O Rio Grande do Sul na rota da importação irregular de lixo hospitalar

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Foram 65 contêineres, com aproximadamente 1.099 toneladas – em meio às aparas de papelão, que eram a maioria

por DINIZ JÚNIOR / ESPECIAL

Não é de hoje que os portos brasileiros recebem contêineres lotados de lixo hospitalar oriundos dos Estados Unidos. O caso mais recente foi descoberto pela Procuradoria da República no Rio Grande do Sul em uma operação em conjunto com a Receita Federal do Brasil (RFB) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).

A mercadoria – consistente em “aparas de papel e papelão” para reciclagem – foi despachada pelo Port Everglade, na Flórida, e chegou a Rio Grande entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020 (não foi numa única remessa), mas divulgado na semana passada pelo MPF /RS. Uma pequena  parcela saiu do Porto de Nova York.

Foram 65 contêineres, com aproximadamente 1.099 toneladas – em meio às aparas de papelão, que eram a maioria – assim não era uma carga puramente de lixo, o lixo estava misturado ao material.

Apara de papelão é utilizada principalmente, na fabricação de caixas utilizadas em embalagens de produtos como alimentos, frutas, eletrodomésticos em geral, objetos frágeis, entre outros, para transporte até fábricas, lojas, supermercados, escritórios, etc.

De acordo com o procurador da República em Rio Grande (RS), Daniel Luis Dalberto, a empresa importadora foi obrigada a dedetizar toda a carga antes da abertura dos contêineres para fiscalização, pois havia insetos e organismos vivos, tendo em vista os detritos orgânicos.A análise das embalagens indicou que tinham origem em shoppings, escolas, supermercados e hospitais de diversos estados americanos da costa leste americana.

Também havia lixo doméstico misturado, restos de construção, tubos de coleta de material para exames laboratoriais, alguns inclusive com substância ainda em seu interior; embalagem primária de bolsa de soro fisiológico cloreto de sódio a 0,9% já utilizada; bolsa de sonda para coleta de urina usada; embalagem primária de bolsa de solução de sulfato de magnésio já aplicada; embalagem primária de cartela de medicamentos já consumidos; luvas cirúrgicas usadas; embalagem primária de alimentos já consumidos; restos de alimentos; pedaços de madeira, pneus, tapetes de borracha, metais e isopor; entre outros exemplares.

“Tivemos que negociar com a empresa a cláusula do sigilo (nome da empresa e número do procedimento) porque esta alegou – por várias razões – ser vítima da empresa nos EUA, mas avisamos as autoridades americanas. O Ibama também impôs multa à empresa. Também avisamos a Receita Federal de outros dois estados que recebiam cargas similares, mas nada foi encontrado nesses locais até agora” destacou Dalberto.

O procurador informou, ainda, ter comunicado às autoridades norte-americanas sobre a devolução da carga, e para que, entendendo conveniente, procedam à fiscalização das irregularidades em seu país, visto que a investigação constatou problemas de descarte, recolhimento e transporte de rejeitos, inclusive perigosos, em inúmeros locais de toda costa leste daquele país.

A empresa responsável pela importação pagou uma multa de R$ 706.359,65 na última terça-feira (9).A tratativa  foi homologada pela 1ª Vara Federal de Rio Grande (RS)O produto foi devolvido aos Estados Unidos.

Lixo hospitalar trazido dos EUA é vendido até pela internet

Em 2011 lençóis com nomes de hospitais dos EUA encontrados pela Receita Federal no porto de Suape e classificados como lixo hospitalar, eram vendidos por quilo em Santa Cruz do Capibaribe, a 205 km de Recife, em Pernambuco. O produto era vendido também pela internet.

Na época a Receita apreendeu dois contêineres com 46 toneladas de resíduos hospitalares vindos dos EUA que eram descritos em documentos como “tecido de algodão com defeito”.Nos compartimentos, no entanto, foram encontrados lençóis manchados de sangue e seringas entre outros.O material é proibido de entrar no país e oferece risco à saúde. Especialistas dizem que lençóis só podem ser reaproveitados após rigoroso processo de esterilização.Em 2011, a mesma importadora já havia trazido para Pernambuco outros seis carregamentos, que não foram retidos na fiscalização.

