Os oceanos em apuros

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O fotógrafo Stephen Mallon capturou uma série de fotos ao longo de vários anos para documentar os métodos incomuns que a cidade de Nova Iorque usa para se livrar dos vagões de metrô quebrados.Barcos- balsa são carregados com o vagões quebrados e navegam até as águas frias do Atlântico Norte. Lá, com o uso de uma máquina especial, os vagões são jogados ao mar e empurrados para as profundezas geladas.

por Mauro Pasin

A cada dia, a areia dourada e o mar cristalino do paradisíaco cenário da Costa dos Coqueiros, no litoral norte baiano, ganham companhia: toneladas de lixo despejadas em alto mar. Elas vêm de todas as partes do mundo, com rótulos coloridos e nos mais variados idiomas, para tristeza dos ambientalistas como Fabiano Prado Barretto. Em 2001, o brasileiro que morava em Portugal aproveitava as férias em Salvador. Ao se deparar com o crime ambiental, resolveu quantificar o desrespeito. Em um ano, 4.349 embalagens de 75 países foram recolhidas em 172 km de litoral. Foi a comprovação da prática ilegal feita por barcos pesqueiros, embarcações de turismo e navios mercantes: o lixo a bordo é despejado no mar. Com a ação da chamada Corrente Sul Equatorial – que atua desde a África até o nordeste brasileiro -, as rajadas de vento vão lentamente acumulando os resíduos no litoral brasileiro.

O lixo coletado por Barreto inspirou uma exposição fotográfica e motivou o trabalho de conscientização ambiental através da ONG Global Garbage. A revolta passou a ser divulgada para todo o mundo. “Nas longas viagens do sul da Ásia ao Brasil, são cerca de 40 dias e o lixo se acumula. Um navio com 14 pessoas consome 70 garrafas de água mineral de 1,5 litro por dia. É preciso e possível criar um sistema para que os navios não se sintam livres para jogar o lixo no mar”, afirma Barreto.

A preocupação é a mesma do Greenpeace.”Infelizmente, parece estar no inconsciente das pessoas que o mar se comporta como uma grande lata de lixo. A maioria dos brasileiros tem a falsa ideia de que está tudo bem com o mar, que está sempre azul. Os problemas vão além do que somos capazes de enxergar. Sem dúvida, a sociedade brasileira ainda não se deu conta do tamanho do impacto que é causado por simplesmente esquecer uma bituca na areia ou um saquinho plástico”, afirma Leandra Gonçalves, coordenadora da campanha de oceanos do Greenpeace.

O LIXÃO DO PACÍFICO

A região fica no oeste dos Estados Unidos, entre a Califórnia e o Havaí e é resultado da ação das correntes marítimas. Pesquisadores debatem alternativas para a sua limpeza. Retirar os resíduos da superfície seria fácil, mas remover a parte submersa significaria tirar também a água do mar, com microorganismos vivos, causando um impacto ambiental ainda maior. Enquanto a faxina não acontece, o tamanho do lixão aumenta.

DE QUEM É A CULPA?

Leis existem para evitar o desrespeito. A Convenção Internacionalde 1973, conhecida como MARPOL (abreviação para Marine Pollution ou Poluição Marinha), determina que cada embarcação é responsável pelo armazenamento do lixo a bordo e pela destinação adequada nos portos de destino. Despejar os resíduos no oceano é estritamente proibido. Só que, com as falhas na fiscalização, o descarte em alto mar tornou-se um crime comum. Por lei, todos os navios estrangeiros que chegam devem apresentar um documento que mostre onde os resíduos foram descartados pela última vez. Fabiano Barreto denuncia a falta de fiscalização nos portos brasileiros. “Se um navio chega ao porto dizendo que quer entregar o lixo, a empresa terceirizada que faz o serviço será acionada. Agora, se o navio chegar e não solicitar a retirada do lixo, alguém vai questionar?Ninguém pergunta nada, até mesmo se ele jogou no mar. Ele não sofre fiscalização nenhuma!”.

Em conversas com tripulantes de navios mercantes, Barreto ouviu depoimentos de que o lixo é jogado no mar por “conveniência, negligência e economia de gastos”. Os principais portos brasileiros oferecem o serviço de coleta de lixo por meio de empresas privadas, mas é um serviço caro.

Segundo levantamento da ONG Global Garbage, cada quilo de resíduo coletado custa, em média, R$ 2,60 no porto de Santos. No porto do Rio de Janeiro, o valor é de R$ 240,00 por cada m3 de resíduo. Segundo Barreto, de cada três navios que atracam nos portos brasileiros, em média, apenas um solicita o recolhimento de lixo. No Brasil, a Marinha e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária são as responsáveis pela fiscalização.

A portaria nº 48, emitida em junho de 1995 pela Anvisa, identifica que a empresa administradora do porto é responsável pela coleta, transporte e destino final do lixo originário das embarcações. Mas evitar o despejo de lixo na extensa costa brasileira não é tarefa fácil. “Em geral, a Inspeção ocorre na chegada dos navios ao porto, quando são verificados itens como exibição de cartazes a bordo informando as exigências relativas ao alijamento de lixo, a existência a bordo de um Plano de Gerenciamento do Lixo do Navio e a existência de um Livro de Registro do Lixo, onde cada operação de descarga deve ser detalhadamente registrada.

Quando houver razões claras para acreditar que o Comandante ou a tripulação não estejam cumprindo com os procedimentos essenciais, o Inspetor Naval deve tomar as medidas necessárias para que o navio não suspenda até que a situação esteja regularizada”, afirma Paulo Sampaio, diretor de Prevenção de Poluição da Diretoria de Portos e Costas (DPC). O descarte de lixo na faixa de 200 milhas do mar territorial brasileiro é um crime passível de multa que pode variar de R$ 7 mil a R$ 50 milhões.