Foram 28 expedições, vários meses longe da família (outro dia, com a minha esposa Ingrid, calculamos que de 39 anos de casados devo ter passado cinco anos longe de casa). Hoje está muito mais fácil de trabalhar nas regiões polares. São viagens rápidas em missões curtas, raros ficam mais de 10 meses. Conheci colegas britânicos que iam ficar um ano, o navio não chegou na sua base (devido ao mar congelado) e atrasaram um ano. Naquela época, nos anos 1960, o pessoal só conseguia se comunicar por telegrama. Imagine sua família receber o telegrama: “Vou me atrasar, nos vemos em um ano (talvez)”.
Determinação
Ao longo desses anos de pesquisa e exploração polar, observei que as missões de sucesso são aquelas com líderes e pessoal que mantém uma atitude estoica diante da experiência. Aceitando os limites físicos, os longos períodos de espera, os limites seus e dos colegas para preservar a harmonia do grupo… E, é claro, aproveitando a oportunidade de viver e observar uma paisagem única na Terra, quase extraplanetária. Durante as missões, os indivíduos centrados e dedicados em atingir os objetivos traçados são os mais bem adaptados. Família e sentimentos ficam afastados, sublimados. Assim como a saudade, a necessidade de contato físico, o desejo sexual. Mas quando se aproxima o período de retorno, que pode se alongar por dias devido às condições meteorológicas, tudo isso começa a aflorar.
Dia 6 de janeiro, fomos (nós cinco) recolhidos no módulo Criosfera 2. Correria para desarmar as últimas duas barracas e logo o pequeno Twin-Otter estava aterrissando na pista de neve demarcada por sacos pretos. Só bagagem, pessoas e lixo para remover do sítio. Criosfera 2 fechado até dezembro deste ano. Missão cumprida.
A volta
Um voo de 20 minutos passa por áreas com enormes fendas de gelo (algumas tão largas que poderiam engolir um trator inteiro, ou mesmo o módulo Criosfera 2). Mostrando quão traiçoeiro poder ser o manto de gelo. Apesar de parecer imóvel, o gelo se movimenta entre alguns metros até dois quilômetros por ano, e muitas vezes se rompe, gerando as fendas.
Aterrissamos na pista de neve do acampamento base da operadora logística Antarctic Logistic Expedition na Geleira Union, Montanhas Ellsworth. Estamos a quase 80 graus-sul. Aqui, dezenas de barracas servem de “hotel”, temos refeições prontas e o luxo máximo de um banho a cada quatro dias. Agora aguardamos o avião que aterrissará na pista de gelo dia 10 de janeiro para voarmos para Punta Arenas, no Chile. Serão mais alguns dias para preparar carga e amostras coletadas que serão enviar para Porto Alegre e à Universidade do Maine, nos Estados Unidos.
De agora em diante
A partir de agora, sigo novos caminhos na gestão e preparação de novos pesquisadores polares. Tempo de mudar de foco, e muita coisa para escrever, experiência, vivência e passar o que aprendi para a nova geração que terá que tomar conta de um planeta profundamente alterado pela atividade humana. Adeus aos acampamentos polares, parcerias com colegas sob condições limites, adeus à exploração dos limites físicos e emocionais. Mas talvez volte, quem sabe, em outras funções ao deserto branco e gelado.