José Marengo: “A certeza sobre os impactos das mudanças climáticas é muito alta”

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O pesquisador do Inpe e do IPCC José Marengo (Foto: Divulgação)

A comunidade científica atualmente tem 95% de certeza sobre as causas das mudanças climáticas. Mas e quanto as consequências? Qual o grau de confiança sobre a seca ou mudança nos padrões de chuva? Segundo o pesquisador José Marengo, do IPCC, a confiança também é alta para muitos impactos já observados.

Marengo é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe). Ele coordenou o capítulo sobre a América do Sul e Central do mais recente relatório do IPCC. Uma semana após o painel publicar o novo relatório, Marengo conversou com o Blog do Planeta, quando explicou que o IPCC não faz política, e disse que já passa da hora dos governos definirem novos cortes de emissões de gases de efeito estufa.

Blog do Planeta – O novo relatório do IPCC diz que vários impactos das mudanças climáticas já estão ocorrendo. Qual o grau de certeza que esses eventos são causados pelo aquecimento global?

José Marengo – A certeza é muito alta para toda a parte do relatório do IPCC que fala do presente, das mudanças já observadas nas últimas décadas. Por exemplo, a parte que fala do derretimento das geleiras tem um grau de certeza muito alto, com muitos estudos publicados sobre o assunto. Já na parte de biodiversidade, onde se fala das espécies que migraram por causa do calor, a confiança é um pouco menor, porque ainda há poucos estudos que monitoram esse tipo de impacto. Esses estudos começaram a aparecer nos últimos cinco ou seis anos, e já estão apresentando evidências no presente de que o clima está mudando e está fazendo espécies migrarem. Mas obviamente ainda há lacunas quando se fala em biodiversidade, que é a parte mais difícil de se monitorar.

Blog do Planeta – E quanto aos impactos previstos para o futuro?

Marengo – Eu diria que as certezas também são altas, porque a modelagem climática melhorou muito, mas ainda assim existem incertezas. O ser humano não consegue reproduzir 100% da natureza em um modelo matemático. Se fosse assim, seríamos deuses. Mas mesmo com as incertezas, já vemos sinais, por exemplo, nos padrões de seca. Grandes áreas da América e da África já sofrem com a seca, e os modelos indicam que isso pode aumentar no futuro se a concentração de gases de efeito estufa continuar subindo. A mesma coisa nos oceanos. Os efeitos já estão aparecendo.

Blog do Planeta – O relatório do IPCC parece ter muito mais confiança nas previsões sobre a Europa e Estados Unidos do que sobre a América Latina ou África. A diferença entra a quantidade e qualidade dos estudos nos países ricos e pobres ainda é muito grande?

Marengo – Sim, ainda tem essa diferença, mas melhorou bastante. No capítulo que eu trabalhei, focado na América Central e do Sul, o número de estudos disponíveis aumentou quase 200% em relação ao relatório de 2007. Temos novas pesquisas que permitiram identificar áreas que não tinham sido identificadas, impactos que antes não eram conhecidos. O nosso mapa está ficando cada vez mais cheio de informação. Obviamente Europa e Estados Unidos têm mais conhecimento, mas eles não têm a grande floresta Amazônica e os grandes rios. Para eles, é relativamente mais fácil. E, além disso, eles também ajudam nessa questão, estudos na África e América do Sul contam com grande colaboração internacional para cobrir esses buracos de conhecimento.

Blog do Planeta – Neste momento, o Brasil está passando por três eventos climáticos extremos – as cheias na Amazônia, a falta de água em São Paulo e o terceiro ano seguido de seca no Nordeste. Já é possível dizer se esses eventos foram ampliados pelas mudanças climáticas?

Marengo – Por enquanto, é impossível. É difícil poder atribuir um fenômeno específico a um processo de longo prazo como as mudanças climáticas causadas pelo homem. Se alguém perguntar: o homem produziu a seca em São Paulo? A resposta é, por enquanto, não. Mas esses casos fazem parte de uma tendência observada. Já observamos uma seca muito forte em 2001, e agora em 2014. Os modelos já indicavam o aumento das precipitações no oeste da Amazônia, justamente como estamos observando este ano. O que pode ser dito é que, no futuro, eventos como esses podem ser mais frequentes.

Blog do Planeta – O relatório do IPCC tem um foco bem forte em adaptação. Será que isso quer dizer que reduzir emissões já não é mais o suficiente?

Marengo – O objetivo do relatório era esse, falar em impactos, adaptação e vulnerabilidade. O texto fala sobre os riscos e fornece as evidências científicas para os tomadores de decisão. São eles que devem considerar isso cientificamente nas políticas públicas. O IPCC não faz política.

Blog do Planeta – Que tipo de política os tomadores de decisão daqui do Brasil podem fazer, com base em todas essas evidências levantadas pelos cientistas?

Marengo – Acho que o Brasil pode atuar em duas frentes. Na frente nacional, o país deve pensar em adaptação. No Nordeste, por exemplo, já temos uma experiência de adaptação com a construção de cisternas para enfrentar a seca. O problema é que, se a seca for muito longa, não haverá água para armazenar. Precisamos de um plano para adaptação com propostas para as retirar pessoas de áreas vulneráveis a deslizamentos e enchentes. E na agricultura, a Embrapa já está trabalhando na adaptação de variedades de cultura para resistir a temperaturas altas e seca. Na frente internacional, o Brasil deve usar as informações do relatório para pressionar nas próximas conferências do clima, quando se vai discutir um novo protocolo para substituir o Protocolo de Kyoto. As informações do IPCC devem ser usadas para definir os níveis de corte de emissões, porque essa é a única forma de desacelerar o aquecimento global.

Blog do Planeta – O Brasil está fazendo a sua parte nas reuniões internacionais?

Marengo – A participação do Brasil tem sido coerente na redução de emissões e do desmatamento. Mas o problema é que isso tem que ser uma ação mundial, global. Se Brasil e outros países assinam um novo Protocolo de Kyoto, mas Estados Unidos e China, que são os grande poluidores, não assinam, não adianta nada. O Brasil é forte nas negociações, gostaríamos que os Estados Unidos também fossem. Se você pensar que os americanos enfrentaram o furacão Katrina, a tempestade Sandy, com todos os danos que causaram, vai ver que eles também estão vulneráveis. Isso mostra que é um problema mundial, não só de países pobres da África.

Blog do Planeta – O IPCC é constantemente acusado de ora ser alarmista, ora muito conservador nas previsões. O senhor acha que, nesse relatório, o IPCC conseguiu encontrar um meio termo?

Marengo – Esse documento foi submetido a uma reunião com representantes de todos os países. Todo mundo estava ciente da gravidade da situação. Nenhum representante criticou dizendo que era alarmista ou conservador. Se é alarmista, é ruim, porque não se trata do fim do mundo. Se é conservador, também é ruim, porque seria ignorar o problema até ser tarde demais. Eu considero esse documento bastante balanceado. Dá uma posição sombria, mas diz que isso pode ser melhorado com as medidas de adaptação. Agora, claro que se nada for feito, então depois de vinte ou trinta anos, não tem jeito, nós vamos sofrer as consequências.