Como os rios aéreos colaboram com o Brasil agrícola

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por Amélio Dall’Agnol, pesquisador da Embrapa

Rios aéreos ou rios voadores são imensas massas de vapor de água que circulam invisíveis sobre nossas cabeças, propelidos pelos ventos. A umidade contida nesses rios precipita na forma de chuva, quando encontra condições meteorológicas propícias, como uma frente fria, por exemplo.

Ilustração: Tom Bojarczuk. Disponível em arvoresertecnologico.tumblr.com/post/148150122882/os-rios-voadores-ligam-os-ventos-al%C3%ADsios
Ilustração: Tom Bojarczuk.

O principal rio voador do Brasil tem origem na franja equatorial do Oceano Atlântico (Nordeste brasileiro), viaja para oeste rumo à Região Norte movido pelos ventos elísios e aumenta significativamente de volume ao incorporar a umidade que evapora da Floresta Amazônica. Parte dessa umidade cai como chuva sobre a mata tropical, que depois retorna à atmosfera como vapor de água, dando início a um novo ciclo hídrico. Outra parte segue até encontrar a enorme barreira da Cordilheira dos Andes, desde onde escorrega rumo ao sul do Brasil, promovendo chuvas nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil, além de Bolívia, Paraguai e Argentina. Sem essa umidade, o centro-sul brasileiro seria alguma coisa parecida a um deserto. A Região Nordeste, apesar de ser o berço do rio aéreo amazônico, pouco se beneficia do mesmo.

Estima-se em 200 milhões de litros por segundo o volume de vapor de água que evapora da Floresta Amazônica e é transportado pelos rios aéreos da região. Esse volume de água, embora invisível, têm a mesma ordem de grandeza da vazão do rio Amazonas.  Não fosse o acidente geográfico representado pela Cordilheira dos Andes, essa umidade se dispersaria a oeste do Brasil, possivelmente sobre as águas do oceano Pacífico, não beneficiando o Brasil, que teria seu potencial agrícola reduzido enormemente.

Sem as benesses da umidade carregada pelos rios aéreos Amazônicos, o Cerrado brasileiro não seria nosso principal celeiro agrícola, mas um grande deserto ou próximo disso. O mesmo pode ser dito sobre a Floresta Amazônica, que possivelmente não se teria formado sem a presença do enorme paredão de 4 km de altura dos Andes, que retém essa umidade, evitando sua fuga na direção do Oceano Pacífico e a redireciona de volta para o território brasileiro. Embora o rio aéreo amazônico seja o maior do Brasil, há duas dezenas de outras correntezas aéreas carregadas de vapor de água que cruzam o espaço aéreo brasileiro, a uma altura não superior a 3 km, responsáveis por chuvas que caem em diferentes pontos do território nacional. O próprio Rio Amazonas é resultado das precipitações da umidade contida nos rios aéreos que transitam sobre a região.

Parte da umidade do rio aéreo amazônico que chega à Cordilheira dos Andes não é rebatida de volta ao sul do continente, mas congelada no topo dessas montanhas, dando início aos inúmeros afluentes do Rio Amazonas, a partir do seu degelo.  Os rios aéreos não são um privilégio do Brasil. Eles respondem pela maioria das precipitações pluviométricas que ocorrem pelo mundo. O clima brasileiro é muito dependente dos rios aéreos formados a partir da evapotranspiração da grande Floresta Amazônica. Se o Brasil não tem desertos, ao contrário da maioria dos países de dimensões continentais como o nosso, devemos ao enorme volume de vapor de água que se forma sobre essa floresta, viaja a oeste até ser bloqueada pela Cordilheira e retorna para nosso território, irrigando, principalmente, a região do Cerrado.

A Floresta Amazônica é um patrimônio brasileiro que precisa ser preservado. Se alguém ainda considere um desperdício deixá-la intocada, ela rende bilhões de dólares anuais em benefícios indiretos sendo conservada como é. É ela a grande responsável pela transformação do Brasil em potência agrícola (segundo maior exportador de alimentos e a caminho da liderança global), visto o potencial que o país ainda tem em terras aptas e disponíveis para ampliar a produção, graças às águas dos rios aéreos amazônicos que irrigam nosso Cerrado, entre outros ecossistemas.