Portos: na mira das mudanças climáticas.Acompanhe a série de reportagens

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por DINIZ JÚNIOR / ESPECIAL

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e a Agência de Cooperação Técnica Alemã (GIZ) estão compilando classificações para riscos que variam de vendavais à elevação do nível do mar em 21 portos brasileiros. As operações marítimas do Brasil movimentam os maiores volumes mundiais de café, soja e açúcar.

“A carência de dados ainda é a maior dificuldade que existe para a compreensão da vulnerabilidade das regiões portuárias brasileiras frente às mudanças climáticas”, disse em entrevista Alessandro Max Bearzi, especialista em regulamentação ambiental da ANTAQ.Uma segunda fase do estudo analisará se as ameaças têm se tornado mais frequentes e qual seria o impacto no futuro.

As hidrovias da América do Sul não foram poupadas do clima adverso que atinge outras regiões do mundo. Os rios na região norte da Amazônia subiram para níveis recordes, enquanto ao sul estão mais rasos devido à seca, dificultando o transporte de commodities para os portos e até mesmo a geração de energia.

Os portos costeiros do Brasil também enfrentaram desafios climáticos, incluindo ciclones, mas atualmente movimentam mais mercadorias conforme a demanda por commodities do país continua crescendo.

A ANTAQ estima que os mais de 200 terminais marítimos do país vão aumentar os embarques em 4% neste ano, superando 1,2 bilhão de toneladas, um volume recorde. O Porto de Santos, o maior da América Latina, continua batendo recordes, e é um dos três portos escolhidos pela agência para a segunda fase do estudo.

Embora a cidade de Santos não tenha experimentado nenhum contratempo relacionado ao clima, trabalha com a ANTAQ e coleta dados para avaliar os efeitos do clima adverso, disse Thiago Menezes, supervisor ambiental da Santos Port Authority (SPA). “Entendemos que é importante conhecer bastante a respeito”, disse.

A retomada da postura dos EUA em relação às questões climáticas e uma onda crescente de pressão popular, especialmente na Europa, vem chamando o setor marítimo a posicionar-se.

Em sua 3ª edição, o estudo dos GHG (gases de efeito estufa) realizado pela IMO (Organização Marítima Internacional) demonstrou que o transporte marítimo emite cerca de 940 milhões de toneladas de CO2 anualmente, portanto, algo em torno de 2,5% das emissões de GHG. E essas emissões podem aumentar significativamente caso medidas de mitigação não sejam implementadas rapidamente.

De acordo com esse estudo da IMO, as emissões do transporte marítimo poderiam, em um cenário “business-as-usual”, aumentar entre 50% e 250% até 2050, prejudicando os objetivos do Acordo de Paris.

De hoje até sexta-feira vamos publicar uma série de quatro reportagens sobre esse tema relevante. Na navegação,vamos mostrar  o que esta sendo feito para reduzir ou até mesmo neutralizar as emissões dos navios e como os portos do Brasil e no mundo estão se preparando para enfrentar os desafios climáticos e reduzir os riscos.

 

                 MUDANÇAS CLIMÁTICAS AMEAÇAM OS PORTOS

Santos é o maior porto da América Latina e o custo do impacto da mudança do clima pode ultrapassar R$ 300 milhões apenas no sudeste da cidade ao longo deste século

Com uma possível maior frequência de eventos climáticos extremos, a área dos portos pode registrar um aumento em seus processos de assoreamento e erosão, que, por sua natureza, causam a elevação do nível da água em decorrência do acúmulo de detritos e sedimentos.

Para o setor portuário, esse processo é problemático porque pode levar à interrupção da navegação nas regiões portuárias (por motivos de segurança) e até mesmo à inundação de pátios de terminais e áreas próximas – como zonas urbanas. Além disso, esses impactos, em conjunto, representam o aumento dos custos dos complexos marítimos e afetam ainda a durabilidade e resistência das instalações e das infraestruturas portuárias frente às condições ambientais e climatológicas.

Nesse sentido, os portos de todo o mundo estão em uma busca crescente por identificação e avaliação dos riscos climáticos que evidenciam a necessidade de elaboração de estratégias de adaptação que visam reduzir os prejuízos financeiros e operacionais decorrentes desses impactos.

Grandes complexos portuários, como os de Roterdã, na Holanda, e Nova York-Nova Jersey; Los Angeles-Long-Beach; San Francisco e Houston, nos Estados Unidos, têm estudado, na última década, os impactos que o aumento do nível do mar podem causar tanto em suas áreas portuárias como nas urbanas. E, em alguns casos, já desenvolvem planos de ação para se proteger dos impactos do fenômeno.

Para sua operação, esses complexos são dependentes de áreas abrigadas, condições de acessibilidade e segurança na navegação interior (profundidade e largura do canal), de modo a receber navios e estes possam embarcar e desembarcar suas cargas de modo seguro – fatores diretamente influenciados pela variação de profundidade e pelo clima local (ventos e eventos naturais como tempestades e ressacas). Assim, as mudanças climáticas e suas consequências, como o aumento do nível do mar, acabam tendo impacto direto nos portos.

“ Segundo pesquisadores e especialistas internacionais, até o final do ano 2100, o aumento do nível do mar deve ser de 0,18 a 0,59 metro, suficiente para afetar a infraestrutura dos portos, especialmente as obras de abrigo, implantadas para garantir as condições de operação”.

