Produtores questionam o relatório da deriva divulgado pela Secretaria da Agricultura / RS

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Não é de hoje que o uso de agrotóxicos que têm como base o 2,4-D (ou ácido diclorofenoxiacético) está prejudicando uma série de produtores rurais da região da Campanha, principalmente a cultura da uva, mas não somente. Afeta diretamente também produtores de erva-mate, maçã, nozes, mirtilo, hortaliças e oliveiras.

O problema é antigo e ao que parece está distante de uma solução. O produtor Valter Potter, da Vinícola Guatambu, e presidente da Associação Vinhos da Campanha Gaúcha, entidade que está se mobilizando contra os efeitos causados pela deriva do produto químico é um que discorda do relatório da deriva divulgado pela secretaria de agricultura e publicado pela Portos & Mercados no dia 21 de janeiro, LEIA AQUI. Ele é enfático ao afirmar que não houve diminuição de ocorrências, houve diminuição de denúncias, pois houve desânimo e desestímulo por parte dos produtores, que há 7 anos estão sofrendo com a deriva. Mesmo realizando denúncias e comprovações, nunca aconteceu indenização aos produtores, segundo Potter.

“Não existe condições de controlar a deriva, mesmo existindo normativas e leis, pois o Estado tem um efetivo muito pequeno para fazer fiscalizações. As derivas pelo 2,4-D são incontroláveis por ser um produto muito volátil e percorrer longas distâncias, e os produtores de soja não observam as condições ideais de aplicação (velocidade de aplicação, tamanho de gota, clima) ”, destacou Potter.

Em entrevista ao site Brasil de Fato o Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Leonardo Melgarejo, salienta que o veneno circula no ar, à deriva e que a flutuação dessas moléculas depois da aplicação avança quilômetros. “Isso vem fazendo com que milhares de agricultores gaúchos percam todo ou grande parte do seu trabalho e de sua renda em setores muito relevantes da nossa economia como a uva, a maçã, pêssegos e hortaliças. As pastagens também são afetadas, eventualmente”. Melgarejo acrescenta:”as evidências de danos observados, neste caso de prejuízos econômicos, trazem 80% das amostras coletadas em plantações afetadas, em 22 municípios gaúchos. O que demonstra a relevância de um problema oculto, que afeta a população gaúcha e cujas dimensões sobre o sistema de saúde e a harmonia entre as famílias sequer podem ser estimadas.”

Abaixo alguns questionamentos enviados pelo presidente da Associação de Vinhos da Campanha Gaúcha Valter Potter ao site Portos & Mercados.

                                                                       Foto: Pixabay

“O 2,4D é um princípio ativo de herbicidas utilizados em áreas que estão sendo preparadas para plantio de lavouras e pastagens com o objetivo de eliminar ervas daninhas como a buva, muito presente no Rio Grande do Sul. O 2,4D causa a morte das plantas novas das frutíferas e a atrofia das plantas adultas com enrugamento das folhas e abortamento da floração, consequentemente, com a não frutificação ou frutificação de frutas sem aproveitamento em razão da falta de vigor da planta”.

“Uma das características deste composto químico é sua extrema volatilidade e deslocamento, ou seja, facilmente se espalha além da área de aplicação em razão do vento, calor, umidade, técnicas inadequadas de aplicação (baixa vazão, gota fina, alta velocidade, horário impróprio) entre outros fatores. O 2,4D age nas plantas dicotiledôneas, ou seja, plantas de folhas largas como a erva daninha buva e culturas importantes para a diversificação econômica do Estado do Rio Grande do Sul como nogueiras, oliveiras, macieiras, videiras, ameixeiras, pessegueiros, hortaliças, tabaco além de plantas e pastos nativos”.

“Existe opção tanto de outros produtos agroquímicos elaborados sem o princípio ativo 2,4D, como o herbicida Heat, e manejo ecológico de inverno com cobertura verde nas lavouras, a chamada palhada, que inibe a ação da luz impedindo o nascimento da buva. É importante ressaltar que a utilização de herbicidas sem o princípio ativo 2,4D não representa custos financeiros adicionais expressivos representativos na lavoura que inviabilizam a sua utilização”.

