Agronegócio do futuro

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Ricardo Guerra nas instalações da unidade de sementes em Pato Branco

por Viviane Taguchi, de Pato Branco (PR) | Fotos Guilherme Pupo

Pato Branco, na região sudoeste do Paraná, é uma cidade conhecida por seus filhos célebres. Lá nasceram famosos como o jogador Alexandre Pato, o goleiro Rogério Ceni, do São Paulo Futebol Clube, Alessandra Maestrini, a empregada Bozena, da série de TV da Rede Globo Toma lá, dá cá, e o ex-ministro da Saúde Alceni Guerra. Mas, ultimamente, quem anda fazendo sucesso por lá não é artista, jogador ou político, e sim um empresário do agronegócio. E que fique bem reforçado aqui: do agronegócio do futuro. Ricardo Guerra é sobrinho de Alceni, filho de Luis Fernando e Carmem, e só tem 33 anos. Antes de completar 30 anos de idade, ele já havia realizado dois de seus sonhos: ser piloto de avião e conselheiro de um time de futebol. Neste caso, do seu time de coração, o Coritiba Futebol Clube. O terceiro grande desejo, ser um empresário de sucesso, declarado em uma redação da quarta série, ele conquistou há três anos, quando transformou a empresa da família, a Sementes Guerra, em um grupo internacional. Desde então, cada passo seu é acompanhado de aplausos, assédio e propostas que ele considera malucas. “Alô? O quê, comprar uma Ferrari? Não, muito obrigado”, disse ele após receber um telefonema que interrompeu o seu almoçohambúrguer com batatas fritas, acompanhados de refrigerante – e a entrevista concedida à Globo Rural. “Você acredita que tinha alguém querendo me vender uma Ferrari? Que loucura”, disse, quase indignado.

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Luis Fernando Guerra, o pai, continua no comando da empresa; Ricardo busca novos negócios

Ricardo desligou o telefone e continuou a comer. Tranquilo, ele parece acostumado com esse tipo de proposta. Trabalhando com o pai desde a adolescência (dos 15 aos 18 anos foi office boy e aos 25 anos, com diploma de administrador de empresas, tornou-se diretor da empresa), ele ficou conhecido em Pato Branco como “o filho do Guerra que encheu a empresa de gente jovem”. Isso porque, logo que assumiu a sementeira, fez uma auditoria e constatou alguns rombos. “Demiti os velhos diretores e contratei só gente nova, que eu conhecia”, diz. Na verdade, esses jovens eram seus amigos de escola – nem sempre os melhores amigos, mas os que ele considerava “os mais chatos, que não colavam na prova”. “Todo mundo dizia que eu era louco”, lembra. Um dia antes, Ricardo havia lançado um megaempreendimento em sua terra natal, a Biólice, primeira fábrica de plástico derivado de milho das Américas, que deve começar a produzir sacolinhas ecológicas em 2013, e se preparava para uma visita às obras de outro de seus negócios, em Guarapuava, também no Paraná. A bordo de um bimotor King Air de prefixo KSG – King Sementes Guerra –, ele aterrissou nas instalações da fábrica de pães e bolos Jacquet, a mesma marca que forneceu os doces na festa de inauguração da Torre Eiffel, em Paris, em 1889 (e foi adquirida pela Limagrain, em 1995). Em terra firme, inspecionou cada detalhe do empreendimento.

Tanto a Biólice como a Jacquet são frutos de uma parceria que começou em outubro de 2010, quando Ricardo soube que os executivos da Limagrain, cooperativa agrícola internacional com sede na França e que fatura 1,7 bilhão de euros, queriam entrar no segmento de sementes de milho no Brasil. “Me deu um estalo: eles queriam entrar no mercado brasileiro e eu precisava investir em tecnologia para não sumir diante das outras empresas de sementes. Então fui atrás deles”, lembra Ricardo. “As multinacionais estavam absorvendo todas as empresas de sementes brasileiras em seus negócios. Os nomes tradicionais sumiram no portfolio das grandes, e eu não queria isso para a empresa da família”, diz ele, lembrando casos como o da Agroceres, e da Agroeste, compradas pela Monsanto.

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Em fevereiro de 2011, os franceses anunciaram a compra de 50% da divisão de sementes de milho da Sementes Guerra, por R$ 100 milhões. Diferentemente dos outros negócios na área, os brasileiros continuaram na gestão da empresa, chamada de Limagrain Guerra do Brasil (LG). “Quem entende melhor do mercado brasileiro que os brasileiros, com sua cultura e modos próprios de negociar?”, diz o vice-presidente da cooperativa, Jöel Arnaud. Hoje, Luis Fernando, pai, é o CEO da companhia e Ricardo o diretor executivo. A parceria deu tão certo (após a fusão, o grupo adquiriu a Brasmilho, de Goiás, para facilitar a distribuição de sementes na região Centro-Oeste) que o faturamento anual da LG triplicou, chegando a R$ 130 millhões. Segundo Ricardo, em 2012 a companhia deve faturar R$ 230 milhões, mas a sua meta é chegar a R$ 1 bilhão em 2020, com todos os negócios, os já existentes e os que vêm por aí.

