Uma boa notícia: aumenta a população de aves no Banhado do Maçarico/RS

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“Cada vez mais as propriedades que visitamos estão se tornando ilhas de campo no meio de um oceano de soja”

por Diniz Júnior

GLAYSON BENCKE / Ornitólogo do Museu de Ciências Naturais da SEMA

Qual foi a impressão de vocês com o Banhado do Maçarico no que se refere aos campos nativos e as aves?

Tivemos a grata surpresa de não só confirmar, uma espécie ameaçada que a gente já sabia que ocorria aqui, que é o caminheiro – dourado, ou caminheiro – grande, e confirmamos que essa espécie está nesses campos, como também podemos constatar a maior densidade dessa espécie que já encontramos em campos do Rio Grande do Sul, o que é uma boa notícia. Isso significa que há uma população numerosa dessa espécie que é globalmente ameaçada. É importante lembrar que o caminheiro está ameaçado em todas as suas áreas de ocorrência. Além disso encontramos a noivinha de rabo preto, e o gavião cinza. Realmente a propriedade, o manejo que é realizado no campo garante o ambiente ideal e adequado para o caminheiro dourado e também para várias outras espécies. Eu não lembro de uma outra área que trabalhamos no Rio Grande do Sul e termos encontrado as cinco espécies de caminheiros que é um passarinho de campo baixo. Isso mostra que o Banhado do Maçarico é uma área com alta representatividade da fauna de aves campestres que está bem representada.

O ritmo de perdas de campos naturais no Rio Grande do Sul é 5,5 vezes maior que a taxa de desmatamento na Amazônia. Essa é a realidade revelada por satélites

Isso mostra que é possível aliar a produção pecuária com a conservação ao mesmo tempo da biodiversidade da região?

Sim, sem dúvida. Na medida que o produtor consegue desenvolver a sua atividade, e até ter a sua renda com isso mantendo o ambiente natural com o gado em cima, não transforma esse ambiente de uma maneira que vá prejudicar qualquer espécie nativa. Pelo contrário, vai propiciar a manutenção dessas espécies. Agora, tem manejos e manejos. Temos manejos que são um pouco mais intensos. Uma carga excessiva animal esgota o campo, tornando ele ralo, o que faz ele secar demais no verão e por isso temos que pensar que esse campo muito provavelmente tinha algumas épocas do ano escassez de água, causando a falta de alimentos que para as aves e outros animais é fundamental.

                      OUÇA O CANTO DO CAMINHEIRO-DOURADO

                                WhatsApp Audio 2021-12-12 at 11.58.00

Vai faltar algum tipo de alimento. Ao manter um ambiente estável com um manejo adequado, o campo é conservado e toda a biodiversidade se mantém também devido ao campo mais úmido, com a retenção de mais água no solo. Tudo isso mantém as funções ecossistêmicas da região. O produtor ganha e a biodiversidade é mantida.

Quais são as espécies mais ameaçadas no Bioma Pampa?

Falando em aves campestres, são aquelas que precisam de campos nativos, temos algumas espécies que precisam de florestas, aves de banhados. Mas falando em aves campestres nós temos hoje 110 espécies no estado, sendo que 16 estão ameaçadas, ou no mundo inteiro, ou seja, em todas as suas populações, ou ameaçadas no Rio Grande do Sul. E a principal razão para isso, é a perda do habitat, a transformação desses campos em outro ambiente destinado a agricultura, a pastagem, que esses animais não toleram.

Isso mostra que o Banhado do Maçarico é uma área com alta representatividade da fauna de aves campestres que está bem representada.

Outras espécies são mais tolerantes e conseguem sobreviver em uma área de agricultura. Temos que olhar para as espécies mais sensíveis que dependem de campos baixos com 15,20 centímetros de altura. O caminheiro dourado, também conhecido como o caminheiro grande é uma espécie associada a esse tipo de campo, bem como a noivinha de rabo preto. Em outro extremo existem aves que necessitam de campos altos, como os caboclinhos que se alimentam das sementes de capim nativo.

Ainda há tempo para mitigar todos esses problemas que o senhor acabou de relatar?

