Stuart Hart: “Só os negócios sociais e verdes prosperarão”

0
776
IMPRIMIR

 

Stuart Hart em palestra nos EUA. Ele foi um dos primeiros a propor que as empresas olhassem para a base da pirâmide social (Foto: divulgação)

 

 

Por Alexandre Mansur / Revista Época

Os problemas ambientais e sociais do mundo serão resolvidos por negócios inovadores, que busquem o lucro. Eles disseminarão tecnologias mais limpas que substituirão as atuais poluidoras. E ajudarão a promover a inclusão social dos mais pobres como empreendedores, funcionários e consumidores. Essa visão, defendida pelo americano Stuart Hart, da escola de administração da Universidade Cornell, ganhou o mundo em 2002, a partir de um artigo escrito em parceria com o indiano Coimbatore Prahalad. Inspirou empresários e empreendedores sociais a estabelecer relações de ganhos mútuos com a então batizada “base da pirâmide”. Para divulgar essas práticas, Hart criou agora uma rede de centros de estudos em 18 países. O primeiro encontro global acontecerá em São Paulo, em 2014.

 

ÉPOCA – Por que devemos olhar para a base da pirâmide?


Stuart Hart –
A globalização econômica se desenvolveu. Nos últimos 20 ou 30 anos, está chegando a um ponto de inflexão. Ela começou nos anos 1980 e se desenvolveu ao longo da década de 1990, foi baseada em algumas poucas corporações multinacionais, que criavam produtos em seus países de origem, faziam algumas adaptações e vendiam nos mercados emergentes. Havia uma crescente classe média para comprar esses artigos criados pelas multinacionais dos Estados Unidos, da Europa ou do Japão. Isso permitiu que essas corporações crescessem tremendamente nos últimos 20 ou 25 anos. Certamente também melhorou a vida de milhares de pessoas, com acesso a esses produtos e serviços. O desafio agora é que a maioria das multinacionais se dirigia aos consumidores de maior renda. Esse mercado não cresce. O topo da pirâmide encolhe nos países ricos. Sim, há pessoas abastadas surgindo na China e na Índia. Mas você não quer apostar o futuro de sua companhia apenas nas vendas para pessoas ricas. Então, muitas dessas empresas estão migrando para a crescente classe média que surge nos países emergentes.

ÉPOCA – Isso não é bom?


Hart –
Elas fazem isso usando basicamente os mesmos produtos, tecnologias, modelos de negócios e fontes de recursos, com algumas poucas adaptações. Há alguns cortes de custos, produção terceirizada. As multinacionais continuam muito similares em termos de perfil produtivo e ambiental. Quando você aumenta a escala disso, para atingir uma base de consumidores maior, os problemas ambientais aumentam de maneira significativa. É o que testemunhamos hoje ao redor do mundo. Se você for à China, essa será uma das primeiras coisas que os líderes chineses lhe dirão. O meio ambiente é uma de suas maiores preocupações. Pode implodir o país. Esse modelo de globalização está, progressivamente, criando um desastre ambiental e não pode continuar dessa forma. E ele ainda não incluiu os dois terços da população mundial na base da pirâmide social. A classe média ascendente deve equivaler a 1,5 bilhão de pessoas. O topo da pirâmide corresponde a 800 milhões. Restam ainda 4 bilhões ou 5 bilhões de pessoas na base da pirâmide, ainda não incluídas no que eu chamaria de “sonho capitalista”. Não podemos manter esse modelo.

 

 

ÉPOCA – Por quê?


Hart –
Primeiro, porque ele destruirá o meio ambiente. Em segundo lugar, porque ele não funciona do ponto de vista econômico. É muito custoso. As pessoas na base da pirâmide não podem comprar produtos e serviços criados para o topo. A única maneira de isso acontecer é dar um salto. Isso pode ser feito por meio de empreendedores independentes, que vejam oportunidades. É disso que tratam o empreendedorismo social, os negócios sociais, os negócios inclusivos e todas essas novas palavras da moda. Ou pode ser feito pelas grandes empresas que vejam isso como futuro e lancem novas iniciativas, projetadas para criar modelos de negócios revolucionários, que tragam tecnologias limpas e possam servir àqueles que foram menos atendidos a custos com que possam arcar. Do ponto de vista competitivo, as grandes empresas do século XXI serão as que dominarem essa fórmula. As que ignorarem isso desaparecerão. Porque estamos passando por um período de transformações, que está redefinindo todo o conceito de capitalismo.

 

As pessoas na base da pirâmide não podem comprar produtos e serviços criados para o topo

 

ÉPOCA – O Brasil deveria se preocupar em oferecer um ambiente mais favorável a esses novos negócios, com menos impostos e burocracia?


Hart –
Ainda não está claro se as democracias representativas são capazes de agir no nível necessário para que isso aconteça. Você pode ver essa dificuldade hoje nos EUA. As indústrias petroquímicas, farmacêuticas e financeiras criam verdadeiras amarras em torno do sistema político, de modo que nada muda. Ao menos nada de substancial. E as inovações de que falamos são rupturas. Elas não são incrementos. Como empreen-dedores, como empresários, precisamos criar estratégias que suplantem as políticas públicas. Muitas estratégias de empresas de tecnologia limpa se baseiam na promessa de subsídios do governo. Aí vem a eleição, aquele partido sai do poder, os subsídios acabam, e a indústria morre. Como capitalistas do século XXI, precisamos de imaginação para criar estratégias independentes das políticas públicas. E então, mesmo num ambiente de políticas públicas hostis, a estratégia funcionará.