Impasse do TCU joga portos no limbo jurídico

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Entre as empresas estão pesos pesados como a Fibria, no porto de Santos (SP), e o Terminal Exportador de Açúcar de Paranaguá (Teapar), no porto de Paranaguá (foto). A falta de perspectiva do que vai acontecer joga uma névoa de incertezas sobre a continuidade da exploração das áreas nos portos públicos por essas operadoras, algumas para as quais o porto integra a cadeia verticalizada de seu negócio.

O impasse em torno da legalidade do Decreto dos Portos relegou a um limbo jurídico contratos que poderiam se valer da norma para estender o prazo, conforme apurou o Valor. Ao menos quatro terminais que poderiam ser adaptados ao decreto e, na sequência, solicitar mais tempo para seguir explorando as áreas em portos públicos, venceram desde que a norma foi publicada, em maio de 2017. Por conta disso, operam hoje sob liminar.

Essas companhias já usufruíram da única prorrogação prevista no contrato até a edição do decreto. Portanto, estavam com os dias contados para devolver os lotes, que seriam relicitados pelo governo. Mas a norma editada pelo presidente Michel Temer (MDB) concedeu uma chance de sobrevida a esses contratos.

O decreto permite que os arrendamentos vigentes pleiteiem o enquadramento à norma, ainda que estejam na iminência de vencer, e solicitem “a regra de ouro” da regulamentação: a extensão do prazo sucessivas vezes até o limite de 70 anos. Desde que descontado o tempo já usufruído de exploração da área.

Contudo, a adaptação ao decreto só abre a expectativa de as empresas apresentarem um plano de investimento para extensão de prazo, não significa que conseguirão obter mais tempo de forma automática. O governo avaliará, caso a caso, o plano de investimentos da empresa diante do planejamento existente.

Publicado em 10 de maio de 2017, o decreto nº 9.048 fixou 180 dias para que as empresas manifestassem interesse em adaptar os contratos, janela que terminou em novembro e abriu caminho para as assinaturas das adequações.

Mas, em dezembro, questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) levaram o governo a suspender as adaptações até que a corte de contas se manifestasse sobre a legalidade e constitucionalidade da norma.

A área técnica do TCU questiona inovações introduzidas pelo decreto que seriam ilegais. Entre elas, estão justamente a possibilidade de prorrogação dos arrendamento até 70 anos; a realização de investimentos fora da área do terminal; e a substituição da área arrendada por outra dentro do porto público.

Havia uma perspectiva de que a manifestação do TCU ocorresse ainda no primeiro bimestre mas, passados cinco meses, ainda não há uma definição. Enquanto isso o governo fica sem saber se prioriza a licitação das áreas ou se aguarda a proposta de utilização do decreto que virá do TCU.

O caso mais emblemático é o da fabricante de alimentos J. Macêdo. A empresa explora um armazém no porto de Fortaleza desde 1997 para granéis sólidos. O contrato é válido por dez anos e tem cláusula de prorrogação pelo mesmo período, já usufruída e que venceu em 16 de junho de 2017 – pouco mais de um mês após a publicação do decreto.

Assim que o decreto foi publicado, a proprietária de marcas como Dona Benta, Sol e Petybon entrou na Justiça para ter garantido o direito de se adaptar ao decreto. Dessa forma, poderia reivindicar os 50 anos adicionais distribuídos em renovações sucessivas mediante investimentos novos.

A quarta empresa nesta situação é a Agemar, com forte atuação em logística e infraestrutura no Nordeste. Entre os negócios, a empresa tem um armazém para carga geral que serve como pulmão do porto do Recife.

O contrato venceu em setembro. “Fizemos a solicitação de renovação e apresentamos o EVTEA [estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental]”, disse o sócio da Agemar, Manoel Ferreira. Mas ainda não houve retorno. A empresa também entrou com ação na Justiça e, enquanto não há uma decisão, opera a área sem cobertura contratual.

A Agemar quer permanecer no armazém e propõe investir R$ 5 milhões para amortizar o desembolso em troca de mais 17 anos de contrato para atender a esperada ampliação da demanda na região. O montante é considerado pequeno perto das cifras que outras empresas portuárias pretendem despender para continuar operando nos lotes que ocupam hoje.

De acordo com Ferreira, o “decreto é vital” porque “95% das exportações passam pelos portos e todos esses investimentos estão travados em função desse limbo.”

O questionamento de pontos do decreto pelo TCU não guarda relação com outra celeuma envolvendo a edição da norma.

O chamado inquérito dos portos apura se o presidente Temer recebeu propina para favorecer empresas do setor com a publicação da norma. O decreto flexibilizou as regras para as empresas explorarem portos públicos, consideradas travadas demais por modificações introduzidas pela Lei dos Portos, de 2013, publicada no governo da presidente Dilma Rousseff.

Procurado, o TCU informou que o processo está em instrução na unidade técnica e que o ministro relator não tem acesso ao processo nesta etapa.

Fonte: Valor