ARTIGO II: Pode-se fazer negócios com as mudanças climáticas?

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Parece que sim. Em um atlas, o Global Adaptation Institute recomenda investimentos privados em certos países, em função de suas possibilidades de adaptação diante das mudanças climáticas.Trata-se de uma ferramenta, um índice que analisa e expõe os pontos fortes e fracos dos diferentes países, as melhoras que devem introduzir para atrair investimentos, assim como suas possibilidades de adaptação aos efeitos do aquecimento global. O mecanismo é simples: cruzam-se dados de análise de vulnerabilidade, que inclui variáveis como a saúde, a produção de alimentos, o acesso à água potável e seus recursos energéticos, com as possibilidades de adaptação e de preparação destes países, que têm a ver com a situação econômica, social e governamental.
Diante do estudo destes parâmetros, o Global Adaptation Index pretende se converter numa espécie de agência de qualificação, ao estilo Moody’s ou Standard & Poor’s, mas das mudanças climáticas.
A Radio Nederland falou sobre este tema com Aída Vila, responsável pela campanha de mudanças climáticas para o Greenpeace na Espanha. “Se eles se posicionam como o equivalente das agências de qualificação de riscos, isto já é algo para desconfiar”, adverte. “E se além de tudo tratam um problema tão grave como as mudanças climáticas em termos de negócio para os países industrializados, que são os maiores responsáveis, é o cúmulo. Com a adaptação que eles propõem, seguirão sem frear o problema e, além do mais, explorando os países mais vulneráveis, os que estão afetados e que são menos responsáveis.”
Adaptação
É importante levar em conta que as soluções propostas pelo Global Adaptation Institute pouco têm a ver com o desenvolvimento de políticas e estratégias para a mitigação do fenômeno. O instituto aceita que as mudanças climáticas são um mal irreversível e que não se pode fazer nada para abrandá-las, razão pela qual suas recomendações, com objetivo de fazer negócios, se baseiam na adaptação. Essa é precisamente a crítica feita por diversas ONGs como o Greepeace e outros organismos que trabalham na luta contra o aquecimento global, para quem este índice apresenta uma mensagem enganosa e, em caso algum, tem a intenção de abordar um problema de suma gravidade. Em vez disso, busca gerar dinheiro, investimentos e especular com a situação de vulnerabilidade que existe em muitos países.
Da negação ao negócio
Também é importante estabelecer a procedência deste projeto e quem são seus artífices. O Global Adaptation Institute é uma organização dirigida por Juan José Daboud, ex número dois do Banco Mundial, cujo principal assessor é o ex-presidente espanhol José Maria Aznar. Precisamente este último foi uma das personalidades mais reconhecidas por levantar a bandeira do ‘negacionismo’ diante das mudanças climáticas. Em 2008, sua visão sobre o impacto deste fenômeno gerou todo tipo de críticas. Aznar chegou a pôr em dúvida os informes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU sobre as causas humanas do aquecimento global.
Se buscarmos qualquer das declarações que o ex-presidente espanhol fez sobre o tema, encontramos afirmações como: “A mudança climática não é um fenômeno real, mas uma teoria cientificamente questionável que se transformou numa nova religião cujos defensores são inimigos da liberdade”. Muitos acreditam que esta abordagem de Aznar ao que no instituto entendem como uma contribuição para frear as mudanças climáticas, nada mais é que exemplo de especulação, do poder dos lobbies e tentativa de estender as políticas neoliberais com esta desculpa.
O Greenpeace aponta para algumas destas causas. “O que aconteceu para esta mudança de discurso é que são tão grandes as evidências das mudanças climáticas que o ‘negacionismo’ ficou sem argumentos. E o que estamos vendo pode ser o Plano B: não negamos o problema, mas colocamos a questão em termos de adaptação. E além disso, omitindo o que realmente importa, que é frear as mudanças climáticas.”
Revolução energética
A falta de investimentos em energias renováveis e a falta de conscientização e responsabilidade de governos, instituições e setor privado de determinadas indústrias, representam um grave problema para aqueles organismos que lutam para estabelecer políticas energéticas sustentáveis que ajudem a mitigar os efeitos das mudanças climáticas, porque não interessa, não é rentável, não é negócio.Ou seria? Quem sabe se possa propor este ‘negócio’, entendido como desenvolvimento sustentável, do ponto de vista da responsabilidade social. Algo que implique a melhoria de infraestruturas, a criação de empregos.
O Greenpeace acaba de lançar seu último informe, ‘Energia 3.0’, no qual justamente propõe outras opções. Segundo as conclusões do documento, um país como a Espanha pode chegar a ser 100% renovável em toda a sua demanda energética. “O que se demonstra neste estudo é que podemos cobrir com fontes renováveis, no ano 2050, toda a demanda energética da Espanha peninsular”, afirma Aída Vila, do Greenpeace. “Não só é possível, mas também é mais barato do que seguir como até agora.”
Como fica claro a partir deste estudo, pôr rédeas aos avanços das mudanças climáticas é uma responsabilidade de todos os países do mundo. É preciso trabalhar para reduzir os efeitos gerados e causados pelo homem. Se não fizermos este esforço e nos concentrarmos nesta adaptação às mudanças climáticas, seguiremos destruindo recursos.