Mesmo com prejuízo de R$ 1 bilhão em 2016, CGTEE pagou supersalários

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Usinas da subsidiária gaúcha da Eletrobras ficam em Candiota, no sul do Estado Foto: CGTEE/Eletrobras / Divulgação
Usinas da subsidiária gaúcha da Eletrobras ficam em Candiota, no sul do Estado Foto: CGTEE/Eletrobras / Divulgação

por Carlos Rollsing / Jornal Zero Hora

Com operação reduzida e prejuízo de R$ 1 bilhão em 2016, a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE) pagou a alguns de seus diretores salários mensais de até R$ 56.687,79 no mesmo período, fruto de verbas de cedência e acúmulo de gratificações pretéritas.

Os números vão além se observado o chamado “custo total” de pelo menos dois ex-diretores da CGTEE em 2016. Em julho daquele ano, somada a remuneração e os “encargos de origem”, o diretor-presidente, Francisco Romário Wojcicki, representou à estatal o dispêndio de R$ 98 mil, e o diretor-financeiro, Celso de Oliveira Sant’Anna, de R$ 126 mil. Neste valor, afirma Sant’Anna, estão incluídas suas férias. Os dois foram transferidos e não estão mais ligados à companhia federal.

A título de comparação, esses dois servidores da subsidiária, vinculada à Eletrobras, receberam remunerações individuais que superaram em até R$ 23 mil o teto do serviço público federal, atualmente em R$ 33.763, balizado pelo subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Na prática, as empresas estatais não se submetem legalmente a esse limite.

Parte desses dados inéditos, que compõem a caixa-preta do setor elétrico, foi obtida por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). A CGTEE, por três vezes, negou a liberação das informações com o argumento de que a companhia é de capital misto e que a publicidade poderia oferecer risco à competitividade no mercado. Também foi justificado que se tratava de informação “íntima” de terceiros. Em última instância, a reportagem recorreu à Controladoria-Geral da União (CGU) para obter as respostas, mecanismo previsto na LAI.

O órgão determinou o atendimento parcial da demanda, com revelação da maior, da menor e da média das remunerações dos diretores entre 2014 e 2016, sem a citação de nomes.

A análise da planilha enviada pela companhia indica que os salários mais altos se mantiveram, em 2014 e 2015, entre R$ 23,5 mil e R$ 26,4 mil. À época, a termelétrica era comandada por pessoas de fora do sistema Eletrobras indicadas — sobretudo por políticos — para ocupar as funções. Isso demonstra que a remuneração básica dos dirigentes fica dentro de padrões recorrentes para cargos de chefia do serviço público. Os supersalários são decorrentes de penduricalhos acumulados por concursados.

A partir de novembro de 2015, ocorreram trocas de comando na cúpula da CGTEE: saíram indicados de fora da companhia e servidores de carreira assumiram cadeiras como as de diretor-presidente e diretor-financeiro.

A Eletrobras costuma promover a circulação de quadros entre as subsidiárias. Quando um concursado passa de uma estatal para outra, recebe vantagens como 25% de acréscimo salarial pela cedência. Há casos de funcionários que acumulam mais de uma transferência simultaneamente. Também é comum somarem gratificações adquiridas no passado, fruto de chefias ocupadas por determinado tempo, além da participação nos lucros. Os fatores influenciaram para que o salário mais alto da diretoria da CGTEE subisse dos R$ 26,4 mil de 2015 para os R$ 56,6 mil de 2016.

Naquele ano, parte da direção da estatal foi assumida por egressos da Eletrosul e de Furnas, também subsidiárias do sistema Eletrobras. Os nomeados trouxeram uma série de benefícios que multiplicaram os gastos com pessoal da combalida companhia instalada no Rio Grande do Sul, geradora de energia a partir do carvão mineral que enfrenta dificuldades financeiras, composta por unidades envelhecidas e poluentes.

Outra face dos altos salários pagos a dirigentes originários dos quadros de carreira é o “custo total”. Sobre os vencimentos, a estatal ainda quita itens como INSS do empregador, FGTS, entre outros. A consequência foi que, em julho de 2016, a remuneração acrescida aos encargos de origem resultaram em despesas à CGTEE de R$ 98 mil e R$ 126 mil (neste último valor, estão incluídos R$ 25,9 mil de férias) apenas com o então diretor-presidente e o diretor-financeiro, respectivamente.

