Ricardo Lagos: “O Mercosul divide o continente”

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Para o ex-presidente do Chile, o bloco comercial não atende aos interesses de seu país e que o Brasil, como maior potência da região, deveria investir mais na integração sul-americana

A falta de sintonia do Mercosul com os vizinhos sul-americanos é um problema ainda longe de solução. É o que se conclui das palavras do advogado e ex-presidente do Chile Ricardo Lagos, de 75 anos, que governou o país entre 2000 e 2006. Em entrevista a ÉPOCA, em São Paulo, Lagos diz que o bloco comercial criou uma América do Sul do Atlântico e outra do Pacífico, rachando o continente. “O melhor seria construirmos um horizonte comum e não nos distanciarmos”, afirma. Segundo ele, o Chile não tem intenção de se tornar membro pleno do Mercosul (hoje é um Estado associado) porque ainda há uma grande diferença entre as cargas tributárias da economia chilena e dos países do bloco. A pouca integração física entre o lado do Atlântico e o do Pacífico, diz Lagos, também contribui para esse afastamento.

Lagos foi o primeiro presidente socialista do Chile desde Salvador Allende (1970-73), derrubado pelo golpe liderado por Augusto Pinochet. Assumiu a Presidência sob a promessa de contornar uma crise delicada e colocar seu país no grupo das economias modernas. Ele criou meios para o Estado gastar mais em tempos de escassez de cobre, principal commodity chilena, e menos quando havia pujança do minério. Sua nova proposta para o socialismo chileno fez o país abrir suas fronteiras ao mercado internacional sem comprometer investimentos pesados em serviços sociais. A educação pública tornou-se referência em todo o continente e o número de universitários disparou: de 266 mil em 2000 para 462 mil em 2006.

Sete anos após deixar o poder, Lagos não deixa de opinar na política chilena. Reafirma que o Partido Socialista, integrante da coalização Concertação, mudou o país nos 20 anos em que esteve no comando. E acredita na candidatura – e vitória – da também ex-presidente socialista Michelle Bachelet (2006-2010) para a Concertação voltar à Presidência.

Lagos veio ao Brasil para assumir uma cátedra de pesquisa no Centro Ibero-Americano (Ciba) da Universidade de São Paulo. Ele virá a São Paulo duas vezes por ano para orientar estudos sobre desenvolvimento e governança na América Latina.

ÉPOCA – O PIB do Chile desaqueceu em 2012 e o mesmo tem ocorrido com outros países do continente, entre eles o Brasil. O tempo de bonança acabou?


Ricardo Lagos –
Todas as estatísticas indicam que Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia, Peru ou mesmo Brasil continuam com um poder de compra semelhante ao de países da União Europeia. No entanto, uma coisa é crescimento econômico e outra é desenvolvimento econômico. É aí que se descobre o que é um grande país. Estamos em um momento em que o mais importante é a distribuição de renda e não números como o PIB per capita. Um grande exemplo são os Estados Unidos. Lá, o PIB per capita chega a mais de 40 mil dólares, mas a distribuição de renda é um desastre.

ÉPOCA – Por que o Chile ainda é apenas membro-associado do Mercosul?


Lagos –
É preciso alcançar um entendimento: o Mercosul quer ser um projeto político ou aduaneiro? Se o bloco permanecer como uma união comercial, então o Chile continuará sendo apenas um membro associado. Nossa carga tributária gira em torno dos 6%, ao passo que dentro do Mercosul ela alcança 14%. Durante meu governo, os líderes do Mercosul disseram que essas cifras iriam diminuir gradativamente. Ótimo, podemos esperar elas baixarem e então nos tornamos membros plenos. Se não houver um projeto político maior, o Chile prefere não alterar seu status.

 

ÉPOCA – O que impede esse “projeto político maior”?


Lagos –
Não me parece que o Mercosul compreende as particularidades de cada um dos países da região. Há diferentes conceitos de proteção de mercado no mundo. Quando se é um país grande como o Brasil, é possível proteger mercados grandes. Com países pequenos, que possuem mercados pequenos, as coisas não funcionam dessa forma. Enquanto o Mercosul não compreender aqueles que estão ao seu redor, não conseguirá se apresentar como um projeto político forte.

ÉPOCA – O que o senhor achou da entrada da Venezuela no Mercosul?
Lagos – Essa foi uma decisão importante. A amplitude do bloco agora é maior. Mas não podemos nos esquecer de que algo muito ruim está ocorrendo para a América do Sul. O Mercosul está dividindo o continente. Há hoje uma América do Sul do Atlântico (o Mercosul) e outra do Pacífico. Isso é péssimo. Em momento algum alguém propôs unir o Mercosul com o Pacto Andino. O melhor seria construirmos um horizonte comum e não nos distanciarmos.