Diretor-presidente do Sindamar aponta desafios e planos para o setor

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csm_Entrevis_9ffb1e6ffdpor Fernanda Balbino / A Tribuna.com.br

Iniciando seu segundo mandato à frente do Sindicato das Agências de Navegação Marítima do Estado de São Paulo (Sindamar), o agente de navegação Marcelo Neri, da Alphamar, comenta, em entrevista a A Tribuna, as perspectivas para o setor neste ano e os reflexos da crise econômica nas operações. Além disso, destaca os principais desafios logísticos do Porto de Santos e seus planos para o triênio 2016-2018, assim como o que espera da relação da entidade com as autoridades do cais santista. Confira a seguir.

Quais são as perspectivas para o setor de navegação em 2016?

A gente tem uma vertente principal que é a crise. É muito difícil para os setores de logística, transportes e de comércio exterior porque eles dependem de políticas macro, de uma política governamental. Na área portuária, não se depende tanto da gestão da empresa. Se você fala de crise no Porto, fala o que está acontecendo na Usiminas (que encerrará a maior parte de suas atividades na unidade de Cubatão), nos terminais de contêiner que estão demitindo. Isso está inteiramente ligado à crise brasileira. A crise traz oportunidades e te tira da zona de conforto. Só que nesse caso, no setor portuário, depende muito de uma política governamental. O que o Governo fez com o comércio exterior, que foi uma catástrofe, deixou o Brasil perante o mundo, em termos de troca de mercadorias, em uma posição muito fraca. Em 1990, estávamos junto com a China em representação mundial no comércio exterior, com 1%. Hoje, a China está em torno de 13% e o Brasil continua com 1%. As perspectivas não são boas para 2016 também. Vejo uma possibilidade de melhora no segundo semestre de 2017 nesse setor, que passa por navios, armadores e o Porto como um todo. Essa é a minha visão.

 

E quais devem ser as estratégias para fugir desse cenário?

A primeira coisa que uma empresa faz em um momento difícil é o corte de custos. Além disso, em um momento como esse, eu acho que a saída é a diversificação. Na crise, você tem que sair da zona de conforto e procurar diversificar no produto. Um exemplo é um terminal de contêiner começar a mexer com soja ou milho. Você procura ver qual é o segmento que não tenha sido tão afetado como os outros. Isso já está acontecendo com algumas empresas. Alguns estão mudando para o grão porque é o mercado agrícola que vem carregando o Brasil nas costas durante algum tempo e, principalmente, na crise. Embora os preços de várias commodities tenham baixado muito, como um todo, ainda é um mercado bom porque é de volumes. O minério tem crise, mas a soja não, porque o chinês continua comendo e tem que importar. Neste momento, a estratégia passa pela diversificação e pela procura de outros mercados. E pela própria gestão da empresa, na gestão dos custos.

Nessa diversificação, a cabotagem – o transporte marítimo de cargas entre portos de uma costa – pode ser uma saída?

O aumento da cabotagem pode ser parte da solução para o mercado interno. Mas você precisa fazer contas. Nem sempre a cabotagem pode ser a solução em termos de receita e despesa. Às vezes, você vai colocar na ponta do lápis e você tem a ferrovia ou o caminhão competindo. Do local de onde você sai com seu produto, tem uma pernada em terra para chegar ao Porto. A soma de tudo é que vai dizer. O Arco Norte (utilização dos portos da Região Norte para o embarque dos grãos do Centro-Oeste) é uma saída para a China, mas é preciso fazer a conta também. Às vezes, não justifica o investimento, mas isso tem que ser visto.

 

Na sua visão, quais são os desafios logísticos do Porto?

