Quem diria: O Lula Malufou

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Por Otávio Cabral /Revista Veja

Por um minuto e meio no horário eleitoral, Lula se rende a Maluf, o político-símbolo de todas as mazelas que o PT um dia foi contra

Quanto vale um minuto e meio de propaganda elei toral gratuita na TV? Na semana passada, o ex-presidente Lula deu a sua resposta: vale uma vice-prefeita quase perfeita, um racha no comando da campanha e uma militân cia aturdida, frustrada e envergonhada – além de uma meia dúzia de bandei ras, entre as que o seu partido conser vava de fato e as que só existiam na memória de alguns petistas que passa ram os últimos dez anos em Marte. Ao posar sorridente ao lado do seu um dia antagonista, contraponto ideológico, encarnação do mal e “filhote da dita dura”, Paulo Salim Maluf, o ex-presi dente Lula ultrapassou a linha demar catória que separa a prática de selar alianças promíscuas – também cha mada de pragmatismo politico – do mais puro cinismo.

Na semana passada, em busca de 1 minuto e 35 segundos de propaganda de televisão para o candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Had dad, ele entrou”pela primeira vez na ca sa onde, há 49 anos, mora o seu rival histórico. Ao lado de Haddad, reuniu-se com o ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, corrupto procurado pela In terpol e classificado pelo Banco Mun dial como um expoente do assalto aos cofres públicos. Depois de comerem uma feijoada, os três fecharam o apoio do PP de Maluf ao PT de Lula e Had dad. No jardim do ex-governador, tro caram abraços, apertos de mãos e posa ram para as fotos que selaram a aliança. As consequências foram imediatas.

Minutos após a divulgação da ima gem, a deputada e ex-prefeita Luiza Erundina, do PSB, desistiu de ser vice de Haddad. A VEJA.com declarou:”Maluf representa o atraso e a falta de ética. Tudo que eu rejeito na política e que a sociedade também não aceita”. Erundina havia entrado na chapa para suprir a falta de Marta Suplicy, que abandonara a campanha insatisfeita com a atuação imperial de Lula. Até a semana passada, Marta era uma voz isolada, mas a aliança com o PP engros sou o coro dos insatisfeitos. E, dadas as últimas encrencas em que Lula meteu o partido, al guns deles já põem em dúvida o prover bial tirocínio potitico do ex-presidente.

Em São Paulo, essa dúvida ajudou a produzir dois núcleos em confronto. O executivo é comandado por dirigentes municipais do PT, como os vereadores Antonio Donato, José Américo e Chico Macena e o deputado Simão Pedro. Já o núcleo político é pilotado por” foras teiros “, como o próprio Lula e Luiz Marinho, de São Bernardo, Edinho Sil va, de Araraquara, e Emídio de Souza, de Osasco. Os paulistanos consideram que os”forasteiros”não entendem as peculiaridades do eleitorado local e tomam decisões erradas sem consultá-los. Acreditam que a aliança com Ma luf (batizada Malddad, pela junção dos sobrenomes dos protagonistas) trará muito mais prejuízo eleitoral do que lu cro à campanha de Haddad.

Apesar das reações, Lula segue de fendendo sua estratégia. Ele repete co mo um mantra, desde que escolheu o desconhecido ex-ministro da Educa ção para disputar a prefeitura da maior cidade do país, que é preciso muito tempo de TV para tornar Haddad co nhecido e viável eleitoralmente.” Não importa o que falem do Haddad, o que importa é que falem dele “, afirmou o ex-presidente a um interlocutor na úl tima quinta-feira. Foi seguindo essa lógica que ele aceitou a exigência de Maluf de selar o acordo na sua casa detalhe que, longe de servir apenas para embelezar as fotos, foi esperta mente providenciado pelo anfitrião para evidenciar a sujeição do petista à sua vontade.

Embora não seja possível medir quantos votos rende um minuto na TV, uma coisa é certa: seu valor é tão maior quanto mais desconhecido for o candi dato em questão. Por essa equação, Haddad, desconhecido por 60% do eleitorado, precisa desesperadamente de cada segundo. (leia o artigo de Roberto Pompeu de Toledo na pág. 150). Ele não ocupa um cargo que ajude a expô-lo nem tem obras realizadas para propagandear. Na última pesquisa do Datafolha, divulgada na semana passa da, Haddad cresceu de 3% para 8% ainda bem abaixo dos 30% de Serra. João Santana, marqueteiro da campanha, concorda com Lula que o crescimento foi decorrência da exposição de Haddad em programas populares de TV.

Alianças espúrias, ditadas unica mente pelo desejo de aumentar a expo sição de um candidato na TV ou de ga rantir votos no Congresso, não são, evi dentemente, uma criação petista, como diz a Carta ao Leitor (página 15). Na atual campanha, o PSDB de José Serra também queria o apoio de Maluf, que so acabou ao lado de H” addad porque recebeu o “pagamento à vista” – a Se cretaria de Saneamento Ambienta do Ministério das Cidades -, enquanto os tucanos fizeram promessas de cargo em um futuro governo. O PP de Maluf foi governo nos oito anos de Fernando Hen rique Cardoso (o que nunca foi aceito pelo ex-governador Mario Covas) e está ao lado do PT desde o terceiro ano do governo Lula. Mas a união de Lula e Maluf tem peso diferente.

“Juntá-los é como unir o Corin thians e o Palmeiras em um único ti me”, compara o cientista político Ru bens Figueiredo. “”As torcidas jamais se entenderiam”. O PT nasceu como o partido de resistência ao regime mili tar, do qual Maluf era um dos princi pais apoiadores. O PT era o partido dos mutirões e Maluf, das grandes obras. Enquanto os petistas hasteavam a bandeira dos direitos humanos, Ma luf pregava que” bandido bom é bandi do morto “. Os governos petistas valo rizam políticas de inclusão de mulhe res. Já Maluf se notabilizou pelo” estu pra mas não mata “.

É certo que o PT há muito largou no caminho a bandeira da ética, assim como é fato que Maluf, aos 80 anos de idade, incontáveis processos na Justiça e nenhum mandato executivo há dezes seis anos, perde muito da aura de tuba rão da corrupção. Está mais para um leão sem dentes. Mas em algum canto da memória coletiva permanecem as imagens um dia associadas a um e ou tro. E, na foto planejada por Maluf e endossada por Lula, essas imagens produziram uma trombada monumen tal. O tamanho do estrago que ela cau sou começará a ser medido em outu bro, quando se abrirem as urnas.