O trabalho que transforma vidas: no chão da fábrica, a dignidade

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Por Kamila Almeida

kamila.almeida@zerohora.com.br

João Batista trabalha em fábrica de pincéis e comemora ser visto como alguém capacitado

João Batista do Santos não aceita rótulos. Teve pânico de cruzar o portão de casa, quando criança. Hoje, não se apequena diante de quase nada. A deficiência mental diagnosticada aos nove meses impediu que João prosseguisse nos estudos. Abandonou a escola na terceira série, aos 14 anos. A paralisia tomou conta apenas do lado esquerdo do rosto. Todo o resto funciona a mil. Aos 43 anos, sustenta mulher e duas filhas também com problemas intelectuais.

Já foi empacotador e servente em supermercado, frentista, carregou pedra, cimento em obra e cortou grama. Conta ter sido humilhado por onde passou. Cansou de chegar em casa arrasado com os comentários dos colegas.

Ao longo dos 27 anos de atividades, não teve um dia que não fosse de enfrentamento. O seu maior sonho era encontrar um lugar para trabalhar em paz. Em setembro do ano passado foi contratado pelo grupo Bettanin, empresa que tem outros 72 funcionários com deficiência.

Prazer em ser trabalhador, João Batista sempre teve, mas, agora, trocou a satisfação em ganhar dinheiro somente pela gratificação de ser visto como alguém capacitado. É no chão de fábrica que ele mostra a sua grandeza. Aproveita as oito horas na função.
Propostas para pleitear uma aposentadoria por invalidez não faltaram. João Batista se nega a tratar do assunto. É no trabalho que encontra dignidade. É lá que espanta todos os preconceitos. Desde os 15 anos já trabalha. Primeiro para ajudar no sustento da mãe. Depois, no da mulher, mais tarde na alimentação das duas filhas.

Agora, mais um depende da sua determinação: o neto Gabriel Henrique, de 15 dias. Para ter uma velhice feliz e cumprir com o objetivo de uma vida inteira de labuta, só falta agora construir uma casinha.

— Já me informei sobre o assunto. Não deve passar de R$ 7 mil, uma daquelas pré fabricadas. Pelos meus cálculos, juntando com o fundo de garantia, ainda vou precisar trabalhar mais uns dois, três anos — projeta.

Resta saber se depois de a meta cumprida, conseguirá gozar do merecido descanso. Dona Rute, a mulher, tem lá as suas dúvidas.