Há fortes indícios de que o 2,4-D – pelo menos o fabricado no Brasil – esteja contaminado com dioxinas em níveis muito além do limite máximo tolerável. Essas substâncias são as mais tóxicas entre todas as já conhecidas até o momento. Robispierre Giuliani | Planeta Arroz

Há cinco anos a Região Central do Estado do Rio Grande do Sul, município de Jaguari, começou a sentir os primeiros efeitos visíveis da ação da deriva do 2,4D no cultivo de uvas americanas e híbridas para elaboração de vinho de mesa. Atividade econômica desenvolvida naquela região por cooperativas de pequenos produtores. Os efeitos no restante das regiões do Estado começaram a aparecer de forma visível logo após se espalhando desde então por diversas culturas sensíveis, fruticultura e plantas e pastos nativos em todo o território”.

“É importante ressaltar que o problema da deriva do 2,4D não afeta mais uma ou outra cultura trazendo impactos econômicos expressivos em mais de 12 culturas sensíveis conforme atesta relatório da Secretaria de Agricultura do Estado. Com o passar dos anos e a falta de uma solução eficiente para o problema, ocorre o agravamento do impacto ambiental e social causado pela deriva do 2,4D em todo o Estado.

“As infrações ambientais causadas pela deriva do 2,4D se repetem ano após ano com produtores de todos os tamanhos amargando entre 30% e 50% de perda, em média, e em alguns casos chegando até 90% de perda de produção. Entre as culturas atingidas estão no Relatório da Secretaria da Agricultura do RS: Nogueiras, Hortaliças, Oliveiras, Tabaco, Ameixas, Pêssegos, Maçã, Videiras, Marmelo, Cinamomo, Plantas e Árvores Nativas”.

Em um levantamento de somente 42 produtores de uvas, na metade sul, deixa-se de produzir em torno de 780.000kg de uvas o que resulta em menos um milhão de garrafas de vinhos finos. O prejuízo financeiro total em todas as culturas é incalculável”.

“No ano de 2019 foram criadas normativas por parte da Secretaria de Agricultura do Estado para aplicação do herbicida 2,4D em 24 municípios. As normativas se mostraram inócuas, sendo incapazes de resolver efetivamente o problema da deriva e parar com as constantes perdas dos produtores das culturas sensíveis afetadas”.

“Um dos principais pontos fracos das normativas é a não inclusão da obrigatoriedade de Aviso Prévio quando da utilização do 2,4D para rastreio e monitoramento dos produtores que fazem uso do produto. A inclusão do Aviso Prévio nas normativas foi uma demanda dos produtores de culturas sensíveis que foi debatida e aprovada, pelo grupo técnico convocado pela Sec. da Agricultura e Promotoria Ambiental, mas que até o momento não foi nem acatada e nem colocada em prática pela Sec. da Agricultura do RS”.

“O último relatório da Secretaria de Agricultura atesta, inclusive, que “é necessário uma análise mais profunda e real da verdadeira situação do campo”. Ou seja, os impactos podem ainda ser maiores do que estimamos.  Portanto, não temos nada a comemorar em avanços. A única solução para o problema é a suspenção do uso do herbicida até que a Sec. Agricultura estabeleça zonas de exclusão das áreas causadoras de deriva e fiscalize a aplicação através do mecanismo de Aviso Prévio de quem for usar o herbicida 2,4-D”.

“Os produtores de culturas sensíveis, nos últimos anos, buscaram de todas as formas uma solução consensual seja via negociação com entidades representativas, intermediação do Ministério Público e ações conjuntas com a Secretaria de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul, Audiência Pública na Assembleia Legislativa e reuniões com o governador”.

“Depois de esgotadas todas as possibilidades de negociação e vendo as perdas de produção aumentarem ano após ano, inclusive com a erradicação de suas plantações em alguns casos, a judicialização foi a única opção encontrada para garantir o nosso direito constitucional de produzir”.

“Por esta razão, na tentativa de resolver o problema estadual que afeta mais de 12 culturas sensíveis e por terem habilitação legal foi ajuizada uma ação civil pública pela Associação dos Vinhos da Campanha Gaúcha e pela Agapomi – Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã. Essas duas entidades acionaram juridicamente o Estado do Rio Grande do Sul solicitando a suspensão das aplicações dos herbicidas hormonais com princípio ativo 2,4D no Estado enquanto não forem tomadas medidas efetivas para evitar a deriva”.