Envio de lixo aos portos brasileiros é tema de um livro

0
2533
IMPRIMIR
GuGa_VW-especial-TECON_LIXO_INGLÊS_79
Envio do lixo para portos brasileiros será tema de um livro reportagem que está sendo escrito pelo jornalista Diniz Júnior / Foto GUGA VW

Em julho de 2009, os inspetores da Receita Federal de Rio Grande descobriram o esquema ao deslacrar 40 contêineres enviados ao porto do Rio Grande. Rastreando a documentação das empresas, foi possível detectar a irregularidade em outros 25 contêineres no porto de Santos (SP). Antes da descoberta do conteúdo em solo gaúcho, oito contêineres foram transportados, de carreta, de Rio Grande para o porto seco de Caxias do Sul (RS). Na documentação, a carga constava como polímeros de etileno para reciclagem. Na verdade, eram toneladas de lixo doméstico e hospitalar, como fraldas, seringas e preservativos. Um dos reservatórios levava brinquedos, com bilhetes informando: “Entregue estes brinquedos para as crianças pobres do Brasil. Lavar antes de usar”.

Quem nos narra um pouco dessa história é o jornalista Diniz Júnior, na época editor da Revista Conexão Marítima: “Essa história começa em um hotel localizado em Hamburgo, na Alemanha. Na época, acompanhava uma missão de jornalistas que tinha como  objetivo realizar uma reportagem no porto de Hamburgo. Foi quando representantes de algumas ONGs informaram que alguns países europeus estavam enviado lixo em contêineres para o Brasil, na verdade para vários portos e um deles seria Rio Grande (RS). Senti que começava a se desenhar uma grande reportagem. Quando retornei a  Rio Grande, a Receita Federal confirmou a história narrada em Hamburgo pelos ambientalistas”, disse.

Para o jornalista Diniz Júnior, sete anos depois, o episódio ainda serve de reflexão. “Por que os países que impõem pesadas normatizações aos países mais pobres embarcam clandestinamente resíduos poluidores a estes mesmos países? Na minha opinião pressupõe-se que as autoridades sanitárias destes portos europeus não estão atentas ou que, se tiveram conhecimento, não interferiram, concordando com a barbaridade que estava sendo cometida. A importação de lixo doméstico vai além de um entrave legal e policial. São necessárias leis mais rigorosas para que essa inacreditável história não se repita. Dessa vez, o “presente de grego” não foi aceito devido a enorme repercussão internacional”, destacou Diniz.

Sim, nós enviamos o lixo

Descoberta a irregularidade, o caso ganhou repercussão mundial. O Itamaraty reagiu ao episódio e o material foi despachado de volta para a Grã-Bretanha em agosto de 2009, 1 mês depois, onde foi incinerado. A empresa Edwards WastePaper, da Grã-Bretanha, confirmou ter exportado ilegalmente 89 contêineres contendo cerca de 15 mil toneladas de lixo doméstico para o Brasil em 2009Mesmo com o caso, os portos brasileiros registram, com frequência, a chegada de resíduos. O mesmo porto do Rio Grande registrou, em agosto de 2010, um carregamento de 22 toneladas de lixo vindas em um contêiner embarcado no porto de Hamburgo, na Alemanha.

Em outubro de 2011, o porto pernambucano detectou dois contêineres com cerca de 46 toneladas de lixo hospitalar proveniente dos Estados Unidos.O destino era uma empresa de Santa Cruz do Capibaribe, integrante do polo têxtil localizado na região do Agreste no Estado. Na verdade, eram lençóis e pedaços de tecidos com nomes de hospitais norte-americanos. O envio de resíduos deve respeitar a Convenção de Basileia – nome da cidade suíça onde o acordo foi firmado, em 1988. Ele estabelece mecanismos de controle sobre a movimentação de resíduos perigosos entre países para garantir a segurança ambiental e a saúde humana. O Brasil ratificou a convenção em 1993 e outros 169 países também são signatários. O acordo prevê que a autoridade competente do país exportador notificará ou exigirá ao produtor ou exportador que notifique, por escrito, o país envolvido sobre qualquer movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e de outros resíduos. O país de importação responderá consentindo ou negando permissões – ou ainda requerendo informações adicionais. O transporte dos resíduos só poderá ocorrer após o consentimento formal das autoridades.

DSC00143
Crime com deboche: além do lixo domiciliar, brinquedos para crianças foram enviados aos portos nacionais    Foto GUGA VW

 O escândalo na mídia europeia

A imprensa britânica destacou o caso dos contêineres carregados de lixo enviados por duas empresas britânicas ao Brasil. Com a manchete “O segredinho sujo da Grã-Bretanha”, o Times afirmou que a Grã-Bretanha foi acusada de despejar “lixo doméstico tóxico e lixo industrial em países em desenvolvimento em dois continentes, violando uma convenção internacional”.

