Entrevista Fernando Limongi, Cientista Político

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                              Limongi: “Estamos num terremoto sem saber ainda quando ele termina”

por Carla Jiménez/ EL PAÍS

O professor Fernando Limongi ficou surpreso com a velocidade “espantosa” que a crise política ganhou nos últimos dias. “O Governo está sem capacidade de reagir. Abúlico, acho que este é o termo correto”, disse ele em conversa por telefone na tarde deste domingo dia 13. Cientista político da Universidade de São Paulo, Limongi ainda digere as novas variáveis que os protestos estão trazendo para o debate político.

Pergunta. Há três caminhos para Dilma sair hoje. Via processo do TSE, impeachment, ou se ela renunciar. Dilma diz que não renuncia. Como casar a ansiedade de quem espera que ela caia e a realidade dos rituais legais para que isso aconteça?

Resposta. Ela está no direito dela de dizer que não renuncia. As pessoas que estão protestando precisam estar com esse timing da saída legal na sua conta. As ruas cantando não vão resolver o que existe, que precisa passar por um processo legal. Será um jogo longo. Teremos uma crise arrastada ainda. Não se resolve de amanhã para depois. Não tem solução que não seja institucional nos dias de hoje no Brasil. Golpe não tem. Maioria quer que ela saia? Via TSE ou impeachment. Processo legal que tem seus ritos.

P. As pessoas tem o processo do Collor na cabeça.

“Depende do que os delatores falarem. Se a delação deles será partidária ou não é a grande questão”

R. Em 1992 ninguém defendeu o Collor [ e ele renunciou antes do processo de impeachment seguir para o Senado]. Abreviar o mandato da Dilma é uma posição que a oposição esta tomando desde ano passado. Contribuíram para inviabilizar Joaquim Levy, por exemplo. Oposição sempre soube o que está criando. Eles sabem que não se resolve este quadro da noite para o dia. É responsabilidade deles. O PSDB em vários momentos acenou com radicalismo, jogou com a crise. Eles sabem a consequência. Mas decisivo mesmo é o que vai fazer o PMDB.  É o fiel da balança, aliás como sempre foi. Os sinais são claros, o desembarque do partido começou. As ruas hoje sinalizam que o PMDB pode apoiar o impeachment sem medo, que não perderá votos por isto. Em havendo uma maioria na Câmara pró-impeachment que pode andar sem o contorcionismos e as artimanhas regimentais de Cunha, o jogo começa a se resolver. Parece-me que agora é a vez do governo jogar, de mostrar que é capaz de reter o PMDB, acenando com alguma política ou coisa que o valha que justifique ao partido ficar com o governo. Algo que nas atuais circunstâncias, parece improvável. E o círculo vicioso continua. Não sai da crise política, não sai da crise econômica. Não sai da econômica, não sai da política. E isso vai se estender, pois o Moro não vai pegar a Dilma.

P. Mesmo com novas delações de empreiteiros que podem chegar à campanha de 2014?

R. Isso demora. Mas é fato que está mais próximo. Aí também depende do que falarem. Se forem seletivos ou não. Que essas empreiteiras podem ter tido negócios escusos com PSDB e se a delação deles será partidária, ou não, é a grande questão. O Léo Pinheiro, da construtora OAS, pelas transcrições que já apareceram, parece ser panpartidário. Ele negocia com quem aparecer na frente. As conversas dele com o [Eduardo] Cunha, no WhatsApp, mostram isso. Difícil que não tenha feito cambalacho com outros governantes, e Governos estaduais. Isso não alivia muito. A salvação do PT é que os outros vão junto. Mas se chegar à campanha dela, aí vai pela via eleitoral. Vai pelo TSE. E vai o Temer junto. O PMDB é até mais atingido que PT. O cenário é trágico.

