Entrevista Robert MacCalla, professor da Universidade de Saint Mary / Canadá

Conexões diretas entre portos do Brasil e do Canadá, sem escalas nos Estados Unidos ou em nações do Caribe e da América Central, são menos usadas por empresas dos dois países, apesar da redução de tempo e de custos com o transporte de cargas. Do embarque em território brasileiro à chegada no Canadá (e no sentido inverso), os produtos passam primeiro, na maioria das vezes, por portos da América Central, Caribe ou dos Estados Unidos. Além de elevar custos, o percurso aumenta os prazos de entrega. Atualmente, Vancouver (British Columbia), Halifax (Nova Scotia) e Montreal (Quebec) são portos muito usados para a entrada de mercadorias brasileiras, passando primeiro, por exemplo, por Nova York.

No último dia de nossa missão no Canadá entrevistamos no hotel Delta, o professor Robert McCalla, da Universidade de Saint Mary. Ele realizou um estudo em que compara os custos e a duração de diferentes rotas destacando uma possibilidade ainda pouco explorada no setor, que combina uma ligação direta entre Santos (SP) e Halifax, seguida de conexões com Toronto e Nova York. Neste caso, exportadores e importadores brasileiros têm seus custos reduzidos por descarregarem primeiro no Canadá, enquanto as embarcações viajam com capacidade elevada, conciliando carregamentos destinados tanto ao Canadá quanto aos Estados Unidos.

Algumas das vantagens de serviços regulares diretos são a posição estratégica do chamado Canadá Atlântico, a distância entre Natal (RN) e Halifax (6.259 quilômetros) é menor do que a de Natal e Nova York (6.489 quilômetros).As vantagens são inúmeras: a intermodalidade das infraestruturas canadenses, conectadas a ferrovias, aeroportos e estradas, e o menor tempo de liberação de cargas, na comparação com os Estados Unidos. A Costa atlântica do Canadá é muito mais próxima da América do Sul, especialmente na costa leste, do que muitas pessoas imaginam. Na verdade, os portos de costa atlântica do Canadá estão mais próximos do que os portos na costa oriental dos Estados Unidos. A explicação reside no fato de que a Terra é redonda (ou quase isso). A maneira mais fácil de ver visualmente isso é olhar para um globo e centro de seu olho sobre o Oceano meio do Atlântico.

Sim. Procure uma imagem do Google Earth.  A menor distância entre dois pontos na superfície da Terra encontra-se como um arco de um grande círculo. Um grande círculo é uma linha ao redor da Terra de tal forma que o plano que corta linha através do centro da Terra. Assim, o Equador é um grande círculo. Os meridianos de longitude são meio grandes círculos. É bastante fácil para calcular a distância mais curta entre os pontos ao longo de grandes círculos.  Eu usei o Natal como um ponto no Brasil, porque todos os navios devem passar por Natal para contornar o bojo leste do Brasil.

Não com o volume de comércio atual. Para vir ao Canadá não existe comércio suficiente. Agora em termos técnicos poderia haver uma intensificação do comércio. Os armadores tratam o Canadá como se fosse um apêndice dos Estados Unidos. Desta forma os bens destinados ao Canadá passam pela Filadélfia, e Nova Iorque. Depois são transportados via ferroviária ou rodoviária. Os contêineres passam pelo país sem uma inspeção detalhada.Existe um monitoramento dessas cargas. Mas se os contêineres vieram para o Canadá, sob o ponto de vista da aduana e manuseio, seria mais fácil passar por Halifax ou Saint John.

Os Estados Unidos são um mercado gigantesco não só para o Brasil, mas para todo o mundo.  Os portos de Nova Iorque, Filadélfia, toda a logística desses portos foi planejada para fins de distribuição  para o mercado americano.Ele não foi montado pensando no Canadá. Mas se houvesse uma intensificação do comércio diretamente para o Canadá, haveria mais necessidade das rotas comerciais chegarem a Halifax.