Na época fiscais em Suape encontraram sinais de que parte do material poderia ter vindo de hospitais americanos instalados no Iraque e no Afeganistão.

Em 2012 a Receita Federal apreendeu em Itajaí (94 km de Florianópolis), 20 toneladas de lixo hospitalar e de hotéis que estavam acondicionadas em um contêiner no porto da cidade. O material veio de hospitais e hotéis da Espanha e estava relacionado como sendo “tecido atoalhado de algodão hospitalar.O material especificado deveria ser tecido usado na fabricação de toalhas de limpeza. Porém, os fiscais acabaram encontrando itens usados, que foram descartados como resíduo, devido ao péssimo estado de conservação.

Tantos casos semelhantes puseram a Receita Federal em alerta. Em 2013, foram apreendidas em Itajaí  40 toneladas de lixo hospitalar canadense contaminado com polietileno que seria em liberado em Santa Catarina. Em maio do mesmo ano, foram apreendidas 19 toneladas de lixo hospitalar espanhol. A carga foi descoberta pela operação Maré Vermelha, que fiscaliza fraudes do comércio exterior.

UMA REFLEXÃO

 

Países do primeiro mundo exportam para as regiões pobres vários tipos de resíduos prejudiciais à saúde humana e à do planeta. Ganhar dinheiro com o lixo – legal ou ilegalmente – é um negócio cada vez mais promissor. Para as pessoas comuns ver as cenas do lixo em dezenas de contêineres é assustador. Mas isso, infelizmente, não é novidade.

No Brasil a imagem chocou porque é rara. A exportação de lixo perigoso existe há muitos anos em todos os países. Esse comércio internacional funciona de diversas formas. No livro TOMA QUE O LIXO É TEU,de minha autoria, revelo que o que ocorreu no Brasil é que importamos muito papelão e plástico para a reciclagem. Mas dessa vez, o que se fez foi enviar um produto – enquanto o que tinha dentro dos contêineres era outro produto. Era lixo domiciliar, fraldas, seringas e até camisinhas. Foi declarado um produto e recebemos outro.

O caso do lixo britânico que veio para o Brasil chama a atenção para uma área do comércio internacional pouca conhecida do grande público. Compra-se e vende-se lixo pelo mundo em quantidades maciças. O negócio não cheira bem, mas exala o perfume de altos lucros que atrai empresários – e também o crime organizado. O mesmo Reino Unido que enviou lixo para o Brasil compra 200 mil toneladas do produto no exterior. O problema, neste caso, é que os britânicos exportaram para o Brasil lixo tóxico. Isso é proibido por acordos internacionais – salvo se os países envolvidos concordarem com a operação, o que não foi o caso.

O estranho caso dos carregamentos de lixo que chegaram ao Brasil em 2009 procedentes da Europa, e que desafiaram a Receita e a Polícia Federal, despertou a surpresa. É o Primeiro Mundo livrando-se da carga de seus rejeitos e desperdícios e empurrando-os para os mercados abertos do subdesenvolvimento.

Mas algo mais grave está cristalino e deve ser amplamente debatido: a sociedade de consumo não sabe o que fazer com as toneladas de lixo que produz. Há os que defendem que cada país deva armazenar o próprio lixo e não exportá-lo. Outros alegam que em uma economia globalizada é inevitável a livre circulação de mercadorias, inclusive o lixo, e que esse comércio deva ser regulamentado, mas não proibido. Na verdade, como em qualquer negócio que envolva muito dinheiro, o que se deve combater é o comércio ilegal, as grandes máfias e não transformar os países pobres em um lixão do mundo rico.

MAIS INFORMAÇÕES SOBRE O DESCARTE IRREGULAR DE LIXO

 

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