‘Missão de jornalista é filtrar a informação’, diz Bill Kovach

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O mundo tem hoje informação demais, e o público não tem tempo nem meios de descobrir o que é melhor nem o que é verdade. Diante disso, a missão do jornalista é saber “filtrar e agregar” essa avalanche de dados para os cidadãos. Filtrar é conhecer as fontes, saber avaliá-las, transmitir ao leitor os próprios limites de sua checagem.

O alerta é do veterano jornalista americano Bill Kovach – ganhador, com sua equipe no Atlanta Journal-Constitution, de dois prêmios Pullitzer nos anos 1980 e cujo livro Elementos de Jornalismo (em parceria com Tom Rosenstiel) tornou-se um clássico nas escolas americanas.

Kovach é um dos ilustres convidados do 9.º Congresso Brasileiro de Jornais, que se reúne amanhã e terça-feira no Sheraton WTC Hotel, em São Paulo. Com abertura de Judith Brito, presidente da Associação Nacional de jornais, que organiza o encontro, e representantes de toda a mídia nacional, o congresso debaterá o tema “Jornalismo e Inovação – construindo novos modelos de negócios”. Liberdade de expressão, estratégias digitais e autorregulamentação serão alguns dos assuntos em discussão.

Convencido de que a internet muda os meios, mas não o conteúdo da informação, Kovach debaterá, em um dos painéis, justamente o tema “Fundamentos do Jornalismo: por que continuam valendo nas novas mídias”. Nesta entrevista ao Estado, dá um conselho ao leitor assoberbado com tanta notícia: acostume-se a praticar o ceticismo. O cidadão “deve perguntar sempre como o jornalista soube e como verificou a informação. Se não se convencer, mantenha o ceticismo até que as provas lhe permitam aceitá-la como válida”.

O sr. sempre viu o jornalismo como uma missão voltada para o interesse público. Com a invasão de novas tecnologias, o interesse público lhe parece hoje mais bem servido do que há 20 anos?


As novas tecnologias criam uma oportunidade para que o interesse público esteja hoje mais bem servido. Mas se essa oportunidade vai ou não ser bem aproveitada depende de como os jornalistas vão lidar com elas. Há mais informação do que nunca disponível, mas o leitor não tem tempo, nem habilidade, para separar o que é melhor e o que é verdadeiro. Essa será a missão do jornalista: atuar como um agregador, para o público, da informação melhor e mais confiável.

Mas o cidadão, no contato direto com a internet, depara com textos anônimos e com a dificuldade de verificar as fontes. Como ele pode se defender?


O modo de lidar com isso é o mesmo que o jornalista sempre adotou ao deixar claro a seu público qual informação foi checada e qual não foi. Cabe ao jornalista ajudar o público a entender como determinar, por conta própria, se a notícia é confiável. Qual foi a fonte da informação? Foi checada? E de que modo foi checada?

Por falar em checar, qual a sua avaliação do trabalho de Julian Assange e do WikiLeaks?


Acho que Assange entendeu seu instinto inicial de divulgar informação sem nenhum cuidado de verificar as fontes originais da informação nem a confiabilidade da fonte que a entregou – em outras palavras, o que ele fez não foi jornalismo. Simplesmente espalhar documentos que podem ou não ser autênticos não é jornalismo. Por outro lado, acredito que ele estava tentando levar informações significativas ao público, informações que o público tinha o direito de saber. Eu preferiria que ele fizesse algum esforço jornalístico para checar.

Quando repórteres estão morrendo na Síria ou na Somália, e sendo perseguidos na Venezuela, faz sentido o profissional que atua nessas regiões “negociar” a liberdade de informação para obter as notícias?


Essa liberdade não é negociável. Acredito que, em condições como as que você menciona, jornalistas devem ter todo cuidado para proteger fontes que poderiam sofrer retaliação se identificadas. E nessas situações o jornalista deve também revelar a quem recebe sua informação tudo o que for possível dizer sobre sua fonte. Ela estava em condições de conhecer a informação em primeira mão? Foi uma fonte confiável no passado? Essa fonte sabe como a informação vai ser recebida? Esse tipo de cuidado é indispensável em regiões como Síria ou Venezuela.

O sr. disse, há algum tempo, que sua visão de jornalismo foi mudando, ao longo dos anos. Qual o “eixo” dessas mudanças?


Não me lembro de ter dito que essa definição mudou. Sempre acreditei que o jornalismo é um esforço feito (por jornalistas) para procurar a informação que é importante para os cidadãos. Para que estes, por sua vez, fiquem em condições de formular decisões sobre pessoas e instituições que têm poder sobre suas vidas. Nunca mudei minha ideia sobre essas noções básicas. Acredito que a tecnologia mudou o modo como o jornalismo é comunicado e transmitido, mas o conteúdo deve sempre ser desenvolvido sob essas regras de que falei.

Que conselho o sr. dá para que o leitor sobreviva à avalanche de informações da vida moderna?


O leitor deve, mais do que nunca, adotar uma atitude cética – como fazem os bons jornalistas. Receber qualquer declaração, comentário ou crítica com uma perguntinha básica: como o jornalista soube disso? Foi checado? Em caso contrário, mantenha-se o ceticismo até que uma prova permita aceitar a informação como válida.