P. O PT deixou as coisas chegarem a esse ponto, certo?

“O que não se sabe até hoje é se o Moro é anticorrupção ou anti-PT.  Acho que ele vai até o final. E aí não tem como o PSDB ficar  fora”

R. O PT tem culpa no cartório. O partido entrou num delírio depois do pré-sal. Fez um mundo em torno da Petrobras, e perdeu os limites, de maneira desnecessária. Não precisava cair na (jogada) da OAS ou Odebrecht dessa forma. E agora está pagando a conta, não tem por onde. Para o país, o ponto é que o PT, um partido que nasceu defendendo a ética, que teve a história que teve, se o PT pode cair nesta cilada, se o PT pode ser capturado por estas empresas, o que nos garante que a oposição não será? O PSDB por acaso pode reivindicar uma superioridade moral? Não creio.

P. Pessoas que participaram dos atos disseram confiar no PSDB e PMDB. E aí?

R. Eles têm condições de assumir. Mas o que vão fazer são outros quinhentos. Se pegar a votação na Câmara da comissão do impeachment, que foi anulada, ali já havia uma fragilidade imensa. Havia pouco voto [a favor da Dilma]. Agora é diferente. Independe de pouco voto, do método. O Governo Dilma está muito fragilizado e sem iniciativa. Quem está dando a iniciativa é o Moro, que está dando a pauta. Delcídio do Amaral é outro. Primeiro político que tem trânsito dos três lados no PSDB, PMDB além do PT. Então, ele pode atirar em outro mundo.

P. As investigações podem chegar à oposição a partir de agora?

R. Não sei, depende do que vamos saber. O que não se sabe até hoje é se o Moro é anticorrupção ou anti-PT. Não se sabe se ele tem lado partidário ou se vai até onde tem que ir. Acho que ele vai até o final. E aí não tem como o PSDB ficar de fora. Muito difícil que o PSDB seja composto por vestais e o PT por gente que frequenta os piores lugares do mundo. Essas empreiteiras é que são o problema. Estão tocando um jogo, tem relação com todo mundo, em todos os setores. Já apareceu dinheiro para Sergio Guerra [ex-presidente do PSDB que faleceu em 2014] para não abrir uma CPI. Então, está todo mundo. Resta nos dizer como vão tocar o barco daqui para a frente caso aprovem o impeachment de Dilma. Não tanto na economia, mas sim na questão da corrupção. Quero dizer: como eles pretendem governar o país sem cair na esparrela que o PT caiu, isto é, sem fazer esta aliança espúria com as empreiteiras e grandes firmas. As doações de campanha para o PSDB mostram que estas empresas não têm ideologia ou filiação partidária. Financiaram a campanha de Dilma e de Aécio. Ganhariam qualquer fosse o resultado. Qual a proposta efetiva da oposição para redefinir estas relações? Não creio que apenas o PT tenha mantido estas relações promíscuas com o setor privado. O que será feito para impedir que esta rede seja remontada em outras bases? Não há propostas na mesa.

P. Mas neste momento em que estamos conversando, Aécio, Aloysio e etc. estão na avenida Paulista [ainda não havia informações de que eles haviam sido hostilizados].

R. Nos primeiros protestos eles foram expulsos. MBL fracassou. E agora há um movimento político, com PSDB e PMDB. MBL e Vem pra Rua juntos ficaram em posição mais subordinada desta vez. Para o PT, do outro lado, fica mais perigoso. Seja como for, Aécio e Alckmin foram à manifestação. Governador se encontrou antes com organizadores. Há um congraçamento. Sem o Cunha. Não precisam mais do Cunha. A coisa ganhou força. O MBL, com todo seu radicalismo e oposição ao PSDB, a quem tachava de ‘covardes’, pôs a viola no saco e está jogando de forma mais moderada.  Está agora a reboque.

