O pedreiro que virou médico

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Acidente com irmão foi decisivo para Régis, ex-servente de pedreiro, seguir carreira de médico

Furos no encanamento, reparos em rachaduras na parede ou falta de pintura. Para essas e outras emergências da construção civil, o doutor Régis está sempre a postos.
Toda vez que aperta um parafuso, busca no DNA experiências passadas. Hoje, Régis Renosto tem 34 anos, 1m86cm, 87 quilos e um cargo de diretor-médico no Samu de Gravataí. Há 16 anos, 18 quilos mais magro, era servente de pedreiro com o irmão e o pai, em Flores da Cunha. Foi a dificuldade em receber atendimento que despertou no jovem a vontade de servir à saúde pública.

Desde pequeno, Régis almejava a Engenharia Civil, para depois montar uma construtora e melhorar a vida do pai — que da adolescência até hoje sempre foi pedreiro. Mas um tropeço e uma queda mudaram os objetivos do menino das mãos rachadas pelo cimento.

Régis trabalhava no segundo piso de uma residência quando viu o irmão tombar de uma altura de seis metros, de cabeça no chão. Ele e o pai largaram suas ferramentas e saíram desesperados rumo ao hospital municipal. Mal vestidos e sujos, o médico se negou a atendê-los a menos que pagassem para tanto.

Naquele instante, às 13h30min do dia 31 de maio de 1995, prestes a concluir o Ensino Médio, Régis decidiu: seria médico. E mais: socorrista. Após um ano de curso pré-vestibular, conseguiu ingressar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1998.
Foram seis anos de privações, dedicados apenas ao estudo. Assim que conquistou o canudo, saiu a trabalhar ansioso para retribuir o esforço financeiro da família.

— Aquele acidente foi um baque. Depois, meu irmão se recuperou. Hoje até trabalha com o pai novamente. Decidi que faria medicina para ter o poder de realizar o atendimento que aquele médico não quis — relembra.

Em 2008 passou no concurso do município de Gravataí para socorrista. Três meses depois, foi nomeado diretor-médico do Samu. Poderia apenas fazer trabalhos administrativos, chefiar a equipe de 43 funcionários e montar escalas. Optou por batalhar a permissão para, toda a quinta-feira, vestir o macacão azul e encabeçar os atendimentos.

— Sei que estamos longe de sermos heróis. Não quero que as tragédias ocorram, mas quero estar perto para ajudar quando acontecerem — disse.

A medicina transformou a vida de Régis, o ajudou a superar o trauma e também fez com que melhorasse de vida. Hoje, divide a atenção com a mulher, de 36 anos, os dois filhos — um menino de quatro anos e uma menina de 10 meses —, e o

trabalho no Samu, na Emergência no Hospital Municipal de Gravataí e no Hospital Dom João Becker. Mora em Porto Alegre e está a um ano de trocar o apartamento do bairro Alto Petrópolis por outro três vezes maior, nas proximidades do Shopping Iguatemi. Tem um carro importado e já está com as passagens reservadas para viajar pela segunda vez à Europa.

O médico da Serra jamais soube da influência que teve na vida do agora colega de profissão. Se o encontrasse, Régis resumiria a conversa em uma palavra:”obrigado”.