Especial: empresa da Arábia Saudita diz que ofereceu R$ 30 milhões para comprar porta-aviões aposentado que ficou ‘vagando’ em alto mar

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Imagem de arquivo mostra o ex-porta-aviões NAe São Paulo (A-12) — Foto: Marinha do Brasil/Divulgação

O futuro do porta-aviões desativado São Paulo, proibido de atracar no Brasil e no exterior, ganhou um novo capítulo após uma proposta de compra da embarcação ser encaminhada à Marinha, que avalia afundar o navio aposentado em águas internacionais.

Entretanto, uma especialista ouvida pelo g1 afirmou que seria complexo tirar do papel a operação para trazer o casco do porta-aviões (navio que não está mais em operação) para um porto nacional, onde seriam feitos os procedimentos necessários para o desmantelamento.

A empresa Sela Trading Holding Company, da Arábia Saudita, disse que enviou para a Marinha do Brasil uma proposta de R$ 30 milhões para comprar o casco do antigo porta-aviões São Paulo.

O São Paulo era o único porta-aviões da frota naval brasileira, mas foi aposentado pela Marinha em novembro de 2018, por isso ele é chamado oficialmente de casco ou de ex-navio.

No dia 20 de janeiro, a Marinha do Brasil anunciou que tinha assumido o controle das operações da embarcação. A medida foi tomada depois que a empresa MSK, responsável pelo transporte do navio entre a Europa e o Brasil, ameaçou abandoná-lo no mar.

Dias antes, o navio começou a ser movimentado. Deixou a área na altura do Porto de Suape, no Litoral Sul e Pernambuco, onde foi impedido de atracar desde outubro de 2022, e seguiu para águas internacionais.

Nem as autoridades, nem a empresa que ameaçou abandonar o casco do porta-aviões informaram para onde a embarcação estava sendo levada e quem estava pagando os custos da operação. O destino do navio virou um mistério.

Em entrevista ao g1, o advogado Alex Christo Bahov, representante da Sela Trading, afirmou que enviou um e-mail para a Marinha do Brasil, na segunda (30), informando o interesse de compra.

Ele explicou que a Sela é uma empresa que atua em todo o mundo com navios, marinas e outras atividades no setor naval.

Segundo o advogado, a empresa da Arábia Saudita está disposta a arcar com todos os custos operacionais para ficar com o ex-porta-aviões.

Em um leilão realizado em 2021, a Sök, empresa turca, pagou R$ 10 milhões pela embarcação. Agora, os árabes estariam oferecendo triplo do valor pelo navio.

“A proposta foi feita e está valendo. Não recebemos resposta da Marinha do Brasil até agora [tarde de terça-feira (31)]. Agora é a Marinha que tem que dizer sim ou não”, disse.

Bahov explicou que a Sela Trading teria planos para “dar o destino adequado” a cada parte do antigo porta-aviões.

“A proposta é pegar o navio, levar para um estaleiro especializado em desmanches que cumpra as leis de proteção ao meio ambiente e fazer reparos. Queremos aproveitar cada pedaço”, afirmou.

O advogado Alex Christo Bahov disse ainda que a proposta da empresa seria tirar todo o material tóxico que existe a bordo ainda no Brasil.

Só então, a embarcação seria levada para o desmanche que ele chamou de “ecológico”, num local que ele não informou.

Questionado pelo g1 como seria atracar em algum porto brasileiro, já que o casco foi vetado por risco ambiental pela Justiça Federal, Bahov afirmou que “cumpriria todas as regras” para entrar no país.

Ele disse que seria preciso “recomeçar” as tratativas para fazer as solicitações e seguir as normas das autoridades marítimas para realizar a atracação no país.

O advogado afirmou que a antiga empresa não teria cumprido “as normas da Marinha do Brasil” para conseguir que o casco do São Paulo atracasse. “Sequer apresentaram laudos”, disse.

