Carlos Velloso: “A imprensa não tomou partido”

0
853
IMPRIMIR
Carlos Velloso em seu escritório em Brasília. “Lula quis adiar o julgamento, mas o ministro Gilmar Mendes expôs os fatos e o episódio se encerrou”

Por ANGELA PINHO / Revista Época

 

Poucas pessoas sabem tão bem o que estará em jogo no julgamento do mensalão quanto o mineiro Carlos Velloso. Atualmente advogado, ele foi ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) por 16 anos. Em 1994, participou do julgamento de Fernando Collor por corrupção passiva. Votou pela condenação, enquanto a maioria do Tribunal decidiu absolver o ex-presidente. Em 2005, Velloso estava na presidência do Tribunal Superior Eleitoral quando veio a público o mensalão. Na época, afirmou que as penas para quem faz caixa dois eram brandas demais. Sete anos depois, constata que nada foi feito para mudar isso. Para ele, a decisão do STF sobre os réus do mensalão poderá passar uma imagem de condescendência com os políticos – e isso seria lamentável.

 

ÉPOCA – A primeira vez que o Supremo Tribunal Federal condenou um político desde a Constituição de 1988 foi em 2010. Nenhum até hoje foi preso. O senhor acha que o julgamento do mensalão pode mudar a imagem de condescendência do STF com os políticos?


Carlos Velloso –
O número de autoridades, entre elas incluídos os parlamentares, que gozam de foro privilegiado é muito grande (o foro privilegiado impede que determinadas autoridades sejam julgadas por tribunais comuns). Os parlamentares sempre foram julgados pelo juiz de primeiro grau, com os recursos cabíveis. A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, outorgada pela Junta Militar, instituiu o foro privilegiado, no STF, para os parlamentares. Isso já devia ter sido extinto. Porque o Supremo e os demais Tribunais Superiores não têm vocação para julgar ações penais, fazendo as vezes do juiz de primeiro grau. Aliás, juízes de primeiro grau têm sido convocados para ajudar os ministros, o que não é correto, não é regular, dado que o ato de julgar é pessoal, intransferível e indelegável. Certo é que a vocação do Supremo é julgar recursos e ações de inconstitucionalidade.

ÉPOCA – Qual é sua expectativa em relação ao julgamento?


Velloso –
Não tenho dúvida de que o Supremo julgará tecnicamente. Poderão resultar absolvições. E pior: ocorrerão condenações no grau mínimo, porque os réus são primários e não têm antecedentes criminais. Aos olhos da sociedade, pode parecer condescendência do Tribunal com os políticos, o que é lamentável.

ÉPOCA – Como explicar o desempenho do STF em relação aos políticos num país onde ocorrem tantos escândalos de corrupção?


Velloso –
O desempenho do Supremo não implica condescendência com os políticos. Deve ser considerado que uma ação penal depende de uma boa instrução do inquérito policial. O Tribunal trabalha sobre o que foi produzido pela polícia e pelo Ministério Público. Nem sempre recebe processos bem instruídos, denúncias baseadas em boa prova. E, se a polícia e o Ministério Público não conseguem produzir prova consistente contra o réu, ao Tribunal não resta outra alternativa senão absolver. Caso contrário, não estariam agindo seus integrantes como juízes, mas como justiceiros.

ÉPOCA – Em 1994, no julgamento do ex-presidente Fernando Collor, o senhor foi um dos votos vencidos pela condenação. A maioria avaliou que não havia prova cabal contra ele. A composição do STF hoje é mais garantista – quer dizer, pró-acusado – ou mais empenhada no combate à impunidade?


Velloso –
Não acho que a composição atual do Supremo seja mais garantista que a do meu tempo, nem que a composição atual esteja mais empenhada no combate à impunidade do que naquela época. Se entendesse de outra forma, estaria cometendo injúria contra o Tribunal. Juiz tem de se pautar pela neutralidade. Juiz que se diz combatente contra o crime, contra a impunidade, é um arremedo de juiz, deveria ser policial ou membro do Ministério Público, jamais juiz.

