Norman Gall previu a crise na indústria naval

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Gall: "Por causa desse tipo de insensatez, a Petrobras está perdendo a reputação de empresa séria, duramente conquistada"

Vivendo há 35 anos no Brasil, o americano Norman Gall, diretor executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, acabou por se tornar um dos mais perspicazes observadores dos rumos do país. Nessa condição, produziu recentemente um amplo e detalhado relatório sobre os desafios do pré-sal, no qual alerta: a exploração das riquezas da nova fronteira petrolífera vai atrasar em pelo menos cinco anos. Em 2012, em uma entrevista a Revista Veja, Gall parecia prever o que ocorreria com a indústria naval brasileira. Nunca foi tão atual essa entrevista de Norman Gall .  Detalhem para os trechos grifados em vermelho. Transcrevo parte da entrevista abaixo:

 

 

O caso do pré-sal é emblemático. Os gargalos de mão de obra e as deficiências de infraestrutura estão entre os entraves para que a produção deslanche. O desafio de retirar essa riqueza do fundo do mar é monumental, mas vem sendo tratado com superficialidade, sem um plano mais completo e consequente para alcançar metas tão ambiciosas. Nenhum país triplicou sua produção offshore de 2 milhões de barris diários para 6 milhões em tão pouco tempo e em águas tão profundas, como está sendo proposto. Isso não quer dizer que não seja possível. Os recursos e a tecnologia estão lá. Mas, infelizmente, em mais de dois anos de discussões no Congresso Nacional a única preocupação dos parlamentares foi definir quem vai ficar com o dinheiro. Ninguém estudou os reais obstáculos a superar. Ignoraram-se questões graves como o fato de a Petrobras ser obrigada a operar 30% de todos os novos campos do pré-sal. Esse é, para mim, o principal problema. Nenhuma petroleira no mundo, por mais ágil e competente que fosse, teria condições de operar tudo sozinha.

 

 

O governo superestimou a capacidade de investimento da Petrobras?

Houve muita politicagem aí. O governo conhecia as limitações na capacidade de investimento e de execução da Petrobras. Tanto que fez o malabarismo de injetar dinheiro do Tesouro no BNDES para que o banco o repassasse à estatal sem sobrecarregar as contas públicas às vésperas da eleição presidencial de 2010. Tudo muito ligeiro e pouco sério, como se fosse corriqueiro desenvolver, do nada, uma fronteira petrolífera dessa grandeza.

 

Faz sentido privilegiar o conteúdo nacional, sob algum ponto de vista?

Em tese, faz. Contar com fornecedores locais poderia até ser um diferencial competitivo, mas desenvolver uma cadeia desse porte e sofisticação leva tempo. E há uma urgência por sondas e plataformas que o mercado nacional não é capaz de suprir. Em uma atitude incompreensível, o governo fez a coisa ficar ainda mais difícil, contratando estaleiros virtuais comandados por empreiteiras que nunca fizeram uma sonda sequer. Por causa desse tipo de insensatez, a Petrobras está perdendo a reputação de empresa séria, duramente conquistada.

 

O pacote de medidas que a presidente Dilma Rousseff lançou recentemente para tentar solucionar os problemas de infraestrutura não pode melhorar o cenário?

Os pacotes lançados pelo governo para o setor se valem de algo extremamente questionável: o desrespeito às regras do jogo. O Brasil lutou muito para consolidar no exterior sua imagem de país que honra contratos. Mas, agora, não há mais segurança de que o que foi acordado continuará a valer em áreas como transportes e energia elétrica, em que a presidente mudou tudo de uma hora para outra, rasgando contratos já assinados. Até outro dia, o modelo que prevalecia na gestão da infraestrutura nacional era o da concessão. Os empresários competiam em leilões, assumiam os ativos, investiam e cobravam tarifas que remunerassem a empresa e os acionistas. Isso vai mudar. O governo está impondo novas regras que transformam os empresários em prestadores de serviços mal remunerados.

 

Quais são então as lições deixadas pelo julgamento? (o mensalão)

A grande lição é que é preciso estruturar o estado para que ele se defenda da corrupção, independentemente do partido que esteja no poder. Casos de roubo do dinheiro da merenda escolar, do transporte público ou da manutenção das escolas são rotineiros. Fazem parte do metabolismo da política no Brasil. Combatê-los é responsabilidade do Ministério Público e da Polícia Federal, que nem sempre cumprem sua função como esperado. Junta- se a essa falha institucional um traço cultural muito forte, na linha do “isso não é comigo”. Sem fiscalização nem cobrança, abre-se espaço para incentivos a mais desvios do dinheiro público, num ciclo vicioso perverso.

 

De que incentivos o senhor está falando?

Um país onde as empreiteiras projetam e propõem as obras que devem ser feitas para depois administrá-las tem, sem dúvida, um problema sério. É por isso que bato na tecla de que reformar as instituições pode torná-las mais fortes e resistentes ao bote dos políticos. Não é tão difícil assim fazer isso. É preciso construir uma agenda de consenso ouvindo gente de todos os matizes, para chegar a uma lista de providências básicas. Só quando o Brasil alcançar esse ponto será possível romper com a lógica viciada que contamina a política brasileira e emperra o crescimento do país.