Como conciliar a produção agrícola com as florestas na Amazônia

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 A bióloga Rane Cortez, da organização ambiental The Nature Conservancy (TNC), está trabalhando em um programa de desenvolvimento econômico sustentável em São Félix do Xingu, no sul do Pará. Em parceria com governos e diversas associações locais, a TNC ajuda a buscar alternativas de produção e renda conciliáveis com a conservação da floresta.

A convite do Blog do Planeta, Rane está escrevendo uma série de posts sobre esses caminhos para a sustentabilidade, em um das regiões brasileiras onde a fronteira agropecuária avança com mais rapidez.
Neste segundo relato da série, ela conta como uma associação de pequenos produtores familiares está ajudando as famílias da região a aumentar sua renda de forma sustentável.

“A história daqui é a do desmatamento. As pessoas vieram para cá por uma única razão: desmatar”. É assim que o padre Danilo Lago explica a trajetória de São Félix do Xingu, para em seguida mudar o rumo da conversa. “Mas nós não deveríamos pensar em apenas ocupar a terra. As pessoas precisam aprender a viver a partir dela”, afirma. Esta é a missão da Associação de Produtores Familiares do Alto Xingu (Adafax), da qual o padre Danilo é o tesoureiro. A organização ajuda produtores rurais familiares a diversificar sua produção agrícola, de forma que eles consigam viver sustentavelmente com o que obtêm das suas pequenas propriedades. Sentei para conversar com o padre Danilo e os produtores rurais Clarismar Pinto de Oliveira e Domingo Mendes. Queria entender melhor o trabalho deles e o impacto das suas ações em campo. A conversa foi uma inspiração. Compartilho abaixo alguns dos trechos, que explicam um pouco do caminho que eles estão buscando.

“Ontem, fui visitar um produtor em uma pequena comunidade chamada Xadá e fiquei impressionado com a mudança de mentalidade ”, diz Clarismar. Ele explica que o agricultor plantou recentemente 12 hectares de cacau, misturado às árvores nativas “de sombra”, aquelas mais altas e com copas largas, em uma área onde ele inicialmente planejava criar gado. Além do cacau, ele diversificou ainda mais a produção, criando lagos para piscicultura e uma horta. Hoje, a horta é sua atividade mais lucrativa, mesmo ocupando uma pequena área.

Clarismar repete o que um dos agricultores disse a ele. “Antes eu achava que só gado dava dinheiro e que só pela pecuária eu conseguiria ficar na minha terra. Agora, vejo que apostando em uma atividade só, teria dificuldade de me manter. Caso tivesse continuado só com a criação de gado, já teria vendido minha terra e me mudado para outra região”.

O padre Danilo reforça esse ponto de vista. “Aqui em São Félix do Xingu, é forte a ideia de que, para viver melhor, você tem que se tornar um grande pecuarista. Mas se você tiver 100 hectares de terra e tentar viver só de pecuária, o que vai acontecer? Você vai desmatar esses 100 hectares, vender para um grande pecuarista e terá que ir para outro lugar. Mas para onde? Daqui de onde estamos em diante só tem terra indígena e reserva ecológica, não tem mais para onde correr”.


Essa é a razão de o padre falar sempre sobre a necessidade de viver a partir da terra. O antigo ciclo de desmatar, esgotar a terra e se mudar não é mais viável. Os agricultores familiares precisam aprender que existem alternativas que os permitem viver melhor e se fixar nas suas propriedades.

Domingo aprendeu isso em primeira mão. “Eu não estaria mais na minha propriedade, se não tivesse começado a trabalhar em um novo sistema. Tenho 50 hectares, não dá para viver de pecuária em uma propriedade desse tamanho. Então, agora, estou diversificando: planto cacau e produzo concentrados de sucos de frutas. Acho que isso vai me trazer mais ganhos do que o gado traria”, ele diz.

Na região, muitos produtores como Domingo estão mudando sua forma de pensar, segundo o padre Danilo. “Estamos vendo resultados aqui em São Félix. Tem bastante gente percebendo que dá para viver bem com 100 hectares. Não é preciso continuar desmatando, nem ficar expandindo a região de fronteira agrícola. Existem alternativas viáveis – hortas, cacau, até mesmo gado, desde que em pequena quantidade e para a produção de leite. Essa ideia tem uma grande influência. Ela nos ajuda a deixar para trás a noção de que só o grande pecuarista sobrevive. Ter uma propriedade bem-estruturada e diversificada também é uma forma de viver bem”, diz o padre.

O produtor familiar Domingo vai além: “se todos fizerem coisas como recuperar as áreas degradadas e plantar árvores em margens de rios e nas nascentes, a situação vai melhorar bastante. Talvez até volte a chover por aqui do jeito que chovia”, ele diz, com esperança.