Petrobras e Vale poluem a costa da Ásia e desrespeitam normas ambientais e trabalhistas

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De acordo com o Banco Mundial, são 1,3 mil toneladas de substâncias tóxicas abandonadas nas praias asiáticas todos os anos / Foto Adam Cohn

por Diniz Júnior com a colaboração de Nicola Mulinaris

Denúncia está sendo feita pela ONG Shipbreaking Platform com sede em Bruxelas. Segundo a ONG as empresas estão violando direitos ambientais e humanos no desmanche de navios

O ano passado a organização não governamental Shipbreaking Platform, uma plataforma mundial de organizações ambientais e de direitos humanos que tenta prevenir as más práticas ligadas ao desmantelamento de navios em todo o mundo, publicou a lista completa de todos os proprietários de embarcações e dos seus navios vendidos para desmantelamento num total de 1 026 navios, 641 dos quais (74% do total de tonelagem bruta desmantelada) foram vendidos a instalações precárias em países como a Índia, o Paquistão e  Bangladesh, onde as embarcações são desmanteladas diretamente nas praias.

A indústria de desmantelamento de navios tornou-se numa parte essencial da economia destes países, pois serve-se de mão-de-obra intensiva, e é uma importante fonte de emprego. Na medida em que promove a reciclagem de metais e reduz a necessidade de exploração mineira e a produção de metais sob a forma de matéria-prima, a indústria de desmantelamento de navios poderia ser classificada como uma potencial fonte de emprego verde.

Ignorando os líderes da indústria e organizações de direitos humanos e ambientais, os proprietários de embarcações continuam a lucrar com as práticas perigosas e sujas de desmantelamento de navios nas praias do sul da Ásia em 2015, de acordo com novos dados divulgados pela organização não-governamental (ONG) Shipbreaking Platform. 768  navios transoceânicos foram vendidos para os depósitos de sucata no ano passado. 469 foram desfeitos nas praias da Índia, Paquistão e Bangladesh, onde estaleiros de desmantelamento de navios não respeitam direitos fundamentais do trabalho, ignoram a lei de comércio internacional de resíduos  e não se regem pelos padrões internacionais de proteção ambiental.

Um dos muitos acidentes que mataram ou mutilaram trabalhadores de desmantelamento de navios  no ano passado aconteceu na Shitol Enterprise, um estaleiro de desmanche em Bangladesh. A explosão de um cilindro de gás matou quatro trabalhadores, ferindo gravemente outros quatro. O navio que desmantelavam foi vendido à Shitol Enterprise pela empresa de transporte grega Universal  Ship Management Corporation, e navegava sob a bandeira de St. Kitts e Nevis, uma bandeira ‘low-cost’ típica, utilizada em embarcações em fim de vida.

Os proprietários gregos foram, de longe, os armadores que mais venderam navios em fim de vida a  locais de desmantelamento de navios no sul da Ásia, e, pela primeira vez em muitos anos, o  Bangladesh foi o destino número um do mundo para navios velhos. A Grécia lidera o ranking dos  piores países de ‘dumping’, com mais de 70 navios enviados para  o sudeste asiático para serem desaparelhados.

A nível mundial, a Grécia é seguida pela China, Alemanha, Coreia do Sul, Rússia e Japão. Na Europa, para além de gregos e alemães, Reino Unido, Chipre, Itália, Suíça, Noruega e  Polônia são outros dos países visados. Em relação às piores empresas de ‘dumping’, a referência negativa vai para Idan Ofer, filho do magnata Sammy Ofer. Idan Ofer possui a Pacific Group Quantum e tem uma participação controladora na maior empresa de capital aberto de Israel, Israel Corporation.

Combinadas, essas companhias de navegação venderam o maior número de navios para operações ilegais de desmantelamento em 2015: nove no total, seis deles para o Bangladesh, onde são conhecidas as piores condições. Os armadores japoneses MOL e Toyota, propriedade da Toyofuji, as sul-coreanas Hanjin e Hyundai, as empresas gregas Shipping and Trading, Mallah Ship Management e Star Bulk Carriers Corporation, e a tailandesa Evergreen também podem ser encontradas entre as piores, no que concerne à prática de ‘dumping’.

Chittagong 2014 016“Apesar da elevada atenção da comunidade internacional sobre os problemas do desaparelhamento de navios nas praias do sul da Ásia, as estatísticas de 2015 mostram que a grande maioria dos armadores não mudou a sua prática para melhor. Pelo contrário, a maioria optou por um dos piores destinos no mundo nesse âmbito, Bangladesh, onde as crianças ainda são exploradas ilegalmente para desmantelar navios manualmente no lodaçal das marés”, disse Patrizia Heidegger, diretora da ONG Shipbreaking Platform.

Entre os países que poluem, anualmente, as costas do sul da Ásia, encontra-se o Brasil. Em 2015, armadores brasileiros enviaram oito embarcações para desmantelamento na Ásia Meridional. Quatro acabaram em praias paquistanesas, duas acabaram em praias do Bangladesh e as restantes na costa indiana de Alang. Dois dos navios pertenciam à Petrobras Transporte S.A., que possui um recorde negativo de vinte embarcações enviadas para o sul do continente asiático nos últimos quatro anos.

