“Não temos recursos para acomodar ineficiências do sistema de aviação”

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Miguel Dau, diretor de operações da GRU Airport

Natália Pianegonda / Agência CNT de Notícias

 

As operações e a atuação de cada um dos envolvidos na aviação civil é decisiva para o bom funcionamento do transporte aéreo. Uma falha provocada por qualquer das partes desse verdadeiro quebra-cabeça pode provocar um efeito em cadeia, gerando atrasos, mau aproveitamento da infraestrutura dos aeroportos e custos adicionais.
É por isso que o diretor de operações da GRU Airport, concessionária responsável pelo Aeroporto de Guarulhos (SP), comandante Miguel Dau, defende a necessidade da gestão integrada. Com mais de 35 anos de experiência na aviação civil e militar e em logística, ele destaca, ainda, que o Brasil precisa atualizar critérios de monitoramento do serviço conforme padrões internacionais. Exemplo disso são os dados estatísticos de atrasos: enquanto por aqui um voo é considerado atrasado quando passaram 30 minutos da hora programada para chegada ou partida, a Iata (Associação Internacional de Transportes Aéreos, na sigla em inglês) estabelece, como referência, 15 minutos de diferença.

Dau também faz um alerta sobre o risco de as invasões em sítios aeroportuários comprometerem, no futuro, operações nos terminais. Durante a Airport Infra Expo, realizada em Brasília (DF), em março deste ano, ele falou sobre os temas à Agência CNT de Notícias.

O senhor destaca que todos, na cadeia da aviação, têm sua responsabilidade e devem agir de maneira colaborativa. De que forma isso deve ocorrer?

Cada um tem que fazer o seu dever de casa. A cadeia é muito longa, possui diversos atores. Quando você necessita de outros atores para resolver um problema, a única forma de equacioná-lo é sentando e discutindo de forma aberta e transparente. Do contrário, não se resolverão os problemas de tráfego aéreo, porque voltaremos ao passado, quando todo mundo apontava o dedo para encontrar culpados. Nós queremos parceiros para soluções comuns. Essa é a grande mudança de postura que eu vejo e que está começando a acontecer. A Copa do Mundo foi um grande gatilho para isso. As pessoas viram, na prática, esse conceito funcionando, e agora é questão de acelerar a implantações da gestão colaborativa.

Isso passa pelo compartilhamento de informações nas atividades diárias?

Passa por tudo, inclusive pelo compartilhamento de informações no dia a dia. Se eu não ficar sabendo que uma aeronave que está vindo para Guarulhos está atrasada, por um problema de manutenção, por exemplo, eu continuarei aguardando essa aeronave com toda infraestrutura disponível. Se ela não chegar, não tenho recursos dentro do aeroporto – como nenhum outro agente da cadeia tem recurso sobrando – para poder acomodar uma ineficiência do sistema.

Que tipos de resultados positivos a gestão colaborativa pode trazer?

No caso do aeroporto de Guarulhos, por exemplo, seria possível ter um salto adicional de 10% a 15% na pontualidade. Isso repercute em aumento de slots [vagas para aeronaves] para a operação do aeroporto, diminuição de emissão de carbono e de consumo de combustível e, no final, vamos verificar milhões de dólares de economia em toda cadeia produtiva.

Na questão da pontualidade, o Brasil considera atrasos quando o tempo passa de 30 minutos. A Iata considera atraso a partir de 15 minutos de diferença no pouso ou na decolagem. De que maneira isso afeta no monitoramento dos resultados das operações aéreas por aqui? 

Essa é uma filosofia do passado. Acho que já está na hora de adotarmos os mesmos padrões internacionais. Esse padrão ultrapassado acaba acomodando uma ineficiência do sistema. Se a empresa ou sistema diz que até 30 minutos está no horário, estou sendo ineficiente. Mas, para efeitos de legislação, sou pontual. Então temos que mudar para a regra reconhecida internacionalmente, que é de 15 minutos, tanto para chegada quanto para partida. Também não adianta o voo chegar muito antecipado. Às vezes, na cabeça do passageiro, é muito bom, mas para o sistema é muito ruim. Tem que chegar ou 15 antes ou 15 depois. O ideal é no horário. É isso que temos que perseguir.

Com relação às invasões no sítio aeroportuário, é um problema enfrentado em muitas cidades, inclusive Guarulhos. Que comprometimentos isso traz às operações?

Esse é um problema sistêmico, enfrentado há, pelo menos, 30 anos pelos aeroportos no Brasil. As administrações municipais na maioria das cidades onde os aeroportos estão localizados – e não é governo A, B ou C – não se preocuparam com a questão de proteção do sítio aeroportuário. Não há instrumentos capazes de cercear isso e não houve vontade política de diversos atores. A questão é que enfrentamos uma realidade complicada que pode inviabilizar projetos de aeroportos no Brasil. No caso de Guarulhos, o aeroporto está fazendo um esforço tremendo junto à prefeitura e outros setores para manter a proteção dessa área. A minha preocupação é que, num futuro de curto prazo, poderemos ter o judiciário vindo a intervir no sítio, proibindo as operações em determinados horários, porque está atrapalhando a vida do cidadão que ali mora. Lembrando que esse cidadão invadiu o sítio aeroportuário. Esse é um paradoxo que o governo vai ter que enfrentar. Nós somos partícipes disso, mas não temos capacidade de trabalhar isoladamente.