Editorial Estadão: Problemas de conteúdo local

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O modelo criado pelo governo do PT esbarra na falta de preparo da indústria local, na exigência exagerada de conteúdo local e nos custos excessivos que impõe à Petrobras - que apoia ostensivamente essa política, mas, na prática, está sendo obrigada a escapar dela ou a pedir seu alívio.

Promessa de campanha eleitoral transformada pelo ex-presidente Lula em política pública, que foi mantida no governo Dilma, a exigência de conteúdo local mínimo nos equipamentos utilizados pelas empresas de petróleo nas atividades de exploração e de desenvolvimento da produção já ameaça os programas de investimento da Petrobrás e pode comprometer sua participação na 11.ª rodada de licitações de blocos de petróleo e gás marcada para maio próximo.

Alcançar o maior êxito nos lances que ofertarão na próxima licitação é crucial para a Petrobrás e as demais empresas do setor, pois a suspensão dos leilões de novas áreas por mais de quatro anos – período que o governo consumiu para definir as regras para o pré-sal – resultou na paralisação dos programas de investimentos dessas empresas em exploração, de que depende o aumento ou, no mínimo, a recomposição de sua produção.

Dadas as exigências de conteúdo mínimo estabelecidas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP) para as áreas a serem licitadas em maio, porém, a Petrobrás teme que não possa cumpri-las, porque a indústria nacional não está em condições de atendê-las.

Para não incorrer no descumprimento dessas exigências – o que resultaria em multas vultosas, num momento em que ela executa um severo programa de corte de investimentos e custos -, a Petrobrás enviou carta à ANP na qual pede a redução do índice de conteúdo local para 43 itens. O momento é adequado para a manifestação dos interessados nas licitações, pois as regras dos novos leilões estão na fase de consulta pública.

A primeira reação da ANP, por meio de sua diretora-geral, Magda Chambriard, foi negativa. Ela disse que não haverá mudanças nas regras, pois, como declarou ao jornal O Globo, “conteúdo local é uma política de governo” e “cabe à Petrobrás e à ANP implantá-la”. Argumentou também que não pode analisar “dificuldades momentâneas” da Petrobrás nem avaliar uma “situação momentânea” da cadeia de fornecedores de bens e serviços do setor de petróleo. O Ministério de Minas e Energia igualmente negou a possibilidade de mudanças nas regras.

Tudo isso estaria correto, se o problema fosse momentâneo, como o classifica a ANP. Não é. Trata-se de um problema estrutural da indústria fornecedora do setor petrolífero. Sua incapacidade para atender às encomendas de acordo com as especificações técnicas, prazos e, sobretudo, custos compatíveis com os observados no exterior tem causado problemas à Petrobrás.

Há pouco, a empresa decidiu realizar na Ásia os trabalhos iniciais de transformação de três navios em plataformas de exploração na área do pré-sal que deveriam ser feitos no Estaleiro Inhaúma, no Rio de Janeiro. A empresa não quer atrasar os trabalhos, pois as plataformas serão utilizadas nas áreas de cessão onerosa da Bacia de Santos, por cujos direitos ela pagou antecipadamente à União. Mas o estaleiro contratado para esses serviços ainda não concluiu a reforma do cais onde os navios serão transformados em plataformas de exploração, produção e armazenamento de petróleo.

A Petrobrás garante que a realização dos serviços iniciais na Ásia não fere as exigências de conteúdo local nem as regras fixadas pela ANP. Mas o que esse caso e a carta enviada pela empresa à agência reguladora deixam evidentes são os problemas que a política de excessiva proteção à indústria nacional – de inspiração puramente ideológica – está gerando para a Petrobrás, cada vez mais transformada em instrumento para ações de interesse político do governo, e para a economia brasileira, em razão dos atrasos e da alta de custo que dela resultam.

Podem ser muitas as vantagens de estimular a produção local dos equipamentos para a exploração do petróleo do pré-sal, pois, além da geração de empregos, isso pode permitir a transferência de tecnologia. Mas o modelo criado pelo governo do PT esbarra na falta de preparo da indústria local, na exigência exagerada de conteúdo local e nos custos excessivos que impõe à Petrobrás – que apoia ostensivamente essa política, mas, na prática, está sendo obrigada a escapar dela ou a pedir seu alívio.