Penas rigorosas a quem maltrata animais

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O Vira Lata Fiapo, que foi atropelado no centro de Rio Grande (RS) por uma moto e adotado por uma moradora da rua Marechal Floriano

A indignação de milhares de brasileiros com recentes casos de maus-tratos contra animais domésticos pode dar origem a uma lei de iniciativa popular do país. Depois das mobilizações que se transformaram em legislação nas áreas eleitoral, de habitação e direito penal, os defensores de cães, gatos e outros bichos de estimação anunciam que vão colher um mínimo 1,3 milhão de assinaturas para propor uma punição mais rígida contra os agressores.

No Brasil, algumas práticas de crueldade animal, como as rinhas de galo e a Farra do Boi, são consideradas ilegais e punidas com cadeia. Mas há um tipo de violência contra bichos quase ignorada pelas autoridades e pela Justiça: os maus tratos contra cães, gatos e outros animais de estimação.O crime de maus tratos não costuma ser considerado caso de polícia nem mesmo pela polícia – apesar de o ser. Os registros são precários e não há dados oficiais sobre os abusos cometidos contra animais domésticos no Brasil. Existem hoje em tramitação no Congresso Nacional 21 projetos relacionados à questão animal, alguns há mais de 10 anos.

Até que a legislação do Brasil evolua, os animais  continuarão a contar apenas com a caridade de algumas pessoas.Nos Estados Unidos quem maltrata animais cumpre pelo menos 1.200 horas de serviços prestados, 10 vezes mais do que o proposto pelo Ministério Público.

Segundo estatísticas da Humane Society International (HSI), 88% dos animais que vivem em famílias com violência doméstica, são abusados, violentados ou mortos. Nos Estados Unidos, toda vez que um caso de abuso de animais é levado a uma delegacia, o nome da pessoa é rastreado para saber se não há outro tipo de violência relacionada a ela.

 

De cães e de homens

 Reinaldo de Azevedo

Cotó, o meu amigão, que se foi em outubroCotó, o meu amigão, que se foi em outubro

Houve uma verdadeira comoção nas redes sociais, e não sem razão, por causa de um cachorrinho espancado até a morte por uma mulher na presença de uma criança. Comecei a ver e parei. Não tenho estômago para essas coisas. Esse tipo de brutalidade, com gente ou com bicho, me deixa, sem exagero, de estômago meio embrulhado. O desconforto, moral em primeiro lugar, passa imediatamente a ser físico. Gosto de animais. Quando moleque, tive gatos — muitos: catava os filhotes abandonados na rua e os levava pra casa, o que deixava a minha mãe louca da vida —, papagaio, pomba, porquinho da índia, coelho daquele orelhudo… Moram aqui conosco, vocês sabem, duas cachorras e uma tartaruga. Escrevi, não faz tempo, o adeus a Cotó, o meu amigão que vocês vêem aí no alto, que morreu em outubro. A crueldade daquela moça, pouco importa o pretexto, é incompreensível pra mim. Do pouco que vi, não se tratava de alguém num ataque de fúria, vingando-se de alguma coisa desagradável que o cão tivesse feito. Sua brutalidade era meio burocrática, pausada, refletida até. Como pode?

Costumo escrever sobre a chamada macropolítica, isto que as pessoas entendem normalmente por política: o jogo do poder, as forças que se organizam para dominar o estado e governar a sociedade, os partidos etc. Mas gosto mesmo é quando surge um tema que diz respeito à política dos indivíduos, àquilo que cada um de nós entende sobre a vida, as pessoas, as relações. Eu levo a sério a máxima de que, ao fazer escolhas no dia a dia, escolhemos em que mundo queremos viver, anunciamos o nosso ideal. O homem sempre há de se perguntar, diante de um ato que tem conseqüências que vão além da sua própria vida, se o mundo seria melhor ou pior se todos agissem como ele. Quem se nega a fazer essa pergunta é, potencialmente ao menos, um monstro moral.

O psicopata não reconhece a existência do “outro”; o sociopata não reconhece a existência dos outros. Aqueles delinqüentes que vemos a jogar latinhas de cerveja na pista nunca pararam para refletir como seriam as estradas se todos fizessem o mesmo. Os que ultrapassam pela direita, andam no acostamento ou varam o sinal vermelho só agem desse modo na certeza de que a maioria cumpre as leis. Não duvidem: indivíduos com esse comportamento costumam ficar furiosos caso sejam prejudicados por ação idêntica. Entendem que seu papel é andar fora das regras; o dos outros é cumpri-las.

A moça que espancou o cachorro é enfermeira. O fato gerou uma onda de especulações. Se trata assim um bicho, o que não fará com os seus doentes? A pergunta, notem, cheia de justa indignação, não deixa de trair uma inversão, ou uma subversão, de valores. Parece-me que a boa tradição humanista nos recomenda outra constatação: quem não respeita nem os seres humanos tampouco há de respeitar os cães. Entendo, no entanto, as ilações a que o caso convida: ela só se portou daquele modo porque a vítima não tinha como se defender, como contra-atacar. Matar um yorkshire, convenham, é coisa para covardes. Os valentes tentariam pegar na unha um pit bull ou um rottweiler. Doentes, numa cama, estariam mais para yorkshire…

Sim, a indignação faz sentido, e o fato de ela ser enfermeira parece ser um constrangimento adicional. Mas também é preciso saber a hora em que as coisas passam do ponto. Os comentários que circulam na rede sobre aquela senhora são horripilantes. E até alguns políticos já decidiram dar pitaco. Há quem pregue abertamente que ela seja submetida ao mesmo tratamento que dispensou ao cachorro, o que nos joga, no que diz respeito àquele terreno das escolhas, numa situação muito delicada: seria aceitável que se fizesse com um ser humano o que consideramos, e com razão, inaceitável que se faça com um cão?

Na era das redes, é preciso ir devagar. É mais fácil linchar pessoas do que matar cachorros, e uma e outra coisa são inaceitáveis. Se essa moça, por qualquer razão, fosse presa numa cela comum, correria, de fato, um sério risco de experimentar o tratamento que dispensou ao yorkshire, e não faltaria quem dissesse: “Mais do que merecido! Como ela pôde fazer aquilo com um bichinho, que nem podia se defender?” O amor pelos bichos que nos humaniza é virtuoso. Mas convém que amemos igualmente os homens, mesmo aqueles que são meio tortos na vida.

Já disse o quanto aquilo me constrangeu. Deixei o escritório por alguns instantes para comer uma fruta. Passo pela sala, e Lolita estava esticada no chão da sala, curtindo o calor. Pipoca estava aboletada numa poltrona e sabe que está no lugar errado. Ao me ver, não tem dúvida: fica de barriga pra cima, com as patinhas traseiras no ar, as dianteiras dobradas, em sinal de submissão, e espera o que sabe que terá: um afago na barriga. A outra me segue até a cozinha à espera de um pedacinho de pêra, de mamão… Que tipo de gente espanca cachorro, Santo Deus!? Mas não me peçam para condescender com espancadores de homens.

Fala-se até em prisão para a mulher com base no Estatuto da Criança e do Adolescente. Bem, talvez seja o caso de verificar se tudo vai bem com ela e tal. Mas vamos devagar! A exposição da criança, da forma como está se dando, não me parece também coisa saudável. Mais: como deixar de considerar que o vídeo é uma óbvia invasão de privacidade?

Já publiquei aqui “Anedota Búlgara”, um poema de Drummond:
Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas,
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade

Amemos os bichos!
Amemos os homens!
Todos são dignos do nosso afeto.

Mas só aos homens podemos dispensar compaixão e perdão!