Entrevista: Água deve estar no topo da agenda política, defende especialista

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      Netto: o que temos que aprender é a conviver com esse recurso ambiental sabendo que ele é limitado

No dia 22 de março foi comemorado o Dia Mundial da Água. No Brasil, os efeitos da escassez desse recurso têm atingido cada vez mais pessoas. Se, há alguns anos, as notícias de falta de água vinham especialmente do Nordeste do país, mais recentemente, as populações do centro-sul se viram obrigadas a mudar hábitos para garantir o abastecimento e atender às necessidades mais básicas.

Em entrevista à Agência CNT de Notícias, o professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB (Universidade de Brasília) Oscar Cordeiro Netto defendeu a necessidade da gestão integrada das águas, envolvendo poder público, setor produtivo e sociedade civil. Ele também destacou a necessidade de os governos, em todas as esferas, tratarem o tema como prioridade.

A crise hídrica é algo relativamente recente na vida de boa parte dos brasileiros. O que está por trás da escassez de água nos últimos anos, em especial no centro-sul do Brasil?
Para as pessoas que acompanham esse tema, era algo previsível, porque é uma conta que não fecha. De um lado, tem um volume de água na Terra que é finito e constante. De outro, a sociedade está consumido mais e tendo cada vez mais demandas. E tem outro aspecto que é recente: nos últimos 50 anos, em função da industrialização e da urbanização, até existe água disponível, mas ela é tão poluída que não pode ser utilizada. O exemplo clássico é a cidade de São Paulo, onde, ao mesmo tempo que falta água para beber, tem inundação dos rios Pinheiros e Tietê, muito poluídos. Não tem como aproveitar a ágau deles para abastecimento. É um paradoxo. Outro agravante é que há anos mais secos, como foram os últimos três, além de um cenário de mudança climática.

Tem outra questão que é o processo urbanização, que prejudica a infiltração da água no solo…

Na verdade, quando nós temos uma urbanização mais racional, com menos construções, menos asfalto, isso permite que a água da chuva infiltre no solo. Assim, ela fica armazenada no subsolo, como um grande recipiente de águas. Ela demora alguns meses para chegar até o rio e, assim, vai abastecendo na época mais seca. Quando se pavimenta tudo, a água não infiltra e a cidade perde essa parcela, que poderia ser utilizada para abastecer.

Com a crise hídrica, especialmente no Sudeste, se falou muito do comportamento individual com relação ao consumo de água. Mas, pensando na sociedade como um todo, incluindo setores da economia, quais as responsabilidades para reverter esse cenário tão preocupante?

O que temos que aprender é a conviver com esse recurso ambiental sabendo que ele é limitado. Essa noção da escassez e do valor da água alguns brasileiros já tinham, principalmente no Nordeste, no semiárido. Já no centro-sul, até pouco tempo havia a falsa ideia de abundância. Quando se trata da água, há três visões bem distintas, que precisariam ser complementares, porque a água é uma só. Tem a visão econômica e financeira, com o impacto nas indústrias, no agronegócio, nos transportes – porque a navegação interior ficou prejudicada nessa época da estiagem. O segundo é o olhar social, de saúde pública. E tem, por fim, um componente ambiental, porque a água é um ecossistema que é a base de várias espécies animais. O problema é que a gente pensa de forma compartimentada. Mas o rio é um só: é o mesmo rio que vai abastecer o agricultor, permitir a navegação, a geração de energia, a produção de peixes, etc. Essa tomada de consciência ainda não aconteceu, porque as pessoas continuam pensando na sua caixinha, no seu quintal. Então, a sociedade tem que tomar consciência da importância desse recurso, saber que ele será cada vez mais valorizável e que temos que tratar de uma forma integrada. Sinto falta, também, de responsabilidade dos governantes, nos diferentes níveis, porque poucas vezes a questão da água está no topo da agenda política. Ela é lembrada quando falta, quando há carência. Quando a água se torna algo importante para uma comunidade, tem como resolver. O grande problema é que a gente não tem dado a importância devida. E a água é um recurso insubstituível.

O poder público tem seu papel de planejar, implementar políticas, investir. E qual é o do setor privado, nesse cenário?

No Brasil, existe a Lei das Águas​, que completará 20 anos em 2017. Essa lei reconhece que o problema é coletivo, e não de governo. Por isso, a gestão deve ser tripartite: envolver poder público, sociedade civil organizada e o setor produtivo, de forma compulsória. Ou seja, o transporte, a indústria, a agricultura… Mas, na minha avaliação, é necessário empoderar essas instâncias. E quem pode fazer isso é o poder público. Se ele provocasse o setor produtivo, as comunidades, essa participação seria mais intensa. A crítica que eu faço é que existe um certo ranço, o administrador não quer abrir muito a discussão, não quer fortalecer a discussão coletiva.

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