“Ocorrerão condenações em grau mínimo. Aos olhos da sociedade, poderá parecer condescendência do Tribunal com os políticos”

ÉPOCA – Já se falou que alguns crimes de réus do mensalão podem prescrever. Como reduzir a lentidão do STF em casos como esse?


Velloso –
O que deveria ocorrer, para o fim de reduzir a lentidão processual, seria a extinção do foro privilegiado. É que os tribunais não têm vocação para julgar ações penais originárias (aquelas que vão direto ao Tribunal, sem passar pelo juiz de primeiro grau). Casos como o mensalão deveriam ser julgados pelo juiz de primeiro grau, que é o juiz de todos. Foros privilegiados não são republicanos, são o tributo que pagamos por termos sido império. Os Estados Unidos, que sempre foram república, não conhecem o foro privilegiado.

ÉPOCA – Um dos 11 ministros do STF já foi advogado do PT e advogado-geral da União no governo Lula. O senhor acha que ele tem isenção para participar do julgamento ou deve se declarar impedido?


Velloso –
Sim, um dos 11 ministros já foi advogado do PT, advogado-geral da União no governo Lula, subchefe da Casa Civil que tinha como chefe um dos réus, o senhor José Dirceu. Trata-se do ministro José Antonio Dias Toffoli. Acredito que agirá ele com isenção, como autêntico magistrado. Ele não pode macular sua biografia, que será analisada pelos que são do ramo, pelos jornalistas, pelos juristas e, sobretudo, pelos juízes dos juízes, que são os advogados.

ÉPOCA – Episódios como o encontro do ex-presidente Lula com o ministro Gilmar Mendes podem interferir no julgamento?

Velloso –

O ex-presidente quis adiar o julgamento, mas o ministro Gilmar Mendes expôs os fatos e o episódio se encerrou, e não interferirá no julgamento, acredito.

ÉPOCA – O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos disse recentemente que a imprensa já tomou partido contra os réus do mensalão. O senhor concorda?


Velloso –
Tenho pelo doutor Márcio Thomaz Bastos a maior admiração. Ele é notável advogado e grande criminalista. Divirjo, entretanto, quando ele afirma que a imprensa já tomou partido contra os réus do mensalão. Não, a imprensa não tomou partido. A imprensa está, simplesmente, noticiando livremente. Nesse sentido, ela se põe como pulmão da sociedade. Ai deste país não fosse a imprensa livre! Quanta coisa ficaria encoberta.

ÉPOCA – Em relação a Márcio Thomaz Bastos, ele foi criticado recentemente por atuar como advogado no caso do mensalão (ele defende o ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado) e por receber dinheiro de origem suspeita no caso do contraventor Carlinhos Cachoeira. Como o senhor vê essas críticas?


Velloso –
Não vejo nenhuma irregularidade. Ele sempre foi advogado e esteve ministro de Estado por algum tempo. Não há reparo a fazer na sua conduta, no fato de ter recebido honorários advocatícios do seu cliente, o tal Cachoeira. Sei que houve, inclusive, representação de um membro do Ministério Público. Esse representante do Ministério Público se excedeu, talvez por vaidade. A levar a sério a representação, o réu ficaria sem defesa. Quem se responsabiliza por verificar se o cliente tem condições de pagar honorários é a Receita Federal. O mais, não passa de hipocrisia.

ÉPOCA – O senhor era presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quando foi revelado o escândalo do mensalão. Na época, disse que as penas eram muito brandas para quem fazia caixa dois. Ainda pensa assim?


Velloso –
Na presidência do TSE, sempre alertei para a brandura das penas relativamente ao denominado caixa dois. Convoquei, inclusive, uma comissão de juristas que reescreveu todo o capítulo dos delitos eleitorais. Encaminhei o trabalho ao presidente da República, aos presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo. O então presidente do Senado converteu o trabalho do TSE em projeto de lei do Senado. Lá ele tramita, infelizmente, a passos de tartaruga, porque não há vontade política do líder maior da maioria parlamentar, no presidencialismo, o presidente da República.