Leilões de escravos às portas da Europa

0
969
IMPRIMIR
Licitações, chicotadas e correntes. EL PAÍS mostra casos reais, como os denunciados pela ONU: cada vez mais imigrantes estão sendo vendidos como escravos em mercados da Líbia
Licitações, chicotadas e correntes. EL PAÍS mostra casos reais, como os denunciados pela ONU: cada vez mais imigrantes estão sendo vendidos como escravos em mercados da Líbia

Na cidade de Sabha —situada ao sul da Líbia, 100.000 habitantes— existe um lugar conhecido como o gueto de Ali. É um nome que faz Abou Bacar Yaw –um jovem gambiano de 18 anos que passou dois meses ali dentro – abaixar a cabeça. O gueto de Ali é, provavelmente, e com base nas descrições de quem ali esteve, um antigo centro de detenção. Antes da guerra que culminou na queda de Muamar Gadafi, Sabha era um oásis imigratório da rota africana em direção à Europa. Muitos subsaarianos eram retidos nesse lugar e expulsos do país. Sabha era, também, um atraente destino turístico para aventureiros.

Abou Bacar chegou a este lugar depois de cinco dias de travessia ininterrupta pelo deserto. Partiu de Agadez, no desértico centro do Níger, onde meses depois está de regresso. Sentado em uma cadeira velha, com uma cicatriz ao lado de seu olho esquerdo –e a chamada para a reza em uma mesquita próxima–, relata suas lembranças. Conta que todo mundo em Sabha conhece o gueto de Ali. “Mas ninguém se importa porque a Líbia é o inferno. Todo mundo anda armado. Até as crianças carregam pistola. E ninguém se preocupa com o bem e o mal.” O gueto de Ali parece conduzir suas atividades sem muitos problemas.

“Eu já tinha pagado minha passagem até Trípoli. Paguei-a em Agadez antes de sair.” Abou desembolsou o equivalente a 1.450 reais, as economias de toda sua família. “Mas nunca cheguei a Trípoli.” Quando alcançaram Sabha, o motorista do veículo que os levou através do Saara os conduziu ao gueto. “Ali estavam alguns líbios, com uniformes militares e armas. Não sei se eram soldados, milicianos ou o que eram.” Abou e os demais foram levados para dentro do edifício. Disseram-lhes que não tinham pago a passagem –quando, na verdade, tinham– e os prenderam sem mais explicações. “Sentávamos no chão e os líbios vinham nos escolher e nos comprar, como quem escolhe mangas num mercado de frutas. Depois, discutiam o preço”

 Fotografias extraídas do telefone de um imigrante retido na Líbia e entregues pela OIM. A agência explica que se trata de escravos em um mercado da Líbia, à espera de serem vendidos. / OIM OIM
Fotografias extraídas do telefone de um imigrante retido na Líbia e entregues pela OIM. A agência explica que se trata de escravos em um mercado da Líbia, à espera de serem vendidos. / OIM OIM

Um copo de água e um pedaço de pão era o que lhe davam todos os dias nos dois meses em que Abou esteve no gueto. Ali se amontoavam, segundo estima Abou, umas 300 pessoas, todos homens. Aqueles que iam morrendo os demais tinham de retirar do local e queimar em um descampado contíguo ao centro. “Todos os dias chegavam homens árabes, às vezes com guarda-costas, e então nos levavam ao pátio. Ali tínhamos de nos sentar assim –Abou se senta no chão, com as pernas abertas–, em fila, cada um entre as pernas do que estava atrás. Era como um trem que formávamos no chão.” Abou retorna à sua cadeira e continua o relato: “O homem árabe passeava entre nós e escolhia alguns. Escolhia os fortes, os que não pareciam que iriam morrer em dois dias. Ele os escolhia como quando você escolhe manga no mercado de frutas. Depois pagava às pessoas do gueto e os levavam. Todo dia chegavam homens árabes para nos comprar”.

Abou foi vendido depois de dois meses. “Não sei quanto pagaram por mim. Diante de nós não falavam de dinheiro, iam negociar os preços num canto.” Abou fica em silêncio. Com o olhar perdido. Depois, diz: “O gueto de Ali é o lugar que você imagina quando te falam de um mercado de escravos”. Um mercado de escravos no século XXI, em uma cidade até há pouco tempo relativamente turística e em um país a 400 quilômetros da Europa.

LEIA A REPORTAGEM COMPLETA NO SITE DO JORNAL EL PAÍS