Navios abandonados criam problemas de ordem ambiental e de saúde pública

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A Marinha confirma que pode pedir remoção ou desmanche quando há ameaça ao meio ambiente. Mas essas determinações têm sido barradas na Justiça

Há pouco mais de um ano, o navio cargueiro São Luiz, de 200 metros de comprimento, soltou-se de onde estava ancorado na Baía de Guanabara e foi bater na Ponte Rio-Niterói. Não houve vítimas nem maiores danos materiais, mas o episódio chamou a atenção para o cemitério de 51 embarcações abandonadas na Baía, de acordo com levantamento da Capitania dos Portos e da Polícia Militar. Ao todo, há pelo menos 122 embarcações fora de uso flutuando sem qualquer segurança no litoral brasileiro.

Os riscos já estavam claros desde a controvérsia em torno do casco do porta-aviões São Paulo, a maior embarcação da Marinha, descomissionada e enviada para desmanche num estaleiro na Turquia. Ao saber que os restos do São Paulo continham 10 toneladas de amianto e outros materiais tóxicos, o estaleiro o despachou de volta para o Brasil, onde foi proibido de atracar em qualquer porto. Restou afundá-lo a 350 quilômetros da costa de Pernambuco.

Na origem do problema está a falta de uma legislação que trate da questão. O único conjunto de regras que existe são resoluções da Agência Nacional do Petróleo (ANP) para o desmanche de plataformas de exploração e produção de óleo e gás no mar. Ajudaria se o Congresso discutisse e aprovasse o Projeto de Lei que trata da “reciclagem de embarcações”.

O desmanche das embarcações precisa ser abordado em todas as suas fases, do desmonte à destinação do que não for aproveitável. Oceanógrafos e cientistas afirmam que é imperioso garantir o descarte seguro dos resíduos tóxicos. Não se pode simplesmente jogá-los num lixão a céu aberto. Só há, segundo Fernanda Giannasi, presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), três aterros sanitários no país certificados para receber materiais tóxicos, apontados no último relatório do Ministério do Trabalho. O próprio oceano não é um local adequado para destinar o lixo náutico.

O problema tende a se agravar, com grandes riscos de poluição do mar e para a população, diz o oceanógrafo David Zee, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Óleo e resíduos de metais pesados entram na cadeia alimentar, contaminam a fauna marítima e atingem o consumidor de pescado. Há também, portanto, um problema de saúde pública ligado aos navios abandonados.

O vácuo legal permite que proprietários de navios simplesmente os abandonem. A burocracia também dificulta o desmanche. O Ibama informou ao GLOBO que acompanha o descomissionamento de navios ligados à produção de petróleo e gás e que, para outros barcos, o desmonte precisa constar dos licenciamentos feitos pelos órgãos ambientais estaduais. No caso de abandono, o Ibama notifica os proprietários. A Marinha confirma que pode pedir remoção ou desmanche quando há ameaça ao meio ambiente. Mas essas determinações têm sido barradas na Justiça. Enquanto isso, o litoral brasileiro é silenciosamente envenenado por uma frota de navios pelos quais ninguém se considera responsável.

https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial/coluna/2023/12/navios-abandonados-criam-problemas-de-ordem-ambiental-e-de-saude-publica.ghtml