Navegação Interior: simplificar é preciso

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A estratégia é reagrupar o conteúdo das normas vigentes em função das características do serviço de transporte   se de cargas ou de passageiros, se público ou privado / CNT

por Carlos Teixeira / CNT

Navigare necesse est, vivere non est necesse. A frase em latim “navegar é preciso, viver não é preciso”, apesar de ter ficado famosa pelo poeta português Fernando Pessoa, tem sua origem no general romano Pompeu (106-48 a.C.). Reza a lenda que, para incentivar seus marinheiros em uma tormenta, ele ordenou que suas naus deveriam partir em direção a Roma, levando o trigo carregado na Sicília, na Sardenha e na África. Passados mais de mil anos, a citação poderia ser subvertida se o pano de fundo fosse a navegação interior brasileira. Afinal, não basta navegar, também é preciso viver. E, para manter-se no negócio, é preciso simplificar.

O segmento lida com uma burocracia pesada e com uma regulação extensa e complexa. Por isso, é promissora a proposta da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) de reduzir de 11 para três as normas principais da navegação interior. A estratégia é reagrupar o conteúdo das normas vigentes em função das características do serviço de transporte – se de cargas ou de passageiros, se público ou privado. “Optou-se por diferenciar o que seria considerado como serviço de natureza pública de serviço de natureza privada em razão das diferenças regulatórias.

No transporte público de passageiros, serão observados aspectos como a generalidade, a regularidade, o atendimento de requisitos mínimos de serviço adequado, a emissão de bilhetes de passagem e a concessão de gratuidades, como a do idoso, do jovem etc.”, explica Patrícia Gravina, gerente de Regulação da Navegação Interior da Antaq.“Já os serviços de natureza privada serão regidos por interesses entre particulares mediante contrato, não sendo aberto ao público em geral e sem compromisso com a regularidade de oferta, horários e rotas fixos. Sobre os dispositivos relativos a procedimentos, requisitos de outorga e afretamento, eles foram agrupados em um normativo próprio.

O objetivo é reduzir assimetrias, suprimir repetições e dar mais clareza às normas”, acrescenta a gerente.Gravina ressalta que a distinção a ser feita entre serviços de natureza pública e de natureza privada é benéfica aos usuários. “A norma de direitos e deveres para o transporte público sugere que os serviços de transporte de passageiros que possuem regularidade e generalidade sejam classificados como semiurbanos ou de longa distância.

Outra norma será para o transporte privado, incluindo transportadoras de cargas e serviços de passageiros sem característica de serviço público, não regular, além de uma norma de procedimentos, com o objetivo de reunir procedimentos de outorga e de afretamento para todos esses serviços”, detalha.


Potencial para expandir

De acordo com o estudo da CNT “Aspectos Gerais da Navegação Interior no Brasil”, de 2019, o país utiliza comercialmente, para o transporte de cargas e de
passageiros, apenas 19,5 mil quilômetros, ou seja, apenas 30,9% da malha potencialmente utilizável, que é 63 mil quilômetros.Potencial para expandir
Veja o estudo aqui

 

Pelo diálogo ampliado

No diálogo com a Antaq, representantes do setor trouxeram pontos merecedores de atenção e que ainda não foram contemplados. Entre eles, estão as atuais exigências de envio anual de informações contábeis das empresas de transporte de travessia; a necessidade de se conferirem objetividade e transparência aos quesitos de serviço adequado; e a proteção da frota nacional. “Participamos de uma reunião com as autoridades e outros players, e, infelizmente, não visualizamos muitas coisas que tragam melhorias e desburocratização”, observa o presidente da Fenavega (Federação das Empresas de Navegação Aquaviá-
ria), Raimundo Holanda. “Conseguimos enxergar boa vontade para mudanças, mas é preciso entender que essa diminuição de normas, de 11 para três, pode não resolver velhos gargalos. Existem normas que ninguém usa mais, que
estão obsoletas. Precisamos de um projeto para desburocratizar toda
a navegação brasileira”, continua o presidente da Fenavega.

Holanda defende um foro em que os armadores tenham voz. “Nossa ideia é construir uma pauta em conjunto, um plano para toda a navegação brasileira. Existe uma regra hoje para cada região do país. Não podemos discutir navegação na Amazônia e replicar (procedimentos) no Rio Grande do Sul. As embarcações são diferentes; as dificuldades são outras.

A regulação deve ser de acordo com cada estado e com suas especificidades”, argumenta.Para a presidente do Sindarma (Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima), Jéssica Sabbá, a mera consolidação das normas não satisfaz as necessidades do setor. “Ainda que a divisão dos conteúdos tenha sido pensada de forma inteligente, constatamos que surgiram algumas novas obrigações que corroboram a burocracia nociva ao desempenho das empresas”, relata.

Jéssica Sabbá critica, ainda, o tempo exíguo em que a discussão foi realizada: “A revisão das normas, mediante consulta pública disponível por pouco mais de 40 dias, em um momento em que as empresas estão focadas em sobreviver à pandemia e diante das demais imposições impostas por outros órgãos que também regulam o setor, não permitiu um amplo debate no setor”.

 

Vantagens da

navegação interior

Um comboio de quatro barcaças é capaz de transportar carga equivalente a 2,9 composições férreas de, aproximadamente, 30 vagões cada ou a 172 carretas. O frete hidroviário é 60% menor que o rodoviário e 30% menor que o ferroviário.

O transporte hidroviário emite cerca de 20 g de CO2 por TKU (tonelada-quilômetro útil); enquanto o rodoviário emite 101,2 gCO2/TKU; e o ferroviário, 23,3 gCO2. O volume de cargas transportadas pelo modal hidroviário cresceu 34,8% entre 2010 e 2018, passando de 75,3 milhões de toneladas para cerca de 101,5 milhões de toneladas.