Mistérios e problemas:a vida dos marinheiros na Lagoa dos Patos

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Nossa equipe acompanhou a bordo um dia de travessia entre Canoas e Rio Grande
Nossa equipe acompanhou a bordo um dia de travessia entre Canoas, na Grande Porto Alegre, e Rio Grande, no sul do Estado gaúcho

por Bruno Waick especial para Portos & Mercados  / Texto e fotos

São 1500 hp’s de potência divididos em dois motores responsáveis por empurrar mais de cem metros de comprimento por 15 metros de largura de puro ferro. Esse é o tamanho do Trevo Nordeste, navio da Companhia Aliança de Navegação, transportadora de grãos, commodities, madeira e celulose, que trafega pelas hidrovias do Rio Grande do Sul entre as cidades de Taquari, Canoas, Guaíba, Porto Alegre e Rio Grande. Se por um lado, os motores movimentam o navio, por outro, são os tripulantes os responsáveis pela direção e transporte da carga em segurança.

           Viagem Canoas - Rio Grande (51) Renê Pinto dos Santos é um deles. É Mestre Fluvial, ou Imediato. É o segundo na hierarquia a bordo. Aos 49 anos de idade, sendo 28 deles embarcado, conta que virou marinheiro por influência da família. E não se arrepende. Confessa que depois de tantos anos, a rotina às vezes estressa, o que faz com que ele garanta que nos dias de folga nem perto da água se aproxime. E ainda diz que em muitas das viagens, torce por uma tempestade, só para quebrar a tal rotina e ter um pouco mais de emoção enquanto navega.

            Aliás, as tempestades lideram a lista de histórias contadas pelos marinheiros. Se pescadores falam dos tamanhos dos peixes, no navio o que se discute e se narra com emoção são as ondas. Engana-se quem acha que navegar pela Lagoa dos Patos é sinônimo de tranquilidade. Claro, nada comparado com uma tormenta em alto mar, mas o suficiente para balançar o barco e até mesmo, cobrir os porões de carga. No inverno, ondas de até três metros já atingiram alguns navios.

            E a Lagoa dos Patos não é feita apenas de águas agitadas. Muitos mistérios também acompanham as viagens. Luzes fortes que surgem e desaparecem rapidamente são os relatos mais frequentes. Além delas, bolas de fogo que cruzam a água e até mesmo um navio que apareceu no radar, fez duas ultrapassagens em um intervalo de uma hora e desapareceu dos monitores.

            A maior parte das estranhas aparições acontece no Farol Cristóvão Pereira, que em linha reta com terra, está localizado entre as cidades de Arambaré e Camaquã. Sustos a parte, os mistérios contados pela tripulação intrigam, mas o que realmente incomoda os marinheiros não vem de outros mundos. Absolutamente nada sobrenatural. Ao contrário, bem presente no dia a dia de quem fez do navio a segunda casa. O que mais preocupa é a segurança do tráfego aquaviário. Principalmente a sinalização náutica, fundamental para evitar colisões e encalhes ao longo do trajeto.

            Para se ter uma ideia, uma viagem entre as cidades de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre e Rio Grande, no sul do Estado, leva cerca de 24 horas. Embarcamos no Trevo Nordeste, citado no início da reportagem, por volta da 0h de Sexta-feira. Quando o carregamento de farelo de soja foi concluído, cinco horas mais tarde, o comandante ligou os motores e partiu. Pela frente, a travessia do Guaíba e Lagoa dos Patos.

            Em meio as belíssimas paisagens durante o trajeto, acompanhamos a condição da sinalização do canal por onde as embarcações devem trafegar.São 235 sinais náuticos ao todo somente nesse caminho, entre faroletes e boias de luz, que emitem cores verdes e vermelhas indicando o caminho e posicionamento que o comandante do navio deve seguir.

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Segundo a SPH somente entre os meses de dezembro de 2015 e maio desse ano, 90 sinais foram instalados e 27 precisaram ser trocados 

            Algumas dessas boias sofrem diariamente com o movimento das marés, com tempestades e enxurradas que as tiram do posicionamento adequado. Outras, são depredadas. E a água salgada da Lagoa dos Patos é também um inimigo quando o assunto é a corrosão. Alguns dos sinais realmente não apresentam bom estado de conservação, conforme foi relatado pelos marinheiros, que em situações como essa, fazem uso dos equipamentos eletrônicos presentes nos navios que também auxiliam na segurança do transporte. Mas a maior parte da travessia, a sinalização é adequada e eficiente. Apenas em dois pontos há reclamações. No Farol de Itapuã, que divide o Guaíba com a Lagoa dos Patos e no canal da Feitoria, em Pelotas.

            As reivindicações foram apresentadas a Eduardo da Silva Alves, Diretor de Hidrovias da SPH, a Superintendência de Portos e Hidrovias, responsável pela manutenção dos sinais náuticos no Rio Grande do Sul. Em uma bacia hidrográfica como a do Estado gaúcho, a segunda maior do país, não é nada fácil a manutenção. A rotina diária é de troca de equipamentos e reparos constantes da hidrovia.

            Segundo informações repassadas por Eduardo da Silva, somente entre os meses de dezembro de 2015 e maio desse ano, 90 sinais foram instalados e 27 precisaram ser trocados. A nova sinalização já está sendo instalada com lanternas que alcançam sete milhas náuticas de distância, a mesma utilizada nos grandes portos e hidrovias do mundo. São boias luminosas, mais potentes, que serão colocadas em todos os rios gaúchos que possibilitam a navegação pesqueira e de carga. Até o final desse ano, será feita a licitação para compra de novas boias, lanternas e equipamentos de fundeio, necessários para a fixação dos materiais. Ao longo de 2017, todos serão instalados, sendo 42 deles na região do Guaíba.

            Além da sinalização, a SPH trabalha para deixar duas embarcações em cada uma das regiões do Estado onde a navegação é constante. São navios balizadores e rebocadores que ficarão responsáveis pela manutenção dos equipamentos, dando maior agilidade nos reparos e acabando definitivamente com alguns dos problemas citados pelos marinheiros.

            Apesar dos investimentos em melhorias para a navegação gaúcha, Silva lembra que um ponto é fundamental para SPH. A parceria com as empresas de navegação, através dos marinheiros, que trazem informações sobre as condições da sinalização, apontando os locais onde problemas foram averiguados. É, segundo o Diretor de Hidrovias, o principal canal para agilizar o trabalho da SPH e garantir uma navegação com 100% de segurança.

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