P. E esse assunto que está ganhando força sobre o semiparlamentarismo?

R. Pode ser saída. Mas é uma alternativa na mesa para não fazer o mais doloroso que seria o impeachment. De todos os lados seria um equívoco. Político, porque se é para tirar o PT, tira o PT. Não vem com meia medida. Se querem tirar mandato da Dilma, parem com isso. Fingir que não estão tirando? Parece impeachment envergonhado. Isso é uma opção muito complicada do ponto de vista institucional. Isso é um bicho híbrido com mil detalhes na definição dos poderes e do primeiro ministro que nunca funciona muito bem. A não ser que se reduza o poder do presidente. Rejeição ao parlamentarismo foi absoluta. Reinserir é um equivoco de todo o lado.

P. Você acredita que o Sérgio Moro vai cortar na carne de outros partidos?

R. Vai depender de onde ele vai se contentar, se PT, PMDB. Quando o Delcídio foi preso, todos entraram em pânico. Até o Temer low profile. Agora, quando vem com o assunto da delação entraram em pânico de novo…

P. Enquanto falo com você, leio nas redes sociais que Aécio e Alckmin foram vaiados na avenida Paulista.

R. Os políticos da oposição devem estar com medo, não de ser vaiados, mas de algo pegá-los. Ou então eles são realmente limpíssimos.

P. Delcídio e Marcelo Odebrecht fazendo delações têm potencial para mudar a história do Brasil?

R. Já mudou a história politicamente. O PT (chega) muito fraco nesta eleição, muda inacreditavelmente. É como tirar o PSOE [partido socialista espanhol] do jogo numa eleição na Espanha. É o principal partido. O que vai dar do ponto de vista eleitoral não sabemos. Se o PSDB vai conseguir se apresentar como partido alternativa ao PT ainda temos de saber. Se sai incólume ou não. Isso depende das delações que ainda vão sair. É uma completa incógnita. Toda vez que está no sistema político. Num processo como o atual se fecha um círculo. Quem fica dentro, fica, que não, se protege. Foi assim no impeachment do Collor, na CPI do Orçamento, que inclusive desmontou todo o esquema de financiamento da época. E facilitou a emergência de Fernando Henrique Cardoso e das reformas necessárias na época. Então, pode ser que, sendo Polyana, seja limpeza para algo melhor. Para constituir novas lideranças. Mas também pode ser como foi na Itália…

P. Mas o que temos mais perto no Brasil de hoje, um FHC ou um Berlusconi?

R. Pode não estar a vista agora. FHC na época não queria nem mais concorrer. Hoje Marina Silva não está na vista, nem Ciro Gomes. Lideranças. Há, também o Aécio ou Alckmin, Serra. Depende de quem vai conseguir construir uma candidatura ou projeto. Um outsider não tem chance.

P. E Bolsonaro?

R. Risco zero. Ele engasga na própria fala. Incapaz de manter discursos convincentes. Isso está fora de cogitação. Alguém tem de ter projeto para maioria do povo, para a classe baixa. Alguém que apresente um projeto convincente da carência da maior parte da população. (Uma voz) Messiânico-reformista,  não raivosa, vingativa e de divisão. Ele não tem esse poder. Esse risco a gente não corre. Corre outros. A Marina ninguém sabe o que será se for eleita, se seu discurso renovador vão se tornar políticas efetivas, ou vai só discurso. Nem sei se PSDB vai correr. Foi além na última eleição porque a Marina se esborrachou. Ele foi por default. Ele não representava a oposição. Aécio não foi um galvanizador. Ou uma pessoa que se mostrasse como uma alternativa.

P. E Marta Suplicy expulsa do protesto?

R. Tenho dúvidas sobre como ela vai se acertar para as eleições. Eleição para prefeito será hilária e trágica.

P. E no plano federal, estamos vacinados de um novo Collor?

R. Não vacinados, mas não é simples acontecer um candidato como ele de novo. Precisa de muitos fatores juntos para isso. Haverá menos dinheiro para campanhas eleitorais a partir de agora. Com esse baita tempo de televisão, o que você vai fazer de programa eleitoral? Quais questões vão estruturar o debate político? Ainda estamos no meio de um furacão. Difícil fazer previsão no meio do furacão. É um terremoto e não sabemos quando vai parar.