Ao contrário das grandes petrolíferas ( Shell, Total ou BP), que não têm enviado navios para desmantelamento em praias, a Petrobras optou novamente por essa via em 2015, onde há violações diárias de direitos ambientais e humanos. Entre o total de embarcações, três pertenciam à Vale S.A. (anteriormente conhecida como Companhia Vale do Rio Doce), envolvida recentemente no desastre ambiental do Rio Doce. O armador agiu de forma irresponsável ao permitir que as embarcações  encalhassem nas praias de Chittagong e Gadani.

Os restantes navios pertenciam à NTL -Navegação e Logística S.A., e a Frota Oceânica e Amazônica S.A.. Estas companhias deveriam procurar soluções diferentes para a reciclagem da parte da sua frota que está em fim de vida. Podem encontrar-se opções seguras e ecológicas na própria América, existindo empresas especializadas nesses serviços em países como México, Porto Rico e Estados Unidos da América.

Entre as empresas responsáveis por ‘dumping’, menção para a portuguesa South Coast Cruises -Transportes Marítimos. O armador enviou um cruzeiro, com uma tonelagem bruta de 9783, para desmantelamento em Aliaga, na Turquia. O “Lisboa”, construído em 1955, foi o terceiro navio mais velho a ser desmanchado no ano passado. São vários os cruzeiros que acabam, todos os anos, nas praias do sul da Ásia; é de louvar que a South Coast Cruises tenha optado por uma reciclagem responsável da sua embarcação.Os armadores vendem os seus navios para estaleiros asiáticos via empresas especializadas no comércio de tonelagem de fim de vida. Essas empresas prometem aos armadores não só um preço mais alto, mas também livrá-los das suas responsabilidades em lidar adequadamente com a gestão das suas embarcações em fim de vida.

Os navios contêm grandes quantidades de materiais tóxicos, como borra de óleo, amianto e tintas carregadas de metais pesados; renderiam menos lucro se fossem vendidos a um centro de reciclagem que siga os padrões de saúde e segurança ocupacionais e ambientais.Um sinal de esperança vem de um grupo destacado de armadores, que vão assumir a responsabilidade pela gestão limpa e segura de embarcações em fim de vida e demonstrar que há alternativas disponíveis.

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A União Europeia deverá publicar uma lista das instalações certificadas de reciclagem de navios em todo o mundo até ao final de 2016 / Foto Shipbreaking Platform

Isto irá satisfazer o apelo daqueles que exigem melhores práticas, incluindo os investidores, como a ABN-Amro, e proprietários de carga, tais como H&M, Stora Enso e Phillips -nenhum dos quais deseja estar associado à gestão poluente e prejudicial de navios em final de vida. Por enquanto, só os navios que navegam sob a bandeira da UE serão legalmente obrigados a utilizar uma unidade de reciclagem aprovada pela própria União; qualquer armador pode, no entanto, optar por uma unidade deste gênero, mesmo que a sua frota não tenha bandeira europeia.

Por conseguinte, a Shipbreaking Platform exige que as companhias de navegação e os seus investidores só permitam que os seus navios sejam enviados  para estaleiros constantes na lista da UE. Além disso, os governos das nações marítimas mais importantes do mundo, como a Grécia e a Alemanha, também devem tomar medidas para garantir uma utilização nacional da listagem europeia. A existência de um incentivo financeiro, com base no princípio do poluidor pagador, poderia ser uma maneira de levar os armadores negligentes a realizar a reciclagem  sustentável das suas embarcações.

NAVIOS BRASILEIROS ENVIADOS EM 2015 PARA DESMANCHE EM ESTALEIROS NAS PRAIAS LOCALIZADAS EM BANGLADESH E NO PAQUISTÃO:

Navio Mediterrâneo: NTL – Navegação e Logística SA – Bangladesh em 06/01/2015

Navio Ore Tubarão: Vale SA (formerly Companhia Vale do Rio Doce- Bangladesh em  21/03/2015

Navio Santos: Frota Oceânica e Amazônica S.A – Índia em 16/07/2015

Navio NTL: Navegação e Logística S.A- Índia em 17/06/2015

Navio Atlântico: Petrobras Transporte S.A. (TRANSPETRO)- Paquistão em 14/07/2015

Navio Atlântico: Petrobras Transporte S.A. (TRANSPETRO)- Paquistão em 30/01/2015

Navio Atlântico: Seamar Shipping Corporation – Paquistão em 21/05/2015

Navio Atlântico: Vale SA (formerly Companhia Vale do Rio Doce)- Paquistão em 27/08/2015

Em 2014 foram enviados para os estaleiros de desmanche nas praias de Alang, na Índia e Gadani no Paquistão seis navios da Transpetro e dois da Maestra, empresa que atuava na cabotagem no Brasil e que faliu há três anos. Nós entramos em contato com as assessorias de imprensa das empresas mas não obtivemos resposta.

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