Análise de falhas em equipamentos e acessórios. Possíveis causas por processo corrosivo

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SGS-LogoPor Rodrigo Metler
Esse artigo tem como objetivo descrever  a metodologia para se determinar as causas prováveis da falha de peças usadas na indústria, dando por exemplo um estudo de caso de falha por processo corrosivo em tubo de caldeira flamo tubular, mostrando possíveis soluções para esse tipo de problema. Nesse caso, a caldeira flamo tubular testada apresentou um tubo (de um total de 464 tubos), com vazamento por um furo, detectado durante realização de teste hidrostático.

Como medida necessária nesse caso, a caldeira passou por uma reforma pois, além do tubo furado foram detectados diversos tubos com redução de espessura no ensaio IRIS e, na inspeção visual lado água, verificou-se grande quantidade de incrustações, tubérculos e pites. O material de confecção dos tubos é o aço carbono ASTM A 178 Grau A. Foram enviadas para análise 5 amostras de tubo de aproximadamente 40cm de comprimento, removido das regiões mais afetadas

Informações sobre a caldeira testada:

            – Pressão da caldeira = 10 Kgf/cm2;

            – Capacidade = 10 ton/hora de vapor;

            – Combustível = óleo;

            – O regime de operação não é contínuo, a caldeira tem sido mantida hibernada;

– A caldeira está em operação há 20 anos;

As amostras analisadas para esse estudo apresentavam camadas espessas de resíduos cobrindo praticamente toda a superfície externa e interna.

Análise das amostras:

Foi realizada uma análise macrográfica onde constatou-se corrosão localizada nas 5 amostras.

Também foi realizada análise micrografica (com maior ampliação). Essa análise micrografica foi realizada em 3 amostras, nas quais a microestrutura encontrada foi ferrita e perlita. Se houvesse superaquecimento no tubo durante seu uso, essa perlita encontrada estaria decomposta, além do crescimento demasiado do tamanho de grão.

Neste caso, a perlita apresentou-se lamelar, e o tamanho de grão relativamente pequeno, concluindo-se portanto, que o tubo não sofreu superaquecimento, e o tamanho de grão encontrado foi ferrítico – ASTM 6,0.

O material de confecção dos tubos apresenta microestrutura típica de aço carbono ASTM A 178 Grau A, constituída de ferrita (fase clara) e perlita (fase escura) lamelar, não sendo detectadas a presença de fases deletérias que comprometam sua continuidade em operação com segurança.

A caldeira utilizada como exemplo para esse estudo possui o sistema de geração de vapor construido em aço carbono. Os microconstituintes típicos de um aço carbono (hipoeutetóide) são ferrita, fase rica em ferro com solução sólida de carbono e cementita, fase de maior dureza e constituída por carboneto de ferro Fe3C. A microestrutura típica de um aço carbono é uma matriz de ferrita com ilhas de perlita, fase que é constituída pela mistura mecânica de ferrita e cementita na forma de lamelas.

Nas condições de trabalho da caldeira, a  temperatura exerce grande influência na modificação da estrutura e propriedades do material. No caso do aço carbono, a  temperatura permite a modificação da cementita para a forma de esferas, que possuem menor energia superficial, ocorrendo o desaparecimento da perlita – este fenômeno é chamado esferoidização. A esferoidização causa perda de resistência mecânica e aumento na ductilidade do material.

Grafitização:

A grafitização é uma mudança microestrutural por vezes observada em aços carbono ou baixa liga submetidos a temperaturas moderadamente elevadas (450 a 595ºC) por longos períodos de tempo (acima de 40.000 horas). O fenômeno resulta da decomposição da perlita em ferrita e carbono grafita e traz como conseqüências a fragilização do aço, notadamente quando as partículas de grafita encontram-se alinhadas. Quando tais partículas encontram-se distribuídas na microestrutura (fase inicial do processo), a diminuição da resistência mecânica é pequena.

Como a grafitização envolve prolongadas exposições a temperaturas moderadamente elevadas (450 a 595ºC), raramente é observada na superfície de tubos de fornalha (geração de vapor em que são envolvidas temperaturas superiores) sendo mais freqüentemente observada nas tubulações de vapor e outros componentes expostos às temperaturas citadas. Por outro lado, as condições para a ocorrência do fenômeno da esferoidização são maiores para os tubos da fornalha. Assim é prudente que se realize um exame metalográfico.

O exame metalográfico realizado mostrou que as microestruturas encontram-se aceitáveis, sem a presença de fases deletérias que comprometam sua continuidade em operação com segurança. Verifica-se a presença de estrutura ferrítica (fase clara) com perlita (fase escura) lamelar sem indícios de esferoidização ou grafitização.