Sim. Neste caso, haveria uma redução de tarifas e o reconhecimento da importância do comércio entre esses dois países (Brasil e Canadá), e isso certamente ajudaria muito.  A dificuldade pelo que entendo, é que em um acordo de livre comércio com o Brasil não é tão simples. Acontece que existe um envolvimento com os países que integram o Mercosul. O Brasil não pode fazer um acordo bilateral entre os dois países. Os demais países talvez não tenham a mesma prioridade que teriam o Brasil e o Canadá.

A carga também pode ser transportada por aviões. Um dos bens mais valiosos do Canadá para o Brasil em 2012 foi sangue. Em tenho certeza que esse sangue chegou ao Brasil via aérea. Eu não consigo imaginar que o sangue tenha sido despachado via marítima. Nem todos os bens vão para o Brasil em navios. Mas a sua pergunta se o aumento do comércio passa pelos portos, a resposta é não. Ela envolve muito a logistica, as regulamentações para que as coisas possam acontecer.

Os portos, os navios, os caminhões, os trens, eles são a infra estrutura física do comércio. Mas antes disso é necessário  ter uma boa infra estrutura, de inteligência do comércio, que precisa ser negociado e implementado. E muito disso envolve conhecimento. O fato de haver essas  oportunidades e existirem os exportadores, as linhas comerciais, toda essa infra estrutura física, ela tem que também ser divulgada, e é isso que vocês estão fazendo.

Durante muitos anos o comércio canadense esteve amarrado ou a Europa, ou aos Estados Unidos. Hoje tem muito mais no nosso mundo que a europeus e os americanos. Isso se chama globalização. E o que esse conceito trouxe a tona foi à percepção de que o Canadá não pode existir apenas como um apêndice ou um braço dos Estados Unidos. Eu diria, eu não tenho aqui os números, mas há 10 anos mais de 80% das exportações canadenses foram para os Estados Unidos.Hoje o valor das exportações para os Estados Unidos representa menos que 75%. O que significa que houve um decréscimo na importância dos EUA em termos de comércio. O Canadá precisa intensificar seus parceiros comerciais. Não é só a China, a Índia. É também o Brasil, e países como o Marrocos, a Nigéria, a África do Sul, Tailândia, o Chile. É uma resposta muito longa para essa pergunta. Mas isso esta afetando a economia canadense.

Creio que não. Existe uma enorme necessidade que essas negociações ocorram. Se você não pode depender da Europa, dos Estados Unidos, é melhor encontrar outro país que você possa comercializar.

Matéria prima sempre vai ser comercializada. São dois países com recursos incríveis. O Brasil tem minério de ferro, bauxita, alumínio. São produtos que o Canadá necessita para a indústria do aço. Eu acredito quer seria benéfico para os interesses canadenses aproveitar nossa tecnologia. No Brasil existe um grande mercado, a classe média está crescendo, gastando dinheiro. Vocês no Brasil têm 100 milhões de habitantes que pertencem a classe media que está sendo o motor da economia.

Os pobres não têm dinheiro, os ricos têm dinheiro demais e eles não gastam o dinheiro deles. É a classe média que gasta. Portanto, tudo que é consumido em uma residência, seja calçado,roupas, bens duráveis, acabam se tornando uma oportunidade comercial. Além disso, existe o comércio de dinheiro, de investimentos, que envolve tecnologias, conhecimento. O Canadá tem um setor de serviço extremamente desenvolvido, como os serviços financeiros, pesquisa. Esse tipo de investimento pelas empresas em países estrangeiros em função da globalização é o que se espera atualmente. Então não é apenas o comércio de mercadorias, existe o comércio intelectual. Esse tipo de comércio não atinge os portos e nem a infra estrutura física, ele movimenta riquezas, ideias.

Fonte: Atlantic Provinces Opportunity Agency / Halifax Port Authority