Unidos observou que Cuba, Venezuela, México e Honduras são os países latino-americanos onde mais violações dos direitos humanos foram registradas em 2011, em um informe que também denuncia o problema da impunidade na Colômbia”. É o que dizem os analistas do Departamento de Estado. Pelo menos o Congresso dos Estados Unidos deverá decidir agora qual deve ser sua política no caso das violações dos direitos humanos nos países com os quais mais colabora, como Honduras, México ou Colômbia.

Felizmente, as coincidência entre ambos os informes também são abundantes e seria em torno desses temas que as propostas seriam colocadas. Temas relacionados com a impunidade, as faltas de garantias judiciais, a corrupção ou o respeito aos instrumentos jurídicos internacionais e, especialmente, aos do Sistema Interamericano, deveriam ser incorporados como prioridades na agenda estadunidense, mas não parece que será assim.

Além disso, muitos temem que enquanto existam situações como Guantánamo ou a manutenção da pena de morte em muitos Estados ou as graves violações dos direitos da população imigrante, a legitimidade dos Estados Unidos para transmitir sua doutrina em matéria de direitos humanos é questionável. Há alguns dias, um informe da Human Rights Watch chamava a atenção sobre a vulnerabilidade dos trabalhadores agrícolas imigrantes diante da violência e do assédio sexual nos Estados Unidos, bem como sobre a necessidade de medidas para controlá-los.

Falta de liderança nos direitos humanos O continente americano sofre, como em outras partes do mundo, numerosas situações que atentam contra os direitos humanos e que ameaçam, especialmente, as populações mais vulneráveis. Mas, diferente de outras regiões,  dispõe de mecanismos institucionais que não são utilizados como deveriam ser.

Para evitar esses padrões duplos, este uso politizado dos direitos humanos, os procedimentos previstos no chamado Pacto de San José, de 1969 (Convenção Americana de Direitos Humanso) e os acordos posteriores teriam que ser revitalizados. Algum mandatário americano deveria tomar a iniciativa. De maneira precisa, informes como o da Anistia Internacional manifestam a falta de vontade dos governantes internacionais nesse assunto.

“O fracasso de liderança se converteu em uma questão global durante o último ano, no qual os políticos responderam aos protestos com brutalidade ou indiferença. Os governos devem demonstrar uma liderança legítima e rejeitar a injustiça, protegendo àqueles que não tem poder e colocando limites aos poderosos. Já é hora de priorizar as pessoas às empresas e os direitos aos benefícios”, disse Salil Shetty, secretário geral da Anistia Internacional, durante a apresentação do Informe “Quem aceita o desafio?”.