O g1 entrou em contato com a Marinha do Brasil para falar sobre a proposta de compra. A Força Armada disse que, sobre esse assunto, só “se pronuncia apenas por meio de nota oficial”.

O g1 também procurou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e perguntou sobre a possibilidade de o navio ser afundado. O Ibama respondeu através de nota que “no momento, busca informações mais detalhadas sobre o local previsto para o afundamento com vistas a eventual mitigação, reparação e salvaguarda do meio ambiente brasileiro”.

Operação seria complexa

Segundo a professora de Direito Marítimo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Ingrid Zanella, a possibilidade de o ex-porta-aviões voltar ao Brasil para o desmanche teria que passar pelo entendimento de uma série de órgãos públicos.

Primeiro, explica a advogada, o navio não poderia voltar para Pernambuco, já que a decisão da Justiça Federal que proíbe a atracação dele no estado ainda está em vigor. Para levar o ex-navio para outro estado, Zanella afirma que a empresa que o comprasse precisaria de autorização da Marinha do Brasil.

“A Marinha já disse que o navio, como está, não pode atracar em nenhum porto brasileiro. Porque ele foi danificado, após passar vários meses vagando. Ele corre risco de entrar no canal de acesso e naufragar, por exemplo”, lembrou a professora.

Ingrid Zanella acrescenta que a companhia também precisaria da autorização do porto para onde o ex-porta-aviões seria levado, já que cada unidade portuária tem autonomia para receber ou não a embarcação, considerando a segurança do próprio terminal.

Para que os componentes do ex-navio fossem exportados, a empresa também precisaria de uma autorização do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), como determina a Convenção de Basileia. Outra questão é que um estaleiro também deveria estar disposto a recebê-lo.

Zanella disse não ser capaz de avaliar se o ex-navio vale os R$ 30 milhões oferecidos pela empresa árabe.

Ela detalha que os navios contêm muitos materiais de valor, como ferro e aço, e o desmantelamento é uma alternativa importante de reciclagem, para evitar que as embarcações parem no fundo do mar.

A professora lembrou, porém, que é preciso considerar custos como o reboque, os gastos com o estaleiro e outras despesas operacionais, que podem impactar a rentabilidade do negócio.

Entenda o caso

  • Após ser vendido para uma empresa turca, que não conseguiu levá-lo para a Turquia, o navio foi rebocado de volta ao Brasil;

  • A empresa decidiu atracar a embarcação em Suape, no Grande Recife, por Pernambuco ser mais próximo da Europa, e não no Rio de Janeiro, de onde a embarcação partiu;

  • Por causa de risco ambiental, o governo de Pernambuco foi contrário à atracação e acionou a Justiça Federal;

  • Uma decisão judicial proibiu que o porta-aviões atracasse no estado e determinou multa diária de R$ 100 mil ao governo federal e à empresa agenciadora, em caso de descumprimento;

  • Em janeiro de 2023, a empresa responsável pelo navio ameaçou abandonar o porta-aviões no mar e disse que era um “pedido de socorro” por não ter mais recursos para manter a embarcação.

O que disse a última nota da Marinha

  • Ao assumir o controle operacional, a Marinha disse que o navio representava “elevado risco (…), com possibilidade de encalhe, afundamento ou interdição do canal de acesso a porto nacional, com prejuízos de ordem logística, operacional e econômica ao estado brasileiro”.

  • A Marinha afirmou que substituiu o rebocador da dona do navio, depois que a empresa apresentou “restrições logísticas” para a manutenção do reboque do mesmo.

  • Ainda segundo a Marinha, a troca de rebocadores aconteceu a 170 milhas náuticas, ou 315 quilômetros da costa brasileira, área marítima considerada “segura”, tendo em vista as “atuais condições de severa degradação em que o casco se encontra”.

  • A Marinha disse também que a Autoridade Marítima Brasileira (AMB) não vai autorizar a aproximação do casco de águas interiores (próximas da costa) ou terminais portuários nacionais.

  • Fonte: G1