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) selecionou os três portos que vão compor a segunda fase do estudo sobre o impacto das mudanças climáticas nos portos brasileiros. Os portos escolhidos são os de Aratu/BA, Santos/SP e Rio Grande/RS.A seleção levou em consideração o ranking de risco climático desenvolvido na primeira fase do estudo, bem como o fato desses portos terem empreendimentos portuários priorizados pelo Programa de Parcerias de Investimentos-PPI, para os próximos anos. Buscou-se ainda garantir a representatividade dos portos ao longo do território nacional, abarcando um porto da Região Nordeste, um da Região Sudeste e um da Região Sul.

O Porto de Aratu, apesar de não estar na lista do PPI, apresentou a posição mais crítica no ranking de risco climático considerando os portos da Região Nordeste e dentre todos os portos públicos estudados. Foi o porto com maior risco climático constatado, considerando tanto a ameaça climática de tempestades, como o aumento do nível do mar, no cenário atual e no cenário projetado para 2050.O Porto gaúcho do Rio Grande está na lista do Programa de Parcerias de Investimentos e possui a posição mais crítica no ranking de risco climático considerando os portos da Região Sul.

Segundo a ANTAQ, o porto do Rio Grande está sob maior risco climático para as ameaças de tempestades (3º lugar geral no cenário atual e para o ano de 2050) e aumento do nível do mar (2º lugar geral). Divulgação Portos RS

O Porto de Santos, além de constar da lista do PPI, possui a posição mais crítica no ranking de risco climático considerando os portos da Região Sudeste. Está sob maior risco para as ameaças de vendaval (2º lugar no ranking geral no cenário atual e 3º lugar para o ano de 2050) e aumento do nível do mar, 4º lugar no ranking geral no cenário previsto para o ano de 2050. O custo do impacto da mudança do clima pode ultrapassar R$ 300 milhões apenas no sudeste da cidade de Santos ao longo deste século. Na área, densamente construída, vivem 34 mil pessoas próximas ao mar, e já vem sofrendo com ressacas, inundações e tempestades mais intensas e frequentes.

As cidades costeiras são muito vulneráveis às consequências da mudança do clima como o aumento do nível do mar, as ondas de calor, as inundações e secas, reafirma o relatório “Impacto, vulnerabilidade e adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas”, lançado em 2017 e o primeiro, específico para a área costeira. A instabilidade fica maior com o aumento na intensidade das chuvas, inundações e deslizamentos. O quadro piora com o aumento das tempestades e dos ventos, que dão mais força às ressacas.

Marengo: As inundações têm potencial para causar transtornos à rede de transportes, danificar escolas e hospitais e provocar estragos à infraestrutura

“Quando se fala em aumento do nível do mar, as pessoas pensam em uma banheira, com a água subindo”, diz José A. Marengo, coordenador geral de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, o Cemaden. Mas é mais complexo que isso. O mar sobe e há a interação com ventos, tempestades, ondas maiores. “Pode ser um fenômeno gradual em que ondas crescem ou as águas entram mais dentro de uma cidade depois de uma tempestade”, relata o cientista.Os efeitos podem ser múltiplos. Desde o esgoto sendo empurrado pelo mar para dentro da cidade tornando-se fonte de doenças, à contaminação de aquíferos pela água salgada e enchentes provocadas pela invasão do mar aos rios. As inundações têm potencial para causar transtornos à rede de transportes, danificar escolas e hospitais e causar estragos à infraestrutura urbana de modo geral. “Embora este seja um tema importante, no Brasil é quase inexplorado”, diz Marengo, co-autor do estudo.

O superintendente de Desempenho, Desenvolvimento e Sustentabilidade da ANTAQ, José Renato Fialho, explica que na primeira etapa do estudo foi elaborado um ranking de risco climático para 21 portos públicos brasileiros considerando as ameaças climáticas: vendaval, tempestades e aumento do nível do mar a partir da observação de eventos extremos observados e projetados para os anos de 2030 e 2050. Segundo informou, os relatórios finais dessa fase estão sendo compilados e serão divulgadas pela ANTAQ e pela GIZ.

A segunda etapa do estudo proporcionará análises customizadas de riscos climáticos para as instalações portuárias selecionadas, por meio de estudos de casos individuais sobre os efeitos das mudanças climáticas, bem como vai propor medidas de adaptação com a finalidade de garantir a regularidade e segurança em suas operações.

Nery: Haverá estudos de ocorrências das ameaças climáticas para o clima atual e clima futuro

Também haverá estudos de ocorrências das ameaças climáticas para o clima atual e clima futuro. A partir do levantamento das variáveis climáticas para cada porto selecionado, deve-se identificar os limiares que causaram danos, como, por exemplo, chuva acima de 100 milímetros, ventos acima de dez metros por segundo. Para tal, deve-se comparar as datas de ocorrência de danos com a série histórica das variáveis climáticas.

Segundo o diretor-geral da Agência, Eduardo Nery, a expectativa é que, além fomentar a elaboração de políticas públicas do setor de forma a incorporar componente de risco climático na estruturação de projetos portuários, essas informações serão utilizadas para aprimorar a regulação e a fiscalização exercidas pela ANTAQ.

 

13/ Segunda-feira – NA MIRA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

14/ Terça –  UM PAÍS QUE APRENDEU A CONVIVER COM AS ÁGUAS

15/ Quarta INUNDAÇÃO DA MARÉ ALTA NOS EUA BATE RECORDES

17/Sexta- O QUE ESTÁ SENDO FEITO PARA REDUZIR OS RISCOS CLIMÁTICOS NOS PORTOS E NA NAVEGAÇÃO

Todas as reportagens dessa série são de autoria do jornalista Diniz Júnior