Mais degradado que Cerrado e Amazônia, Pampa é o bioma menos protegido do país

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Apenas 47,3% da vegetação nativa do Pampa está preservada. Esse é também o bioma brasileiro com a menor área dentro de unidades de conservação no país: somente 3,3%, segundo o Ibama. Foto de Sarita Reed/National Geographic Brasil

por Por Vinícius Fontana, Sarita Reed

A biodiversidade brasileira manifesta-se de diversas formas. A mais conhecida é a das amplas florestas tropicais, com altas árvores e rios de quilômetros de largura.

Já outras formas de biodiversidade são mais sutis, suaves, às vezes até difíceis de serem percebidas, apesar de ricas em espécies. É o caso dos campos sulinos, no Pampa, o segundo menor bioma do Brasil. Localizado no estado do Rio Grande do Sul, ele ocupa apenas 2% do território nacional. Os pampas, como também são chamados, estendem-se ainda por outros países da América do Sul, sobretudo Uruguai e Argentina.

Caso se contabilize a biodiversidade total do bioma, o Pampa está atrás dos maiores ecossistemas brasileiros – Mata Atlântica, Amazônia, Cerrado e Caatinga. Porém, levando-se em conta o número de plantas encontradas por metro quadrado, o Pampa é o bioma que apresenta a maior diversidade. Foi o que pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) concluíram ao encontrar 57 espécies diferentes de plantas em 1 m² de campo nativo. Em segundo lugar, vem o Cerrado, com 35 espécies vegetais por metro quadrado.

A conservação do bioma não tem sido prioridade para as autoridades. Monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que somente 47,3% da vegetação nativa está preservada.

“Embora a gente possa pensar no campo como algo que talvez não tenha tanta riqueza, até por já conviver com a atividade pastoril há 300 anos, os pesquisadores são uníssonos em destacar que, apesar da atividade antrópica, é uma área que mantém alto nível de biodiversidade quando bem manejada”, analisa Annelise Monteiro Steigleder, Promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre.

Apesar disso, a conservação do bioma não tem sido prioridade para as autoridades. Monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que somente 47,3% da vegetação nativa está preservada.

Dados do Inpe apontam também para aumento no número de queimadas nos oito primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período de 2018, saltando de 593 para 981 focos de incêndio, um crescimento de 65%. É o maior índice desde 2009.

Ademais, recentemente, o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, indicou a produtora rural Maira Santos de Souza como chefe do Parque Lagoa do Peixe, maior reserva federal do bioma. A atitude do ministério foi contestada pela Associação Nacional dos Servidores Ambientais, que se preocupa com a fragilização da política ambiental. Souza foi indicada pelo deputado Alceu Moreira, membro da Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como ‘bancada ruralista’.

Paisagem única

A vastidão é o que mais impressiona no Pampa preservado. Ao contrário das extensas planícies do Cerrado, os campos sulinos estão sobre colinas com declives, conhecidas pelos locais como coxilhas. Do alto, nada obstrui a vista. Para onde quer que se olhe, avistam-se amplos espaços abertos com gramíneas de diversos tons de verde-amarelado, pequenas casas e gado. Há também a dramaticidade do céu, onde não raro o azul-celeste dá lugar a pesadas nuvens de chuva que vêm do Uruguai.

Cenas assim, contudo, são cada vez mais raras. “Hoje, o Pampa está muito diferente das suas características originais pela conversão agrícola e pela silvicultura”, alerta Valério De Patta Pillar, professor do Instituto de Biociências da UFRGS.

A vegetação original está intercalada por plantações de arroz e soja na parte sul e por florestas de eucaliptos e pinus nas regiões mais ao leste. Além disso, incentivos à mineração e ao uso intensivo de pesticidas também ameaçam os campos nativos.

Uma das facetas mais dramáticas da deterioração do bioma é relatada por Alice dos Santos, 96 anos, que vive nos pampas desde que nasceu. De sua casa, no interior da cidade de Alegrete, região oeste do Rio Grande do Sul, avistam-se massas de areia clara encravadas sobre os campos.

“Anos atrás, era pouquinho, bem baixinho. Era pouca areia, depois aumentou bastante. Por aí tudo tem areia agora”, relata.

Areal em fazenda na cidade de Alegrete (RS). Os bancos de areia são fenômenos naturais, mas ...
Areal em fazenda na cidade de Alegrete (RS). Os bancos de areia são fenômenos naturais, mas a erosão causada pela intensa atividade humana os transformou em uma ameaça a áreas de campo

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FONTE: National Geographic