Maré Sintética: o rápido e perigoso avanço dos plásticos

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Estimativas indicam que 8 milhões de toneladas de plástico são despejadas nos oceanos todos os anos. Segundo dados da ONU, em 2050 haverá mais plástico do que peixes

por Fernando Erthal, Oceanógrafo, e Oswaldo Ribeiro Jr., Jornalista

Pesquisadores do Instituto Alfred Wegener (AWI, na sigla em alemão) publicaram em abril de 2018, na revista científica Nature Communications, uma descoberta estarrecedora. Quantidades recordes de microplásticos foram encontrados no gelo do Oceano Ártico. Eles identificaram restos de embalagens, tecidos sintéticos, filtros de cigarro e até 12 mil partículas de microplásticos por litro de água congelada.

Essa medida é até três vezes maior do que qualquer outro nível já registrado na região e amplia as preocupações pelos níveis recordes. “Muitas vezes pensamos na liberação de metano com o derretimento do gelo, mas agora devemos considerar também os microplásticos”, disse Ilka Peeken ao jornal alemão DW. Bióloga do AWI e coautora do estudo, a pesquisadora alerta que o gelo marinho funciona como uma estrutura de “transporte” de microplásticos, o que aumenta seus impactos.

Diversas espécies marinhas morrem diariamente pela absorção e ingestão de plásticos. Os humanos, da mesma forma, correm sérios riscos ao ingerir organismos contaminados pela bioacumulação de substâncias químicas dos plásticos nos tecidos e órgãos de um “delicioso camarão”, por exemplo.

As praias, as regiões polares e as profundas zonas abissais dos oceanos estão repletas de quantidades imensuráveis de fragmentos de plásticos dos mais diversos tamanhos e composições. “Não há limites geográficos para esses resíduos, cuja origem é exclusivamente humana e gerada com frequência diária”, afirma o oceanógrafo Regis Pinto Lima, representante do Ministério do Meio Ambiente nas discussões internacionais sobre descarte de lixo nos oceanos.

Apesar de muito útil, o plástico, material com baixo custo de produção e resistente à corrosão, tem poucas estratégias para reciclagem. Assim, todo plástico descartado de forma inadequada em lixões e aterros a céu aberto ou nos rios e em redes pluviais e de esgoto, acaba em algum momento nos oceanos.

Estima-se que anualmente entre 4,8 e 12,7 milhões de toneladas de plástico vão parar nos oceanos. Vinte países figuram como responsáveis por 83% desta poluição, sendo a China, com mais de 1,3 bilhão de habitantes, e a Indonésia, as campeãs. O Brasil ocupa a 16ª posição desse indesejável ranking. Por isso, a compreensão urgente dos impactos ambientais associados ao plástico nos oceanos requer conhecimento da abundância e da distribuição deste material.

PESQUISAS EM DESENVOLVIMENTO

Desde os anos 1970, dezenas de expedições tentam mapear a distribuição do plástico nos oceanos. Estas pesquisas estão mais avançadas na região norte dos oceanos Atlântico e Pacífico. Uma síntese de 27 estudos realizados entre os anos de 1971 e 2013 aponta maior acúmulo de partículas de plástico no Pacífico Norte, provavelmente originadas entre a costa oeste dos Estados Unidos e o continente asiático.

Isso ocorre provavelmente devido a um fenômeno oceanográfico conhecido como transporte de Ekman, onde a água presente nas camadas superficiais dos oceanos é movimentada em uma direção com 90º em relação ao vento superficial predominante. É resultante da interação entre a força dos ventos e o efeito de Coriolis, que causa a deflexão aparente da água nos oceanos devido à rotação da Terra. No hemisfério norte, para uma corrente marinha com direção norte-sul, ocorre uma deflexão para a direita, e no hesmifério sul para a esquerda.

Grupos de pesquisadores também já mapearam 366 perigos ecológicos em decorrência do lançamento de detritos no mar. A maioria dos impactos (83%) estão relacionados ao plástico, que em 89% dos casos resultou em danos a tecidos, órgãos e moléculas de DNA em diversos organismos marinhos.

Muitas espécies marinhas morrem devido à ingestão de plástico, incluindo crustáceos, moluscos, caranguejos, lagostas, tartarugas, aves e mamíferos. Além disso, o enredamento causa mortes entre todas as espécies conhecidas de tartarugas marinhas, em 66% das espécies de mamíferos marinhos e em pelo menos 50% das espécies de aves marinhas.

Os detritos flutuantes também podem ser colonizados por pequenos organismos e facilitar o transporte de espécies invasoras capazes de causar alterações ambientais prejudiciais. Além disso, muitos aditivos químicos presentes na estrutura dos plásticos podem afetar a reprodução, as funções hormonais e o crescimento de uma infinidade de organismos, inclusive dos seres humanos.

COMO AMENIZAR A SITUAÇÃO?

Mesmo que longe do ideal, existem iniciativas globais em curso para a remoção do plástico dos oceanos. Uma delas é o ambicioso projeto The Ocean Cleanup, de uma fundação holandesa homônima, que está construindo dispositivos flutuantes a serem lançados nos grandes giros do oceano Pacífico Norte.

Na mesma linha, o projeto Seabin, criado pelos australianos Andrew Turton e Pete Ceglinski, oferece um dispositivo em formato de lixeiras de 100 litros, que recolhem o lixo flutuante por sucção, de forma praticamente automática. São ideais para ambientes compactos, como as marinas.

Novas regras adotadas pela União Europeia em janeiro de 2018 determinam o aumento da fiscalização dos detritos gerados a bordo e as quantidades desembarcadas nas estruturas portuárias, além das medidas já previstas na convenção MARPOL 73/78 da Organização Marítima Internacional (IMO). Outra medida global importante é o banimento pela China da importação de plástico reciclado, que pode ser um sinal para os países ricos repensarem suas estratégias de reciclagem e eliminar produtos não essenciais, como os canudos.

A Volvo Ocean Race, com etapa sediada na cidade de Itajaí em abril de 2018, contou com a iniciativa Turn the Tide on Plastics, da Fundação Mirpuri, de Portugal. Além de dar nome a uma das equipes da “Fórmula 1 dos Mares”, a iniciativa visa promover educação ambiental, conscientização e uso de novas tecnologias para a redução do plástico na maior competição de barcos a vela do mundo.

Alguns resultados da Turn the Tide on Plastics observados na etapa brasileira da Volvo Ocean Race foi a redução do consumo de copos descartáveis, substituídos por copos plásticos duráveis e reutilizáveis, e o Seminário “O futuro dos oceanos: combate ao lixo do mar”. Neste evento, Itajaí tornou-se o primeiro município brasileiro a se comprometer contra o uso indiscriminado do plástico, o que se dará através de três eixos principais: a criação de leis que promovam a redução do uso de plástico, incentivos à iniciativa privada em ações que diminuam o lixo no mar, e promover campanhas de educação ambiental que chamem atenção para o tema.

Contudo, a melhor de todas as iniciativas contra a poluição dos mares é individual. Deve ocorrer a partir da conscientização de cada um de nós sobre os diversos efeitos do descarte incorreto dos produtos que consumimos no dia a dia. A hora de agirmos é agora, para o bem de nossos filhos e netos.