A história se repete: lixo dos EUA enviado para Rio Grande

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Ação conseguiu devolver os contêineres com resíduos poluentes ao país de origem e a indenização será destinada à aquisição de equipamento de monitoramento costeiro

Após minuciosa investigação realizada em conjunto com a Receita Federal do Brasil (RFB) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), o Ministério Público Federal (MPF) celebrou transação penal com empresa que importou carga irregular dos Estados Unidos (EUA). A carga continha indevidamente substâncias poluentes e potencialmente contaminantes. A tratativa foi homologada pela 1ª Vara Federal de Rio Grande (RS) e a empresa efetivou o pagamento de R$ 706.359,65 na última terça-feira (9). O acordo ressalvou a não abrangência da multa imposta pelo Ibama.

Nos termos do acordo, a totalidade do valor pago será destinado à aquisição de uma câmera termal, que será utilizada em sistema de monitoramento costeiro a ser empregado nas atividades de vigilância e repressão realizadas pela Alfândega do Porto de Rio Grande, localizado no litoral sul gaúcho. Segundo a RFB, o equipamento será de suma importância no combate ao tráfico de drogas e contrabando, visto que permitirá a monitoração de embarcações que trafegam pelos molhes da barra do Rio Grande, e tem como um dos objetivos evitar o “método de içamento de cargas”, utilizado em larga escala por traficantes para inserir drogas e armamentos em navios que os transportam a outros países, casos já ocorridos no Porto de Rio Grande.

O MPF e a empresa envolvida promoveram uma série de reuniões para buscar solução para a carga de contêineres com o material poluente, quando também foram discutidos os termos do acordo sobre as consequências penais e ambientais dos fatos. O MPF buscou acordo que garantisse a reparação dos delitos ambientais praticados, bem como a prevenção de novos delitos. A empresa importadora, por entender que foi vítima do acontecido, condicionou o acordo ao sigilo do seu nome.

Entenda o caso – A investigação conduzida pelo MPF teve início após averiguação inicial, por parte da RFB, de material irregular num contêiner que fazia parte de um lote de 65 contêineres importados dos EUA e recebidos no Porto de Rio Grande.

Após vistorias, foi constatado que em meio à mercadoria declarada no processo de conhecimento de embarque marítimo, em proporção menor ao material declarado, havia materiais contaminantes, como lixo doméstico, de construção civil e até mesmo lixo hospitalar. Nos contêineres também foram encontrados insetos e vermes presentes nas embalagens contaminadas por matéria orgânica. Havia também peças de computadores e tonners com tinta espalhada, que contêm diversos metais pesados, como arsênio, berílio, chumbo, cádmio, lítio e mercúrio.

O material coletado foi enviado à Universidade Federal do Rio Grande (Furg), que confirmou a potencialidade poluente das substâncias encontradas na carga importada em níveis passíveis de resultar danos à saúde humana, a animais e à flora, bem como a constatação de produtos e substâncias tóxicas, perigosas e nocivas à saúde humana e ao meio ambiente.

O Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, é signatário da Convenção da Basiléia, que coíbe o tráfico ilegal de resíduos entre países e estabelece mecanismos de controle e consentimento prévio para importação e trânsito de resíduos perigosos. O artigo 49 da lei n° 12.305/2010 proíbe a importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos como os encontrados.

De acordo com o procurador da República em Rio Grande (RS) Daniel Luis Dalberto, a atuação coordenada do MPF, Ibama e Receita Federal fez a diferença e apresentou resultado satisfatório, tanto por ter evitado danos ambientais graves, como por possibilitar que de agora em diante haja melhores condições de fiscalização de ilícitos na orla e no Porto de Rio Grande com o equipamento que será adquirido com os recursos do acordo. Segundo ele, o acordo foi possível porque a empresa, desde o início, procurou assumir sua responsabilidade no caso.

O procurador informou, ainda, ter comunicado às autoridades norte-americanas sobre a devolução da carga, e para que, entendendo conveniente, procedam à fiscalização das irregularidades em seu país, visto que a investigação constatou problemas de descarte, recolhimento e transporte de rejeitos, inclusive perigosos, em inúmeros locais de toda costa leste daquele país.

Após a perícia, os contêineres foram devolvidos aos EUA, tendo sido resguardado, na ocasião, apenas contêiner contendo amostras da carga de resíduos contaminados. Posteriormente, tendo a empresa reafirmado o compromisso de não contestar em juízo as infrações cometidas, a carga com as amostras também foi devolvida ao local de origem. ( Fonte: Assessoria)

A história se repete

Em julho de 2009, os inspetores da Receita Federal de Rio Grande descobriram o esquema ao deslacrarem 40 contêineres enviados ao porto do Rio Grande. Rastreando a documentação das empresas, foi possível detectar a irregularidade em outros 25 contêineres no porto de Santos (SP). Antes da descoberta do conteúdo em solo gaúcho, oito contêineres foram transportados, de carreta, de Rio Grande para o porto seco de Caxias do Sul (RS). Na documentação, a carga constava como polímeros de etileno para reciclagem. Na verdade, eram toneladas de lixo doméstico e hospitalar, como fraldas, seringas e preservativos. Um dos reservatórios levava brinquedos, com bilhetes informando: “Entregue estes brinquedos para as crianças pobres do Brasil. Lavar antes de usar”.

Crime com deboche: além do lixo domiciliar, brinquedos para crianças foram enviados aos portos nacionais Foto GUGA VOLKS

A história de 2009 foi descoberta pelo jornalista gaúcho Diniz Júnior que estava a trabalho em Hamburgo, na Alemanha, quando soube por ambientalistas europeus do envio do lixo da Inglaterra para o Brasil. Quando voltou ao país, foi verificar a história e se deparou com uma situação que o incomodou. O sentimento de revolta aguçou a criatividade do gaúcho que resolveu investigar o caso a fundo por oito anos que virou um livro TOMA QUE O LIXO É TEU. Para o jornalista esses  episódios ainda servem de reflexão. “Por que os países que impõem pesadas normatizações aos países mais pobres embarcam clandestinamente resíduos poluidores a estes mesmos países? Na minha opinião pressupõe-se que as autoridades sanitárias destes portos europeus não estão atentas ou que, se tiveram conhecimento, não interferiram, concordando com a barbaridade que estava sendo cometida. A importação de lixo doméstico vai além de um entrave legal e policial. São necessárias leis mais rigorosas para que essa inacreditável história não se repita”, frisou Diniz. LEIA A ENTREVISTA CONCEDIDA AO JORNAL ZERO HORA

Na opinião de Diniz Júnior a sociedade de consumo não sabe o que fazer com as toneladas de lixo que produz. Há os que defendem que cada país deva armazenar o próprio lixo e não exportá-lo. Outros alegam que em uma economia globalizada é inevitável a livre circulação de mercadorias, inclusive o lixo, e que esse comércio deva ser regulamentado, mas não proibido. “Na verdade, como em qualquer negócio que envolva muito dinheiro o que se deve combater é o comércio ilegal, as grandes máfias, e não transformar os países pobres em um lixão do mundo rico”, destacou.

    Em 2009 foram enviadas para o Brasil 40 contêineres contendo lixo produzido na Europa / Guga Volks