Segundo o Times o governo estava pensando em aumentar o controle sobre o cumprimento das regras para o envio de lixo para outros países, depois da descoberta no Brasil e ainda da descoberta de lixo eletrônico britânico em Gana, na África. Segundo a imprensa britânica, o ministro do Meio Ambiente, Hillary Benn, ordenou a investigação de duas empresas britânicas ligadas ao caso – a Worldwide Biorecyclables Ltda. e a UK Multiplas Recycling Ltda – que pertencem ao brasileiro Julio Cesar Rando da Costa, que mora em Swindon, na Inglaterra.

“A Grã-Bretanha ‘está largando lixo tóxico no Brasil'”, disse na época a reportagem do jornal Daily Telegraph. “Os contêineres deveriam estar transportando lixo reciclável, mas alega-se que, na verdade, continham lixo doméstico tóxico e lixo industrial”, diz o jornal.

No Guardian, a matéria foi publicada com o título: “Lixo perigoso britânico é deixado para apodrecer nos portos brasileiros”. O diário comenta que a descoberta causou nojo e o medo de que o Brasil esteja sendo usado como depósito de lixo, em violação ao tratado internacional de transferência de lixo perigoso. O Guardian ainda afirma que empresas européias que tentam burlar regulamentações domésticas, tradicionalmente usam a África como um depósito para lixo perigoso.

O Independent também comentou a história, afirmando que “lixo perigoso britânico ‘é largado em porto brasileiro.  Segundo o jornal, “a Agência de Meio Ambiente, que é responsável pelo cumprimento da Convenção da Basiléia (que proíbe o envio de lixo tóxico para outros países) na Grã-Bretanha, confirmou que está investigando os envios, que causaram raiva no Brasil”. O Independent ainda destacou que as empresas responsáveis pela exportação dos contêineres pertencem a dois imigrantes brasileiros que chegaram a Grã-Bretanha há seis anos para trabalhar como operários. E no tablóide The Sun, a manchete para a história foi, simplesmente, “Está fedendo”.

A máfia italiana comanda o envio do lixo em navios

ROBERTO SAVIANO_GOMORRAO jornalista e escritor italiano Roberto Saviano,  autor do livro Gomorra que conta a história de como ele se infiltrou na Camorra, a poderosa máfia napolitana, e uma das maiores organizações criminosas do mundo na atualidade, denunciou a Máfia do Lixo na Europa. O negócio do lixo é relativamente recente na história da Camorra e remonta ao início dos anos 1990. O esquema funciona assim: indústrias do norte da Itália e de várias partes da Europa que produzem resíduos tóxicos devem providenciar tratamento e destinação adequada desse lixo, conforme prevê a legislação da União Europeia.

Isso custa muito dinheiro, mas a Camorra entra em cena oferecendo uma bela alternativa: através de empresas de fachada, a organização criminosa entra em contato com as indústrias para oferecer serviços de descarte do lixo a preços extremamente reduzidos, e com direito à emissão de um certificado que atesta o tratamento e destinação correta do lixo. As indústrias pagam pouco e têm seu problema resolvido, e o pior: estão dentro da lei, pois possuem um certificado.

Escândalo vai virar livro
Incentivado por amigos,Diniz Júnior decidiu retratar esse tema polêmico em um livro reportagem que pretende lançar no segundo semestre deste ano. A obra terá em torno de 140 páginas. Para viabilizar o projeto o jornalista, que é proprietário do Portal Portos & Mercados, uma publicação voltada para notícias de Comércio Exterior, Portos, Energia e Logística, está na busca de recursos. “Editar livro no Brasil é caríssimo e demanda muitos recursos e tempo, mas o projeto está bem formatado”, disse.
sucata-navios-04
Calçando chinelos, trabalhadores retalham sucata de navios na praia de Alang, na Índia / Foto IMO
Outro tema a ser abordado no livro será  o Comércio de sucatas de navios que revela um verdadeiro descaso na Ásia A rotina de retalhar as embarcações é feita por trabalhadores maltrapilhos e, em muitos casos, usando mão de obra infantil na região de Alang e Sosiya .Por dia, cada trabalhador ganha pouco mais de R$ 3,00.
Além disso, falta controle sobre o destino final de resíduos perigosos originados do processo, como óleo, mercúrio e amianto. “Esse fato vem sendo denunciado frequentemente pela Organização Marítima Internacional (IMO).
Faltam equipamentos de segurança adequados, como também a forte presença de substâncias nocivas, como o amianto em navios de demolição que põem em perigo a vida e saúde dos trabalhadores, e torna-os  suscetíveis ao câncer e doenças respiratórias”, concluiu Diniz Júnior.

DSC00135 DSC00136 DSC00143 GuGa_VW-especial_LIXO_europeu_4 GuGa_VW-especial-TECON_LIXO_INGLÊS_73 GuGa_VW-especial-TECON_LIXO_INGLÊS_86 lixo