Os valores elevados chamaram atenção internamente, como mostram documentos obtidos por ZH. Em agosto de 2016, um funcionário do alto escalão da Eletrobras teria enviado e-mail à subsidiária gaúcha pedindo informações a respeito de supersalários e questionado vencimentos de diretores da CGTEE.

Na resposta, a companhia teria revelado os valores recebidos por Wojcicki e Sant’Anna. Também foi citado o caso do então diretor de Geração, Rubem Abrahão Gonçalves Filho, que somou “custo total” de R$ 84,8 mil em julho de 2016. Por trabalhar em escritório na usina de Candiota, ele recebeu, somente naquele mês, adicional de periculosidade de R$ 13,3 mil. Servidor da Eletrosul, Gonçalves é outro que não está mais vinculado à CGTEE.

Os casos não são escassos. Cedidos de Eletrobras, Furnas e Eletrosul chegaram a gerar juntos custo de cerca de R$ 500 mil ao mês à companhia gaúcha no ano passado. Em julho de 2016, somente para custear a transferência de seis servidores, a CGTEE precisou pagar R$ 295,8 mil à Eletrosul.

METADE DO POTENCIAL

O que é a CGTEE


– A companhia de geração de energia a partir do carvão mineral conta com três unidades, as chamadas fases A, B e C, no município de Candiota, no sul do Estado. Juntas, elas teriam capacidade para gerar cerca de 650 megawatts ao mês. Mas, atualmente, não está sendo produzida sequer a metade do potencial.

– A fase B da usina, por questões ambientais, foi colocada em “reserva fria” (operações suspensas) em março de 2017. A fase A terá o mesmo destino, com suas atividades desativadas em janeiro de 2018. Restará em funcionamento apenas a fase C, mais moderna e com capacidade para gerar 350 megawatts.

– Os escritórios administrativos ficam em Porto Alegre.

– Dentro da Eletrobras, a CGTEE é vista como um “patinho feio” por trabalhar com carvão mineral e ter dificuldades operacionais. Outras empresas do sistema, como Furnas, Eletrosul e Eletronuclear, são mais modernas e financeiramente robustas, atuando nos setores de hidrelétricas e geração de energia solar, eólica e nuclear.

Situação da companhia


– As recentes reduções da capacidade de geração de energia da companhia levaram a enxugamentos.

– Servidores terceirizados foram dispensados e planos de demissão voluntária e aposentadoria incentivada estão em análise.

-O Ministério da Minas e Energia e a Eletrobras estudam o caso. Uma das possibilidades é que a CGTEE, hoje com 580 servidores entre a usina de Candiota e os escritórios de Porto Alegre, seja fundida com a Eletrosul, sediada em Florianópolis, que atua em hidrelétricas, parques eólicos, iniciativas de energia solar e redes de transmissão.

– Também é analisada a hipótese de serem fechados os escritórios de Porto Alegre. Eles seriam transferidos para Candiota, junto das usinas. Em 2016, a CGTEE teve prejuízo de R$ 1 bilhão.

Foto: CGTEE / Divulgação

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REMUNERAÇÕES DE DIRETORES DA SUBSIDIÁRIA NO RS

2014
Maior remuneração individual — R$ 23.255,55
Menor remuneração individual — R$ 22.148,14
Média as remunerações — R$ 22.517,28

2015
Maior remuneração individual — R$ 26.461,43
Menor remuneração individual — R$ 25.201,36
Média as remunerações — R$ 25.453,37

2016
Maior remuneração individual — R$ 56.687,79
Menor remuneração individual — R$ 25.201,36
Média as remunerações — R$ 43.066,21

Custo total*
Julho de 2016 — R$ 98 mil com o então diretor-presidente Francisco Romário Wojcicki

Julho de 2016 — R$ 126 mil com o então diretor-financeiro Celso de Oliveira Sant’Anna (incluídos R$ 25,9 mil de férias)

Julho de 2016 — R$ 84,8 mil com o então diretor de Geração Rubem Abrahão Gonçalves Filho (mais R$ 13,3 mil de adicional de periculosidade)

*Somatório da remuneração mais os “encargos de origem” (FGTS, INSS empregador, previdência complementar)

O que compõe a remuneração de um diretor da CGTEE egresso dos quadros de carreira