Estamos bastantes preocupados porque a cada ano que monitoramos propriedades certificadas pela Alianza encontramos muitas áreas convertidas em soja em um ritmo alarmante. O ritmo de perdas de campos naturais no Rio Grande do Sul é 5,5 vezes maior que a taxa de desmatamento na Amazônia. Essa é a realidade revelada por satélites. Cada vez mais as propriedades que visitamos estão se tornando ilhas de campo no meio de um oceano de soja. E não é apenas a perda de área do produtor que afeta essas aves, também é a mudança da cultura agrícola. Carga de agrotóxico, aplicação aérea e uma série de outros fatores que vem junto com uma agricultura altamente intensificada, ou seja: o Bioma não está preparado para receber nessa magnitude. Se há tempo ou não, é uma pergunta que só o futuro vai nos dizer, mas eu diria que é uma corrida contra o tempo e no momento nós estamos atrás. Estamos fazendo todos os esforços, todas as campanhas no sentido de conscientizar para tentar conter esse avanço alucinante da agricultura sobre o Bioma Pampa.

 

ENTREVISTA EDUARDO PEIXOTO / Jornalista,ambientalista e proprietário  da Estância Santa Maria & Isabella

Como o senhor analisa o aumento da população de aves na região do Banhado do Maçarico?

O censo de aves campestres realizado em dezembro de 2021 em nossa propriedade busca evitar a extinção de qualquer espécie da flora e da fauna, melhora o status de conservação de todas as espécies de aves do pampa gaúcho, conserva e expandi áreas e habitats importantes para as aves e desta forma garante melhor qualidade de vida integrando atividades econômicas com a natureza. Um inventário preliminar registrou a presença de pelo menos 170 espécies de aves nessa área. A população local de Sporophila palustris (caboclinho-de-papo-branco) representa, aparentemente, a maior concentração da espécie em território brasileiro. Isso é motivo para nos orgulhar e demonstra que estamos trilhando o caminho correto.

Estamos integrados à natureza, trabalhando com felicidade e prazer. Esse é o nosso legado para as futuras gerações

De certa forma  revela que é possível conciliar a produção e a conservação de campos nativos?

Conciliar a conservação da natureza, proteger espécies da fauna e flora local e produzir de forma sustentável é a prioridade na gestão da Estância Santa Maria & Isabella. Residir neste local, com status de IBA (área de relevante interesse internacional para conservação de aves), aumenta nossa responsabilidade como produtores rurais e responsáveis por áreas de relevante interesse público de nosso país. Neste sentido, buscamos parcerias com ornitólogos e especialistas na área ambiental com o objetivo de orientar, apoiar e promover ações de conservação e manutenção de nossa fauna e flora, fundamental para o equilíbrio de nossa estância.

 Quais são as principais características do Banhado do Maçarico?

O Banhado do Maçarico é uma ampla área úmida formada por banhados e campos litorâneos sob a forma de longas e estreitas faixas paralelas (cordões), sofrendo alterações do nível do mar durante a fase de regressão marinha holocênica. Situa-se entre a costa oceânica e os terrenos mais elevados da planície costeira, de idade pleistocênica.

A faixa palustre localizada junto à barreira mais antiga constitui o banhado do Maçarico, caracterizada por uma turfeira espessa densa- mente coberta por vegetação palustre e esparsas manchas de floresta paludosa. As faixas subseqüentes de banhado apresentam fitofisionomia  diferenciada, com cobertura vegetal menos densa e diversificada. Essa área situa-se ao norte da Estação Ecológica do Taim e ao sul do estuário da laguna dos Patos, onde está localizada a cidade do Rio Grande.

 

Quais são os outros projetos desenvolvidos na Estância Santa Maria & Isabella?

Conscientes de que os recursos naturais são finitos, o trabalho na estância busca garantir a preservação de nossos recursos naturais e assim potencializar racionalmente a gestão econômica da propriedade. Três projetos são desenvolvidos no local: reintrodução e polinização do pampa através das abelhas nativas sem ferrão, melhoramento de campos nativos e produção pecuária de baixo impacto. Estamos integrados à natureza, trabalhando com felicidade e prazer. Esse é o nosso legado para as futuras gerações.