Educação a bordo

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Marçal Ceccon,engenheiro mecânico e velejador. Sua primeira volta ao mundo foi em 1991. E, desde então, ele e a mulher, Eneida, nunca mais desembarcaram (Foto: Guillermo Giansanti)

 

 

“Partimos para dar a volta ao mundo a bordo de um veleiro em 1991. Eu, Eneida, minha mulher, e meus dois filhos, Clarissa, de 17 anos, e Marcelo, de 13. Clarissa estava no 1º ano da faculdade de medicina e Marcelo tinha acabado a 7ª série. Naquela época, a única escola que oferecia ensino à distância no Brasil enviava os módulos pelo correio a cada dois meses, o que não servia para nós. Não sabíamos em que ponto do globo estaríamos nesse meio-tempo.

Quando chegamos ao Caribe, descobrimos um sistema da Universidade de Nebraska que enviava o curso todo de uma só vez. Os alunos tinham de devolver as avaliações à medida que estudavam. Mas o certificado não era reconhecido no Brasil. Então deixei a critério dos meus filhos escolher o que estudar. O Marcelo escolheu ciências da computação, setor em que trabalha hoje como gerente de desenvolvimento de software. A Clarissa escolheu um curso relacionado à saúde.

Cada um decidiu de que forma ia organizar seus estudos. O Marcelo dava um pouco de trabalho na escola. Em terra firme, precisávamos ficar em cima dele. Mas no barco nunca precisei pressioná-lo. Eles fizeram tudo por conta própria. Eu e Eneida aplicávamos a avaliação e mandávamos para Nebraska. No fim do curso, eles receberam os certificados.

Na África do Sul, onde ficamos um ano, Clarissa fez um curso de terapias alternativas e Marcelo trabalhou numa firma de computação gráfica. Voltando ao Brasil, mais de quatro anos depois, Marcelo fez supletivo por dois anos para ter o certificado que valia no Brasil de 1º e 2º grau. Entrou na faculdade de ciências da computação, fez um ano e parou. Percebeu que sabia mais do que a escola poderia ensinar. Clarissa voltou para o 2º ano de medicina, se formou. Hoje tem um consultório de acupuntura.

Não sei quanto eles perderam do ensino convencional. Mas tenho certeza de que a educação que tiveram foi muito mais completa da forma como fizemos. Eles ficaram fluentes em inglês, em francês e espanhol. Isso foi muito importante para a profissão do Marcelo. Eles se tornaram pessoas independentes e confiantes. Quando se está em terra, os adolescentes não têm responsabilidade maior do que ir à escola e passar de ano. Durante a viagem, eles ajudavam nos turnos noturnos. Nessas horas, no meio do Pacífico, eram responsáveis pelo barco e por toda a família, que estava dormindo.

Essa experiência muda a percepção do que é um problema e de como tratá-lo. Quando se trabalha para uma empresa, os resultados de sua contribuição são menos evidentes. Uma corporação vai para a frente independentemente de você. Um veleiro, não. No barco, os problemas não são obstáculos que você criou, como economizar para comprar um carro. Os obstáculos surgem do vento, do mar, e, se você não vencê-los, se perde.”