ZH solicitou que CGTEE e Eletrobras detalhassem todos os itens dos contracheques, mas nenhuma das companhias atendeu o pedido. No processo da Lei de Acesso à Informação (LAI), o auditor federal da Controladoria-Geral da União (CGU) que analisou o caso fez a mesma pergunta à companhia gaúcha. A resposta da CGTEE foi a seguinte: “Honorários mensais aos membros da diretoria executiva, 13º salário, despesas médicas, adicional e abono pecuniário de férias, seguro de vida em grupo, auxílio-refeição, auxílio moradia, ajuda de custo de transferência, bem como participação nos lucros e/ou resultados e contribuição à entidade previdenciária privada”.

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CONTRAPONTOS

O que diz a Eletrobras:


“Por decisão de gestão da holding, os referidos diretores não fazem mais parte dos quadros da CGTEE. As empresas do grupo Eletrobras, desde 2016, passam por um processo de reestruturação e, dentro desse conceito, estamos revisitando os custos com PMSO (pessoal, materiais, serviços e outros). No caso específico, cabe ressaltar que os valores indicados correspondiam ao custo total com a cessão dos profissionais, ou seja, consideravam remuneração da empresa de origem, acrescida de adicional legal e encargos trabalhistas, bem como os benefícios legais, como, por exemplo, remuneração de férias e seus respectivos encargos. Por ser uma empresa deficitária, a CGTEE está revisitando todos os seus processos e custos, inclusive os de pessoal, o que inclui a diretoria.”

O que diz a CGTEE:


“A Eletrobras CGTEE informa que segue a política salarial do PCR (Plano de Carreira e Remuneração) da Eletrobras (holding)”.

O que dizem Francisco Romário Wojcicki e Celso de Oliveira Sant’Anna, hoje diretores da Eletrobras Distribuição Amazônia:


Em nota, os executivos destacam que foram indicados para a companhia gaúcha depois de a Polícia Civil desencadear a Operação Antracito, em outubro de 2015, que apurou suspeitas de fraude em licitações e superfaturamento na CGTEE. Ressaltam ter assumido com a “missão de levar boas práticas de gestão das empresas da Eletrobras, além de sanear um conjunto de inconsistências”. Dizem que “os valores indicados no mês de julho de 2016 correspondem ao custo total com a cessão do presidente e do diretor financeiro, ou seja, incluem remuneração da empresa de origem, acrescida de adicional legal e encargos trabalhistas recolhidos pela empresa de origem. Além disso, no caso do diretor financeiro, naquele mês específico, ocorreu o recebimento de férias, acrescidas de todos os seus encargos”.

O que diz Rubem Abrahão Gonçalves Filho:


Em nota, a CGTEE afirma que, “conforme já informado pela holding, a empresa está passando por um processo de reestruturação e, neste sentido, revendo todos os custos de PMSO (pessoal, materiais, serviços e outros), o que inclui os honorários dos diretores.”

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Foto: CGTEE / Divulgação

 

Se fosse privada, já teria falido, avalia TCU
Lucas Rocha Furtado, subprocurador-geral do Tribunal de Contas da União (TCU), órgão responsável por fiscalizar as empresas federais do setor elétrico, já atuou no combate aos supersalários. Para ele, o fato de as estatais estarem desvinculadas do limite remuneratório dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) não impede o enfrentamento de distorções.

Ele faz análise crítica das remunerações de R$ 56 mil e custos totais de até R$ 126 mil por diretor encontrados na Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE) .

— Independentemente das estatais estarem livres da aplicação do teto constitucional, o Ministério de Minas e Energia (guarda-chuva das estatais do setor elétrico) está vinculado ao teto constitucional. É o ministério que paga os salário dos servidores, e eles são do ministério. Esse pagamento fere de morte a moralidade administrativa — diz Furtado.

O subprocurador-geral informou que os supersalários são frequentes no setor e avaliou que, fosse empresa privada, a CGTEE já teria ido à falência por pagar altos vencimentos enquanto acumula prejuízos milionários mensais:

— A própria existência dessas empresas deve ser vista como excepcional, e somente com o envolvimento da população é possível fazer alguma coisa. Espero que o Brasil mude para melhor, inclusive a política salarial dessas estatais. Quando o cidadão do povo fica indignado, é possível fazer alguma coisa. Nem que seja com base na moralidade, que muitas vezes não é observada.