FPSOs de Búzios nos holofotes

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Licitações da Petrobras para contratação de três novas unidades de produção mobilizam a indústria mundial, prometendo disputas de peso. A Petrobras prevê colocar em operação um total de 10 plataformas de produção de petróleo e gás no campo gigante de Búzios, no pré-sal da Bacia de Santos, até o fim da próxima década, incluindo as quatro que já estão em produção

A atenção do mercado mundial de FPSOs se volta, mais uma vez, para o Brasil. Em meio à crise do preço do barril e da pandemia de covid-19, a Petrobras se consolida como a grande contratante do momento, com o lançamento de megalicitações para contratar as plataformas Almirante Tamandaré, P-78 e P-79, destinadas ao campo de Búzios.

Os contratos movimentarão montantes entre US$ 4,8 bilhões e US$ 6 bilhões cada um. Voltados a dois projetos de EPC (Engineering, Procurement and Construction) e um de afretamento (no caso do Almirante Tamandaré), as concorrências já mobilizam operadoras de FPSOs, estaleiros estrangeiros e nacionais e empresas de engenharia.

Diante do porte e dos desafios dos projetos, a tendência é que as empresas convidadas optem por formar consórcios para disputar os contratos de construção. Já a briga pela unidade afretada tende a ficar restrita à SBM e à Modec, tendo em vista o tamanho da planta de produção, de 225 mil bopd, – a maior já solicitada em licitações no Brasil.

Nos últimos meses, fornecedores amargaram o engavetamento de planos de retomada do crescimento mundo afora. Com poucas oportunidades na praça, as concorrências da Petrobras atrairão disputas acirradas, protagonizadas por grupos de grande porte.

Cenário do EPC

Passado menos de um mês do lançamento do edital do processo turn-key da P-78 e P-79, as empresas ainda avaliam os termos do edital e estudam a formação de parcerias. A corrida pelos contratos de construção dos FPSOs próprios deve atrair não somente os epecistas habilitados na qualificação da Petrobras (Brasfels, Daewoo Shipbuilding, EBR, Hyundai, Keppel, Modec, Samsumg, SBM, Technip e Toyo), como grupos que ficaram de fora do trâmite formal.

Pelas regras estabelecidas, não há impedimento para que as habilitadas formem consórcios entre si, com outros grupos ou subcontratem outras companhias. Diante disso, ganha força uma possível participação direta ou indireta da Saipem — empresa com declarada predileção pelo modelo de construção e que não foi habilitada no processo da Petrobras –, além de estaleiros chineses, que sequer chegaram a ser convidados pela estatal, aparentemente por não terem experiência comprovada na construção integral de novos FPSOs.

Especialistas avaliam que estaleiros estrangeiros optarão por participar consorciados. Ainda que os estaleiros do exterior habilitados pertençam a grupos mundiais gigantes e estejam acostumados a executar projetos de grande porte, deve prevalecer a ideia de que é importante a associação com empresas que tenham experiência de gestão de contratos com a Petrobras.

Apesar da escassez de novos negócios, a expectativa é que nem todas as empresas qualificadas apresentarão proposta. Como os contratos de construção não contemplarão o serviço de operação dos FPSOs, a SBM e a Modec não devem participar da licitação, optando por guardar munição para a licitação do afretamento.

A maior parte das operadoras de FPSO considera que contratos de construção no modelo turn-key têm valor agregado muito baixo, o que afeta a atratividade do negócio. Na prática, o custo do estaleiro torna-se muito mais relevante, enquanto, sob o modelo de afretamento, ainda que haja a subcontratação dos estaleiros, o valor agregado dos contratos reside no financiamento e operação.

Favoritos e desafios

Com instalações ociosas, estaleiros sul-coreanos devem entrar com apetite nas licitações. Desde que os chineses entraram na construção de FPSOs, Samsung, Hyundai e Daewoo viram suas encomendas minguarem, na medida em que a SBM e a Modec passaram a concentrar suas obras no grupo Cosco, atraídas por preços expressivamente menores.

Os holofotes se voltam também ao Keppel. Há quem acredite que o estaleiro de Cingapura possa levar vantagem, principalmente se decidir participar associado ao Brasfels, em Angra dos Reis (RJ).

Entre outros fortes candidatos estão a Technip e o EBR, que poderiam montar parceria com estaleiros do exterior, inclusive com alguns dos conglomerados chineses.

O patamar de preço ofertado para cada FPSO próprio deve variar entre US$ 1,6 bilhão e US$ 2,5 bilhões. Valores acima do patamar de US$ 2 bilhões devem, contudo, ficar automaticamente fora da disputa, extrapolando os indicadores da Petrobras.

Especialistas consultados pela Brasil Energia não têm grandes expectativas de que a fase de integração e montagem dos FPSOs venha a ser executada no Brasil. Os estaleiros brasileiros devem assegurar apenas a construção de alguns módulos que serão instalados no exterior. A única possibilidade de reversão desse quadro seria em cenário com o Keppel se associando ao Brasfels.

As unidades requeridas pela Petrobras no processo do EPC são bastante semelhantes aos FPSOs de Mero 2 e Mero 3. Cada unidade será equipada com uma planta de produção para 180 mil bopd e compressão de 7,2 milhões de m³/d de gás, tendo mais de 30 mil t de topside.

Contratação diferenciada

O modelo de contratação da P-78 e P-79 é totalmente diferente dos últimos processos de FPSOs próprios, referentes aos replicantes (P-66 a P-71) e os da cessão onerosa (P-74 a P-77). Enquanto, na licitação atual, a petroleira optou por ter um único contratado para a unidade, exigindo a construção de um casco novo, nos replicantes o projeto foi todo repartido. Nas unidades da cessão, embora o escopo contemplasse todos os módulos e integração a cargo da contratada, os cascos foram feitos a partir de conversões já pré-selecionadas.