Se fala muito de dragagem, mas são precisos gestão e planejamento porque se avança pouco. A gente vê notícias, mas entra ano, sai ano e nada avança. É um problema ambiental que a gente tem que respeitar. É um problema jurídico em termos de licitações. É um problema de gestão, de planejamento, de investimento. É preciso dizer: o planejamento é para tantos anos, nós temos isso de calado e queremos chegar até tanto. É que se fala muito no aprofundamento, mas se evolui e se executa pouco. E tem a questão da dragagem dos berços também, de que pouco se fala. Tenho gostado das declarações do presidente da Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo, a Autoridade Portuária de Santos, presidida pelo engenheiro José Alex Botelho de Oliva) porque vejo que ele é técnico, mas espero que o Governo possa manter o mesmo quadro e que não fique alterando a todo momento para não voltar à estaca zero. De maneira nenhuma a iniciativa privada pode fazer isso (trocar gestores com frequência). Então a gestão pública também não pode, senão não vai chegar a lugar nenhum.

O sr. esteve à frente do Sindamar nos útimos três anos. Qual balanço o sr. faz desse período?

O Sindamar é um colegiado na decisão. Colocamos tudo em discussão com a diretoria. Trabalhamos no fortalecimento do Sindamar perante a mídia. Quem é o agente marítimo? É difícil saber, ainda mais para os que não estão muito ligados ao Porto. Qual é o papel do profissional nessa engrenagem toda? O Sindamar conseguiu fortalecer a imagem também com os órgãos anuentes, as autoridades federais e soube fazer, com habilidade, essa ponte. Esse foi o grande legado desses últimos três anos. E o resultado foi que passamos a ser convidados para os fóruns de discussão como a Conaportos (Comissão Nacional das Autoridades nos Portos).

E quais os desafios para os próximos três anos?

O grande desafio é a manutenção desse trabalho. O nosso objetivo é o treinamento, que a nossa categoria saiba que é preciso ter inquietude intelectual. Não é só a formação técnica. Tem que ter a formação não cognitiva, ou seja, a pessoa ter inteligência emocional, saber se relacionar, lidar e saber como reagir diante de uma determinada situação. Isso, as faculdades não ensinam. E o Sindamar percebe um pouco disso, não só a parte técnica, mas a questão de formar um profissional que saiba lidar com o mercado de logística, que é muito dinâmico. Nunca um dia é igual ao outro. É um mercado de muita pressão. Se time is money para outros segmentos, para este então… Esse é um desafio e o outro volta a ser a questão da representatividade do Sindamar e do agente marítimo. Em que o agente pode ajudar o Governo e os órgãos anuentes para que a coisa seja mais célere e tenha maior qualidade? A gente tem se relacionado muito bem com os órgãos anuentes, mas a gente ainda vê que, às vezes, eles baixam instruções normativas sem consultar os técnicos do setor. O agente enxerga todo o caminho da área de produção até o porto e ele enxerga também lá no destino, o comprador, a demanda. Exportador, terminal, importador, armador, a trading, o comprador, todos vêm falar com o agente. E por outro lado, todos os órgãos anuentes, o governo também vem falar com você.

Qual é sua opinião sobre os sistemas informatizados do Governo para o setor portuário, como o Porto sem Papel? É possível operar 100% desta maneira? 

Nesse novo mundo de interações, o futuro que eles entendem é que não tenha mais papel e se tenha uma celeridade no sistema. Mas, quem opera a maioria dos sistemas? É o agente marítimo. Você tem que chamar quem está operando o sistema no dia a dia. A intenção deles é fazer tudo sem papel e deveria ser possível. Mas a gente sabe que o Brasil é um país muito burocrata. Esse é o desafio que se pede. Se você tem um sistema que se chama Porto Sem Papel, você tem que obrigar que não exista mais papel, até pelo nome dele. Mas, para isso, o sistema tem que funcionar. O grande problema dele é que você tem o que o sistema quer em termos de segurança, celeridade e qualidade e você tem, do outro lado, a parte comercial da coisa. Tem que fazer um sistema que não trave o comércio exterior, que seja seguro, dê o que o Governo quer em termos de controle, mas não torne inviável uma transação comercial. O agente marítimo é um ator preponderante para esse equilíbrio porque é ele que opera o sistema e sabe como o mercado funciona.