Observou-se na superfície lado água a presença de corrosão tipo pites e sob depósitos. A formação de depósitos pode ter sido originada durante o funcionamento normal da caldeira ou durante o processo de hibernação. O processo corrosivo pode ter se desenvolvido ao longo dos anos, porém o mais provável, é que a evolução do processo corrosivo esteja ocorrendo durante o processo de hibernação.

O mecanismo mais comum de corrosão sob depósitos é corrosão por aeração diferencial. A água acima do depósito contém oxigênio dissolvido, mas a área sob depósito é deficiente. Forma-se, portanto, uma célula de aeração diferencial, onde a área deficiente em oxigênio transforma-se no anodo, o resultado é uma corrosão severa sob o depósito. Esse processo é cíclico e auto-alimentado. O produto de corrosão formado é um depósito adicional onde se criam novas células de aeração diferencial, resultando em mais corrosão.

A presença de oxigênio dissolvido na água faz com que o cátodo de qualquer célula de corrosão se despolarize, sustentando o processo de corrosão. A forma mais comum de ataque por oxigênio é a corrosão localizada do tipo pites.

O mais usual para inativação de caldeiras de baixa pressão para períodos inferiores a um mês, é inativação úmida onde deve-se garantir a exclusão de oxigênio e a manutenção de pH elevado (pH 11 a 12) para mínima corrosão. Geralmente, utiliza-se soda para controle do pH e nitrito de sódio como sequestrante de oxigênio, em torno de 1000ppm. Para períodos prolongados, a inativação a seco é mais recomendada, deve-se eliminar a água, reduzir a umidade relativa (sopragem de ar quente, aquecimento, etc) e usar nitrogênio (azoto) para exclusão do ar, mantendo pressão levemente positiva com nitrogênio, para impedir entrada de oxigênio. Caso a opção seja por inativação úmida, deve ser mantido controle cuidadoso do pH e do teor de nitrito.

 MECANISMOS DE CORROSÃO DE CALDEIRAS

Mecanismo de corrosão pela água: A corrosão pela água obedece a um processo eletroquímico com reações anódicas e catódicas. A reação anódica é sempre a reação de dissolução do ferro e a catódica depende do pH, podendo existir três zonas:

 zona de pH ácido (pH < 4) – a reação é a de redução de hidrogênio:

 

2H+   +      2e                   H2

 Este pH pode ser encontrado em linhas de condensado, nos casos de tratamento ácido ou  em   ausência  total  de  tratamento  básico. O  pH  diminui  com   aumento da temperatura, p. ex. um pH de 13 a 20ºC corresponde a um pH de 9,8 a 200 ºC.

zona de pH básico (pH  10) – da mesma maneira que um pH ácido, um pH básico pode ser  muito perigoso para o aço, como mostra a figura 12, traçada a 310ºC. Concentrações elevadas de soda podem provocar ataque no aço com formação de ferrato de sódio.

 

 

Zona de pH sensivelmente neutro ( 4 < pH < 10) – a reação catódica é a reação de redução do oxigênio dissolvido:

 

                                   ½ O2   +   H2O    +    2e                     2 OH

 Nesta faixa de pH,  a  água não  pode corroer o aço de  maneira  significativa, sem a presença de oxigênio dissolvido. O produto inicial é o hidróxido ferroso, que se oxida em hidróxido férrico e, em seguida, em óxido férrico hidratado.

Mecanismo de corrosão pelo vapor: Como para o oxigênio, a corrosão pelo vapor é uma corrosão seca, controlada por um processo difusional. A formação dos óxidos dependem essencialmente da pressão parcial em oxigênio e da temperatura, como indicado na tabela abaixo.

Óxidos formados da corrosão por vapor

 

Temperatura

 

 

Vapor d’água

 

Vapor d’água + Oxigênio

 

T < 570 ºC

 

 

Fe3O4

 

Fe3O4 – Fe2O3

 

T > 570 ºC

 

 

FeO – Fe3O4

 

FeO – Fe3O4 – Fe2O3

 

A tabela mostra que o vapor quente:

            – é nitidamente menos oxidante que o oxigênio dissolvido

            – não pode oxidar Fe3O4 em Fe2O3 sem a presença de traços de oxigênio

            – reage com o ferro para dar FeO e/ou Fe3O4.


