Especial Praticagem: os riscos dos embarques e desembarques em navios

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por Diniz Júnior / Com o apoio do Conselho Nacional de Praticagem-CONAPRA

A passagem do prático da lancha para o navio é o momento mais perigoso para quem exerce a atividade. O profissional tem como função auxiliar o comandante da embarcação e garantir a segurança nas manobras de ingresso e atracação nos portos. Além da dificuldade imposta por ondas e ventos, um em cada oito arranjos no mundo apresenta irregularidades, segundo dados da pesquisa da Internacional Maritime Pilots’ Association (IMPA) realizada em 2020. A escada de quebra-peito e a escada de quebra-peito combinada com a escada de portaló são os principais meios de embarque e desembarque e devem estar conservadas e instaladas em acordo com as normas da Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS). As escadas são feitas de corda, com degraus em madeira, as escadas quebra-peito são utilizadas mundialmente pelo práticos e profissionais que vistoriam navios.

Situada no costado do navio, não é fixa, surgindo daí o nome de quebra-peito: num movimento mais brusco, pode jogar o prático contra o costado do navio.Os brasileiros bateram recorde de participação na pesquisa, com 2.906 relatórios enviados, quase a metade do total enviado no mundo; demonstrando toda a preocupação da categoria com o tema. De acordo com o levantamento, 12,11% dos meios de acesso aos navios estavam instalados incorretamente ou malconservados, pondo em risco a vida do prático no embarque e desembarque.

O estudo realizado por práticos mostra que nem sempre os navios instalam e mantêm as vias de acesso de acordo com as melhores práticas, o que pode aumentar o risco de um incidente. Os resultados indicaram que, apesar das muitas iniciativas destinadas a melhorar a segurança e a conscientização, o nível de descumprimento ficou inalterado ao longo dos últimos anos e permanece constante entre 15% e 20%. Nas 2 709 respostas à pesquisa, os graneleiros foram destacados como um dos tipos de navio com os maiores níveis de não conformidade. Navios que transportam automóveis tiveram os resultados mais positivos, com apenas 8,24% de não conformidade relatados.

Os dois principais defeitos observados na escada de prático se referem a degraus que não são horizontais e escadas que não ficam apoiadas contra o casco do navio. Quando um dispositivo de acesso combinado foi solicitado, quase um terço de todos os defeitos surgiram devido às escadas não estarem fixadas no costado das embarcações.

O relatório observa que baixos padrões na navegação marítima são preocupantes e resultam em formas de acesso ao navio sem a devida segurança. O uso de ganchos tipo pelicano e correntes é destacado como uma tendência preocupante, resultando em que a integridade dos dispositivos de embarque dependa de uma estrutura frágil em vez dos cabos laterais mais resistentes.

O estudo lembra que o prático é parte importante para a segurança e eficiência dos navios e os operadores devem garantir que os dispositivos de acesso à escada do prático estejam em conformidade com as melhores práticas reconhecidas.

 Livro alerta os riscos

São inúmeros os riscos corridos pelos práticos afim de garantir a segurança das manobras e da operação. O livro  “Crossing the Bar: The Adventures of a San Francisco Bay Bar Pilot”  escrito pelo Capitão Americano “Paul Lobo” está repleto de situações de risco, acidentes e fatalidades sofridas por práticos.  Os tipos de acidentes variam de relato para relato mas a frequência de acidentes no momento de embarque nos navios impressiona.  No Brasil a realidade é a mesma ou pior. Em fevereiro de 2019 no Porto de Itaguaí, um prático sofreu um grave acidente ao tentar acessar o navio para realizar o procedimento de ancoragem. Ele caiu   no mar e veio a óbito. De acordo com testemunhas, a tripulação teria abandonado prático que tentava acessar a embarcação para realizar o procedimento de ancoragem do navio. A família de Valdir acusa a tripulação do barco por omissão de socorro. De acordo com o advogado da família, relatos de testemunhas dão conta que o navio não realizou os protocolos internacionais de segurança.

As causas principais dos acidentes muitas vezes são relacionadas a condições climáticas adversas, falha mecânica ou erro humano.  Os especialistas em gestão de risco e segurança analisam caso a caso, mas em grande parte atribuem os acidentes a um conjunto de fatores e a uma sucessão de equívocos, pois raramente apenas um fator isolado é responsável pelo desencadeamento de um acidente grave. O fato é que é sempre melhor prevenir do que remediar.

Este vídeo foi elaborado pelo Conselho Nacional de Praticagem com o objetivo de relembrar aos mestres e marinheiros, alguns ensinamentos importantes, para que possam auxiliar o Prático, da melhor forma possível, nas operações de transferência.

 

 

Principais irregularidades constatadas na pesquisa de 2020:

a média de não conformidades encontradas foi de 17,8%. Um número maior que o apresentado nas últimas pesquisas desta natureza (13,3% em 2010 e 16,5% em 2007);

graneleiros, pesqueiros e navios de carga geral são os que mais apresentam não conformidades;

as principais não conformidades apresentadas são classificadas como “escadas de quebra peito com defeito” (exemplo: escadas que não permanecem encostadas no costado do navio) e “defeitos nos equipamentos de segurança” (exemplo: falta de boias salva vidas com iluminação automática);

baixa qualificação marinheira de tripulação, já que diversas escadas são encontradas com amarração inadequada às estruturas dos navios.

Diante deste cenário, diversas autoridades portuárias pelo mundo reforçaram seus alertas a respeito deste item, bem como deram um foco especial nas inspeções.

Na semana passada ocorreu o webinar Dangerous Ladders, iniciativa da Praticagem do Brasil transmitida via internett, e reuniu o  prático Arie Palmers, que atua na Holanda, e centenas de profissionais. Ele apresentou as principais irregularidades encontradas nos dispositivos de embarque e desembarque dos navios e o que vem sendo feito para mitigar a situação. Palmers lembrou que este ano três pessoas já morreram: um prático em Taiwan e dois oficiais de náutica na China, que também podem fazer uso dessas escadas.Ele passou a fiscalizar e cobrar os responsáveis sobre o tema após sofrer dois acidentes em 2018. De lá para cá, ele vem contabilizando os problemas durante seus embarques e, até o momento, registra 57% dos navios em não conformidade com a regulação.”Imagina se em qualquer indústria 57% do material estivesse irregular”? – questiona.

O prático, no entanto, não acha justo culpar mais de 50% das embarcações por ignorância da legislação. Em sua opinião, a razão básica para as falhas são a própria regulação, as exigências e avisos que cercam a matéria, que, segundo ele, não apresentam clareza e são contraditórios. Ele disse que o próprio poster educativo da Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA), afixado no passadiço dos navios, contém incoerências que estão sendo corrigidas com a sua colaboração.

Além disso, acrescentou, a maioria dos práticos acaba embarcando de qualquer forma para cumprir o serviço e dificilmente faz relatórios às autoridades.”Se nós escolhermos não fazer nada, todo ano de três a cinco pessoas vão morrer em arranjos de embarque irregulares”, advertiu.

Em paralelo à cobrança pelo avanço na regulação, Palmers acredita que a experiência mostra que o melhor a fazer não é apontar culpados, mas, sim, treinar as tripulações, explicando o que é certo e errado na instalação das escadas. Recentemente, a IMPA lançou um guia para os marítimos e as empresas de navegação, em parceria com a International Chamber of Shipping (ICS).”Todo mundo a bordo quer fazer o seu trabalho o melhor possível”, observa.

A live completa está no canal no YouTube da Praticagem do Brasil. A apresentação foi do diretor técnico do Conselho Nacional de Praticagem, prático Marcio Fausto.