O formato atual da licitação servirá de teste a futuros projetos de novas unidades de produção. Depois de um jejum de anos, a Petrobras retoma a contratação de unidades próprias, na tentativa de melhor equilibrar sua frota e evitar eventuais problemas futuros.

Os últimos negócios feitos pela petroleira com escopo mais parecido com o de agora foram direcionados à P-57, originalmente contratada com a Modec, e à P-63, que ficou a cargo da BW Offshore. Os dois contratos foram fechados sob o modelo de BOT.

Há também o fato de o cenário atual do setor ser totalmente diferente do momento em que as últimas unidades próprias foram construídas. De lá para cá, diversas empresas ficaram pelo caminho, seja pela crise do setor ou pelos escândalos desvelados pela Operação Lava Jato.

Opção da segunda

A grande dúvida do mercado em relação ao EPC é se algum dos epecistas terá fôlego e apetite para arrematar dois FPSOs. De acordo com as regras do edital, as empresas terão que indicar, na proposta apresentada para a P-78, se têm interesse na segunda unidade de Búzios, cujo preço será fixado em 92,6% do valor da oferta apresentada para o primeiro FPSO. O prazo entre a entrega da P-78 e da P-79 poderá oscilar entre seis meses e nove meses, sendo que ambas terão de entrar em operação em 2025.

Diante da escassez de dinheiro no mercado e da perspectiva de o projeto ter fluxo de caixa negativo, executivos do segmento acreditam ser pequena a probabilidade de algum epecista optar por construir as duas unidades quase que simultaneamente. Projeções preliminares indicam que a defasagem entre os desembolsos feitos pela empresa vencedora e os pagamentos executados pela Petrobras podem atingir o patamar de centenas de milhões de dólares por plataforma.

Caso a empresa vencedora da P-78 não indique interesse pela segunda unidade, a Petrobras irá acionar o segundo colocado na licitação para garantir a contratação da P-79. A tendência nessa situação é que a comissão de licitação tente assegurar renegociação de preço, visando garantir valor mais próximos do primeiro colocado.

Outro ponto de incerteza reside no fato de a maior parte dos grupos habilitados não ter experiência com projetos de engenharia elaborados pela Petrobras. Em tempos de pós-Lava-Jato e sem espaço para futuras renegociações, o projeto terá de ser conduzido na ponta do lápis. A petroleira não poderá fazer ajustes em seu projeto de engenharia, e a empresa vencedora não terá espaço para erros na cotação.

A entrega de propostas foi marcada para o dia 18 de dezembro, mas com a pandemia da covid-19 ainda afetando o dia a dia de empresas e estaleiros do Brasil e do exterior, prazo tende a ser estendido.

Afretamento em foco

Até o fechamento desta reportagem, a Petrobras ainda não havia liberado o edital para afretamento do Almirante Tamandaré, tendo disponibilizado apenas uma RFI (Request for Information) enxuta, sem maiores informações técnicas do projeto. O documento foi encaminhado à SBM, Modec, Saipem e Misc Berhad, entre outras empresas.

Programado para produzir 225 mil bopd e comprimir 12 milhões de m3/d de gás, o sexto FPSO de Búzios entrará em operação no segundo semestre de 2024. O edital deve ser lançado até setembro.

Diante do porte do FPSO requisitado e do grau de pioneirismo do projeto, as ofertas devem extrapolar em muito o valor médio praticado nas licitações da Petrobras, inaugurando o patamar de US$ 1 milhão, ante a média de US$ 800 mil para as unidades com capacidade entre 150 mil bopd a 180 mil bopd.

Há quem estime que algumas taxas diárias poderão atingir valores de até US$ 1,4 milhão a US$ 1,5 milhão. A certeza é que o negócio será para empresas de grande porte, que estejam com boa saúde financeira e tenham alta capacidade de execução. No mercado, prevalece a avaliação de que apenas SBM e Modec terão fôlego.

A operadora japonesa carrega a seu favor o fato de ter ganho, recentemente, a disputa do FPSO de 220 mil bopd da Equinor para o projeto de Bacalhau, no cluster de Santos, o que garante familiaridade com projetos de maior porte, ainda que a unidade esteja em fase de FEED (engenharia de pré-detalhamento).

Já o grupo holandês tem a vantagem de estar menos sobrecarregado, com três FPSOs em construção, sendo um para a Petrobras e dois para a ExxonMobil, ante os sete em fabricação pela Modec. A japonesa tem ainda no radar o segundo FPSO de Bacalhau, ainda não contratado, mas com previsão de início de operação para 2028.

O Almirante Tamandaré não será a maior unidade já contratada na indústria. Hoje, há no mundo unidades em operação com capacidade para produzir 250 mil bopd e 300 mil bopd. Nenhuma, porém, tem a complexidade agregada do pré-sal, com gás contaminado e altos volumes de gás.

Com as novas unidades em contratação, o projeto de Búzios passará a ter oito FPSOs. O campo da cessão onerosa já conta com quatro unidades em operação (P-74, P-75, P-76 e P-77), respondendo por mais de 20% da produção total da Petrobras e mais de 30% da produção dos campos do pré-sal, além do FPSO Almirante Barroso, em construção pela Modec e programado para compor o módulo 5 do empreendimento.

No momento, a Petrobras mantém 46 FPSOS em carteira, somando-se as unidades em operação e as que estão em construção, além de três FSOs e um FPU. Do total da frota contratada, 27 unidades são afretadas e 23 são próprias.