Faltam líderes ou é isso mesmo que Angela Merkel está querendo?

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Por Paulo Moreira Leite

Um dos aspectos típicos de nossa época envolve a proliferação de idéias destinada a desviar o assunto principal. Assim, o mundo desenvolvido se encontra numa crise terrível. O desemprego se espalha pelos principais países europeus, os EUA patinam. Contagiada, a China dá sinais de perder o fôlego e até o Brasil irá crescer em 2012 menos do que se imaginava. O que está ocorrendo?

 

Num artigo publicado hoje, o jornalista norte-americano Thomas Friedman diz que faltam lideres a altura do momento em que vivemos. Friedman avança uma explicação típica. Em resumo, ele diz que a tecnologia horizontalizou a vida social, dando nascimento a um fenômeno que chama de popularismo, onde os velhos controles políticos não funcionam mais. Friedman também se queixa de que as novas gerações deixaram de cultivar valores tradicionais. Diz que todo mundo se tornou consumista e não pensa no dia de amanhã, ao contrário do que faziam nossos pais, nossos avós e nós mesmos (se o autor já tem um pouco mais de cabelos brancos). Eu acho que esse tipo de explicação tem como finalidade despolitizar um debate necessário sobre as causas da crise atual e os meios de encontrar uma saída. Não paro de ouvir afirmações semelhanças em conversas de botequim e discussões em mesas-redondas na TV.

 

O problema não é a falta de lideres. Eu acho que a pergunta básica, muito simples até, é outra: queremos líderes para fazer o que? Manter o mundo como está? Conservar a atual partilha de riqueza e a divisão de trabalho? Essas são as questões. Eu acho que Angela Merkel, que está conduzindo a Europa para o despenhadeiro, faz exatamente aquilo que sua visão de mundo conservadora, ideologicamente retrógrada, determina. O impasse da política americana, entre um presidente que após conquistas muito modestas ainda que necessárias — como o plano de saúde — abriu mão de avançar na agenda que anunciou em 2008, e uma oposição querendo reverter progressos obtidos nas últimas décadas, não tem a ver com as novas tecnologias nem com um consumismo supostamente desenfreado. (Sempre cabe perguntar: desenfreado do ponto de vista de quem, cara pálida?) De um lado ou de outro do Atlântico, assistimos a um esforço para promover a chamada destruição criadora de riquezas que periodicamente devasta os mais pobres, os mais desprotegidos, e assim permite a economia de mercado recuperar-se sob novas bases. Vamos combinar que a horizontalização da vida social é um avanço importante da vida política.

 

Uma sociedade torna-se menos autoritária na medida em que a manipulação das informações — naquele grau permitido quando ela circulava pelas mãos de governos e apenas pelas grandes empresas de mídia – se tornou mais difícil. Os políticos não se tornaram mais populistas por causa disso. Apenas são obrigados a oferecer mais respostas a cidadãos que puderam acumular novas formas de expressão política, inacessíveis às gerações anteriores. Isso é bom. A queixa contra a “falta de valores”, a denúncia das tecnologias e a denúncia do “consumismo” é uma forma curiosa de nostalgia. O mundo atual foi construído líderes que eram celebrados com gênios e visionários pelos menos que hoje não reconhecem o saldo final de sua obra. Estou falando de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, para ficar nos exemplos mais notáveis e conhecidos.

 

Foram eles que liberaram as respectivas economias e transferiram empresas e empregos para os países de mão de obra barata com o argumento de que o mundo estava se globalizando e a abertura dos mercados traria oportunidades iguais para todos. Também destruíram o Estado bem-estar social com a tese de que ele gerava desperdício, mordomias e benefícios que afetavam a margem de lucro e a vontade de investimento das empresas. Tivemos líderes muito competentes para fazer esse tipo de serviço. Fizeram um trabalho coerente com seu projeto político, de visão de povos e de cada nação no mundo. Os líderes atuais são seus seguidores. Não são os líderes que pioraram. É que, vencida as ilusões, a realidade da destruição se mostra sem máscaras nem enfeites. Vivemos a expansão do Mal que Ronda a Terra, como explicou Tony Judt, historiador que todo mundo deveria ler.