SACOLINHAS DE SUPERMERCADO
Das inúmeras idas à França – só em 2012 foram nove viagens –, Ricardo farejou os novos negócios. “Nada disso (a Biólice e a Jacquet) estava previsto”, confessa. “Mas quando, em uma dessas viagens, eu conheci a fábrica de bioplástico, percebi que seria uma ótima oportunidade para o Brasil. Nesta época, a polêmica na mídia girava em torno das sacolinhas nos mercados”, diz ele. Do sonho para a concretização do negócio, foram meses de conversa. “Os franceses sabiam que havia uma demanda grande aqui, mas não tinham pensando em investimentos no setor, e, em contrapartida, eu precisava do apoio das lideranças para mostrar que tínhamos condições de instalar uma fábrica desse porte”, conta. Obstinado a trazer a Biólice, não titubeou. “Liguei centenas de vezes para o governador Beto Richa, até que ele foi à França ver o negócio de perto e se convenceu de que era uma grande oportunidade.” Richa, por sua vez, garantiu aos franceses apoio fiscal, por meio do programa Paraná Competitivo. “Primeiro, eu achei que esse menino (Ricardo) estava maluco, mas, quando conheci o empreendimento, tive certeza que não, ele havia farejado um ótimo negócio”, diz Richa.

A região de Pato Branco é responsável por 9% da produção de milho do Estado, segundo Norberto Ortigara, secretário de Agricultura. A Biólice, de acordo com Guerra-pai, vai absorver 4 milhões de toneladas de milho por ano e agregar valor ao produto. Segundo ele, o bioplástico se decompõe em 182 dias. “Não foi um ímpeto investir nesse negócio, foi a visão empreendedora do Ricardo, que trouxe essa fábrica ao Brasil quando todos os setores ainda estão pensando em como diminuir os impactos nocivos à natureza”, diz o pai.

Os benefícios de agregar valor ao produto também se aplicam à fábrica da Jacquet. “Vamos colher a menor safra de trigo da história do Paraná, algo em torno de 2 milhões de toneladas, mas os triticultores devem voltar a apostar no segmento, porque a Jacquet vai demandar matéria-prima”, diz Ortigara. Ricardo projeta que a marca (51% de participação dos franceses e 49% dos Guerras), em duas décadas será a líder no mercado de pães industriais, biscoitos e bolos no Brasil. Por ora, vai brigar com marcas como Bauducco, Casa Suíça, Bimbo e Wickbold e será distribuída em 162 lojas da rede Pão de Açúcar e 15 do Extra. “Estamos estudando outras parcerias para exportar os produtos para os países da América Latina”, diz o empresário. No primeiro ano, a Jacquet deve faturar em torno de R$ 50 milhões.

Luis Fernando diz que o filho se acostumou a fazer negócios difíceis, não desiste facilmente. “Mal lançou esses dois empreendimentos e já está a mil.” Ricardo guarda a sete chaves qual será o seu próximo passo. Deixa escapar que a novidade também vem da Europa e que tem visitado a Bélgica. Resta a nós tentar adivinhar as novidades que ele trará para o agronegócio do futuro, o agronegócio do século XXI.

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GUERRA NOS NEGÓCIOS

Em dois anos, Ricardo Guerra deu um salto gigante nos empreendimentos familiares e transformou sua empresa regional em uma multinacional

TERRAS>7.500 hectares de terras, divididas em duas propriedades, uma em Pato Branco (PR) e outra no Piauí, com cultivo de soja, milho, trigo e feijão para sementes.

GRÃOS >400.000 sacas de sementes de soja, 70.000 sacas de sementes de trigo e 50.000 sacas de sementes de feijão. Em Pato Branco, fica a sede do Grupo Guerra. Esses três produtos não entram na sociedade com os franceses.

SEMENTES DE MILHO>700.000 sacas de sementes por ano. Com a parceria entre a família Guerra e a multinacional Limagrain na área de milho, formou-se o Grupo Limagrain Guerra do Brasil, em fevereiro de 2011.

BRASMILHO>Distribuidora de sementes de milho localizada em Goianésia (GO).

PÃES, BISCOITOS E BOLOS>Com capacidade para produzir 15 toneladas diárias, a Jacquet, fábrica de bolos, biscoitos e pães industriais, faz parte da sociedade franco-brasileira (51% do negócio é da Limagrain e 49% dos Guerras). Foi inaugurada no dia 9 de novembro, em Guarapuava. Com esse negócio, Ricardo espera faturar R$ 50 milhões até 2014. É a primeira fábrica da marca fora da Europa, onde a Limagrain faturou US$ 275 milhões em 2012.

BIOPLÁSTICO>A fábrica de polímeros de plásticos derivados do milho está sendo construída em Pato Branco. O produto promete revolucionar o mercado de plásticos, com sacolinhas 100% biodegradáveis e materiais para diversos usos, sobretudo na agricultura, que se decompõem em 182 dias. O negócio também é fruto da parceria com a Limagrain e terá capacidade para 4 milhões de toneladas de milho por ano.

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