Por Jefferson Klein/ Jornal do Comércio-RS
As soluções adotadas em um ambiente hostil como o da Antártica podem servir de inspiração para ideias a serem empregadas na logística mais comercial. O coordenador científico do Programa Antártico Brasileiro e representante nacional no comitê internacional de pesquisas nessa região, Jefferson Simões, argumenta que a experiência nesse continente prova que o aproveitamento de práticas mais sustentáveis é viável. O pesquisador liderou a expedição que instalou, no começo deste ano, o módulo Criosfera 1 para levantar informações sobre a química da atmosfera, glaciologia, geofísica e climatologia dessa parte do planeta. Essa entrevista foi publicada no Jornal do Comércio-RS
Jornal do Comércio – Que iniciativas realizadas na Antártica poderiam ser utilizadas também no processo logístico tradicional?
Jefferson Simões – A experiência na Antártica indica a tendência de fazer uma logística cada vez mais sustentável. Os acampamentos e estações, por exemplo, aproveitam a geração de energia solar e eólica, pois vento não falta no interior da Antártica. Também se busca usar equipamentos mais leves e terceirizar a logística. Isso pode despertar o interesse dos empreendedores desse setor, porque esse não precisa ser um trabalho governamental. Se há 30 anos, quando o programa antártico brasileiro começou, era uma coisa raríssima uma empresa comercial fazer o transporte para essa região, hoje está se tornando cada vez mais viável. São poucas ainda, mas já existem casos de companhias aéreas que fazem logística comercial para o interior da Antártica.
JC – Então o modal aéreo tem propiciado o avanço das pesquisas na região?
Simões – O transporte aéreo permite você avançar dentro do continente com aviões levando toda a carga de equipamentos de pesquisa, barracas, alimentação etc. Usa-se desde grandes aeronaves, como o Ilyushin-76, da época da guerra fria, até o velho DC-3, adaptado e modernizado. Por outro lado, questões pequenas também são muito importantes. A utilização de roupas polares adequadas, o cálculo de calorias para a alimentação, entre outros pontos. Eu sempre gosto de brincar que para um aventureiro o desafio é atravessar a Antártica e acaba aí. Nós (pesquisadores) temos que sobreviver e produzir resultados, voltar para o Brasil e durante dois a três anos publicar trabalhos.
JC – Quais são as maiores dificuldades logísticas enfrentadas nesse ambiente?
Simões – Há a distância e as baixas temperaturas e depende de qual tipo de Antártica a ser abordada. Se for a Antártica marítima, é preciso lidar com o oceano, que muitas vezes está congelado, e é necessário empregar navios resistentes ao gelo. Já para entrar na Antártica são outros os desafios, como atravessar áreas com fendas enormes no gelo e sobreviver a temperaturas muito mais baixas. Enquanto a temperatura média na estação Comandante Ferraz é de -2,8°C, no local do Criosfera 1 (módulo latino-americano mais ao sul no planeta) que fica a cerca de 2,5 mil quilômetros dessa base, a temperatura média é de -40°C.
JC – Qual a sua avaliação quanto ao incêndio ocorrido em fevereiro na estação Comandante Ferraz?
Simões – Certamente foi uma fatalidade. A grande questão que está sendo colocada, que ainda é cedo para aprofundar, porque o inquérito está aberto, são as responsabilidades e como se deu o incêndio. Já se sabe que o fogo começou na casa de máquinas. O que é garantido é que a comunidade científica decidiu, e foi feita essa demanda para os ministérios da Defesa e de Ciência e Tecnologia, que a nova estação não pode seguir o mesmo modelo, que era arcaico. É preciso ter uma estação que considere o que se tem de melhor em logística no mercado e de materiais ambientalmente mais sustentáveis, leves e de acordo com a ciência de vanguarda. Se Deus quiser, no ano que vem teremos uma licitação internacional quanto a isso. Mas, o programa antártico brasileiro não é apenas a estação Comandante Ferraz. Em torno de 60% das pesquisas são feitas no oceano e em acampamentos, em outros locais.
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