 Características dos produtos de corrosão:

Os óxidos de ferro FeO e Fe2O3 são óxidos do tipo lacunar e, desta forma, extremamente permeável aos meios gasosos gerais. O vapor d’água pode se difundir através destes óxidos e provocar, dependendo da temperatura, corrosão importante no aço (vários cm em alguns dias), mais freqüentemente na forma de pites (corrosão localizada).

Ao contrário, a magnetita, apresenta a particularidade de ser aderente, homogênea e contínua. Se forma rapidamente a partir de 250 ºC, segundo uma lei parabólica, diminuindo à medida que sua formação impede o contato do aço com vapor. A camada de magnetita é uma camada protetora para o vapor d’água. De maneira geral, toda deterioração da camada de magnetita, em funcionamento ou durante fases transitórias, é potencialmente perigosa para o aço.

Estas deteriorações podem ser de origem:

            – térmica – por  exemplo,  aumento   de  temperatura  a valores superiores a

            570 ºC com formação de FeO não protetor.

            – mecânica – provocado  por ciclos  térmicos,  deslocamentos  violentos, etc.

– química – concentrações locais elevadas de produtos ácidos ou básicos ou

  pela    presença   de    traços    de   oxigênio.   Considerando   oxigênio,   é recomendado menor que 10 ppb.

 Em condições normais é formada camada de magnetita aderente e protetora porém, quando por alguma circunstância os tubos deixam de ser totalmente protegidos, a corrosão resultante toma forma de ataque localizado do tipo pite ou alveolar. Como produto de corrosão, sobre pites ou alvéolos, se acumula um depósito preto de forma laminar que é extremamente espesso comparado com o filme protetor de magnetita. A camada protetora de magnetita é constituída de duas partes. A camada interna desse filme é compacta, tem espessura uniforme e cresce na interface aço-magnetita, por migração para o interior de íons oxigênio. Simultaneamente, cátions ferro migram para parte externa e formam uma camada externa de magnetita cristalina menos aderente. A forma laminar de magnetita, no pite ou alvéolo, é uma característica importante do processo corrosivo (Vicente Gentil).

Fatores que mais freqüentemente podem causar ou estar associados à corrosão em caldeiras são: pH ácido, oxigênio dissolvido, teores elevados de hidróxido de sódio, teores elevados de cloretos, sólidos suspensos, presença de gás sulfídrico, presença de depósitos porosos, “hide-out”, presença de complexantes ou quelantes e, menos freqüentemente, correntes de fuga e choques térmicos (Vicente Gentil).

Através dos testes realizados e o estudo feito nesse artigo podemos concluir que nas áreas com corrosão localizada, verifica-se a presença de depósitos de sais provenientes da água e produtos de corrosão. Isso indica que os sais estão, ou em algum momento esteve, em concentrações na água que levou à deposição. A presença de depósitos é indesejável pois são áreas de retenção e concentração de agentes agressivos.

O processo corrosivo severo em áreas localizadas, pode ter se desenvolvido ao longo dos anos, porém o mais provável, é que a sua evolução esteja ocorrendo durante o processo de hibernação.

As principais causas que provocaram a corrosão localizada sob depósitos são a somatória de vários fatores tais como: pH ; presença de oxigênio dissolvido e deposição de sais.

Recomendações:

  • Implementar controle rigoroso da qualidade da água visando evitar a ocorrência de formação de depósitos em operação normal da caldeira.
  • Programar substituição dos tubos que apresentaram redução elevada de espessura durante ensaio IRIS.
  • Para inativação em curto período, utilizar inativação úmida garantindo a exclusão de oxigênio e o pH na faixa pH 11 a 12. O controle do pH pode ser com soda e exclusão do oxigênio com nitrito de sódio, em torno de 1000ppm.
  • Para inativação em períodos prolongados, recomenda-se eliminar a água, reduzir a umidade relativa (sopragem de ar quente, aquecimento, etc) e usar nitrogênio (azoto) para exclusão do ar, mantendo pressão levemente positiva com nitrogênio, para impedir entrada de oxigênio. Caso a opção seja por inativação úmida, deve ser mantido controle cuidadoso do pH e do teor de nitrito, conforme item anterior.

Conclusões:

 Como pode-se ver, uma análise de falhas deve ser conduzida considerando-se as condições de uso do equipamento ou peça, os fluidos envolvidos, temperaturas, pressões, normas de fabricação, processos de fabricação, materiais envolvidos, o modo de falha do equipamento e conhecimento a respeito desses tópicos, de forma a fornecer recomendações como as descritas no item acima.

A SGS tem vasto histórico em realização de análises de falhas em materiais metálicos e tem plenas condições de atender o mercado brasileiro nesse segmento com precisão e rapidez.