Especial: o que está matando milhões de abelhas no Brasil?

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por Diniz Júnior com apoio da agência de jornalismo Unearthed

A mortandade de 100 milhões de abelhas no Mato Grosso, no município de Sorriso, infelizmente não é um fato isolado. A notícia ganhou destaque na mídia nacional e internacional. A mortandade de abelhas tem chamado a atenção nas últimas duas décadas em nível mundial. No Brasil os relatos começaram em 2005. Várias razões são apresentadas, entre elas: modificações climáticas, enfermidades, modificação de ecossistemas para substituir por área urbana ou agropecuária, radiação de torres de sinais eletromagnéticos, utilização de agrotóxicos e modificação genética de abelhas (principalmente das rainhas).

Existe até uma sigla em inglês CCD (Síndrome do Colapso das Colônias, em português), para identificar a perda de colmeias quase da noite para o dia. Exemplos registrados nos últimos dez anos provam que no Japão foram perdidas 25% das colônias de abelhas, nos Estados Unidos entre 30- 40% e na Europa 53%.

Albert Einstein previu no século passado que, se as abelhas desaparecessem da superfície da Terra, o homem teria apenas mais quatro anos de vida. A morte em grande escala desse inseto, interpretada como apocalíptica na época, é hoje um alerta real. Desde o começo do século, casos de morte e sumiço de abelhas são registrados nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, estudiosos destacam episódios alarmantes a partir de 2005. Uma simples busca no Google revela centenas de reportagens que denunciam um verdadeiro descaso dos órgãos públicos.

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Proibido na Europa, liberado no Brasil

Mas afinal, de quem é a culpa? O principal causador, afirmam especialistas e pesquisas laboratoriais, é o contato com agrotóxicos à base de neonicotinoides e de Fipronil, produto proibido na Europa há mais de uma década. Esses ingredientes ativos são inseticidas, fatais para insetos, como é o caso da abelha, e quando aplicados por pulverização aérea se espalham pelo ambiente.

A morte dos polinizadores por contato com os agrotóxicos pode ocorrer de vários modos. O mais comum é quando a operária sai para a polinização. Muitas acabam morrendo na hora, outras ficam desorientadas e infectadas. A partir daquele momento elas tentam voltar a colmeia, mas muitas não resistem ao caminho. As que conseguem voltar acabam infectando toda colmeia — o enxame acaba morto em pouco mais de um dia.

Recentemente jornais da Europa divulgaram números alarmantes. Europa despeja no Brasil mais de 6.000 toneladas de agrotóxicos que matam abelhas em apenas um ano”

As reportagens revelam que o Brasil é o principal destino de agrotóxicos produzidos na Europa, mas banidos no continente, por serem letais para abelhas. O Ibama reavalia a autorização para uso de algumas dessas substâncias desde 2014. Cerca de 6.300 toneladas de agrotóxicos que comprovadamente matam abelhas foram enviados pela Europa ao Brasil somente em 2021. Os dados foram obtidos pela organização suíça Public Eye e pela agência de jornalismo Unearthed. Apesar de serem produzidos na Europa, produtos à base de neonicotinóides têm seu uso proibido na União Europeia desde 2018, justamente pelos impactos às abelhas, essenciais à reprodução de diversas espécies de plantas.

 

 O Brasil, além de ostentar a má fama de campeão mundial no uso de agrotóxicos nas lavouras, faz uso indiscriminado de agrotóxicos sistêmicos, altamente tóxicos para as abelhas. A partir de informações da Agência Europeia dos Produtos Químicos (Echa), a investigação mapeou os destinos de agrotóxicos compostos por tiametoxam, clotianidina e imidacloprido, letais para os insetos. Em 2021, as fabricantes europeias exportaram 13,2 mil toneladas dessas substâncias para 78 países. O Brasil foi o principal destino. Quase todas as compras brasileiras se referem a compostos de tiametoxam, fabricado pela multinacional de origem suíça Syngenta. O restante dos agrotóxicos era da marca alemã Bayer.

 

“Cerca de 200 colmeias, com uma população de 12 milhões de abelhas, foram dizimadas nos últimos dias de 2018, no município de São José Missão, região norte do Rio Grande do Sul. Seis famílias de apicultores tiveram suas colmeias em total perda, uma de suas principais fontes de renda. Segundo os agricultores atingidos, a causa da mortalidade foi o uso indevido do inseticida a base de Fipronil, em uma lavoura de soja na região. A aplicação desse inseticida teria ocorrido no final de dezembro e as abelhas começaram a morrer nos dias 30 a 31 de dezembro”.

No Rio Grande do Sul uma iniciativa para preservar as abelhas

Buscando reverter essa realidade, uma série de iniciativas está sendo tomadas no país. Uma delas é o Programa Observatório Brasileiro de Abelhas lançado recentemente em Brasília. O Observatório está desenvolvendo um sistema de informações para registrar sistematicamente incidentes, identificar possíveis causas de morte e reunir dados consistentes em uma plataforma nacional oficial. Seu objetivo é conduzir e apoiar ações voltadas para a redução da mortandade de abelhas no Brasil, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas para 2030.

O Rio Grande do Sul também está inserido nesse contexto. Um estudo feito pelo MapBiomas e uma Rede Nacional de Pesquisadores, Universidades e Ongs,mostrou que a vegetação no Pampa gaúcho  está diminuindo. No ano passado cerca de 2 400 hectares foram degradados, 92% a mais com comparação a 2021.

Desde outubro de 2022 a Secretaria Municipal do Meio Ambiente juntamente com a prefeitura do Rio Grande e a empresa Halinski Soluções Ambientais e Estatísticas   desenvolvem o projeto Polinizando o Pampa. Foram distribuídas  150 colmeias da espécie Jataí para 15 produtores rurais, ganhando cada um deles 10 colmeias, cujas propriedades estão localizadas próximas à Reserva da Vida Silvestre Banhado do Maçarico, à área de proteção ambiental Lagoa Verde e à Ilha dos Marinheiros.

Em contrapartida, os produtores precisam participar de capacitações, receber mensalmente os pesquisadores nas suas propriedades e responder questionários socioeconômicos e ambientais durante o projeto que tem previsão de duração de dois anos. Além disso, o projeto também contará com Educação Ambiental nas escolas da região, jardins urbanos e diversos materiais educativos sobre abelhas.

                 Professores municipais de cinco escolas receberam capacitação para atuarem no projeto