A nostalgia pelo velho noticiário

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O apresentador Will McAvoy em seu programa no canal ACN. Ele vive entre as notícias do dia e o desejo de ser como seus ídolos (Foto: Everett Collection )

O que faz da América a maior nação do planeta?”, diz, da plateia, uma jovem estudante. No palco, para responder à pergunta, estão três apresentadores de noticiários americanos, entre eles Will McAvoy, do fictício Atlantis Cable News. “Não faço ideia do que você está falando”, McAvoy responde à estudante. Ele diz que os Estados Unidos perderam o posto de “maior nação do planeta” há décadas, em virtude, sobretudo, da decadência do jornalismo de televisão. “Nos movíamos pelo que era certo, lutávamos por razões morais. Fizemos isso tudo porque éramos bem informados”, afirma. Os estudantes escutam a isso tudo estupefatos.

 

A série The newsroom, do canal HBO, que estreará no Brasil no dia 4 de agosto, é o novo trabalho do roteirista Aaron Sorkin, vencedor do Oscar pelo filme A rede social e aclamado pela crítica americana como um dos maiores contadores de história de Hollywood. O coração do enredo está na sala onde trabalham os jornalistas – newsroom, em inglês; redação, em português. Seus protagonistas estão determinados a retomar, em 2010, o jornalismo de televisão como era feito 40 ou 50 anos atrás, com muita política e noticiário internacional e quase nada de celebridades.

 

Newsroom apresenta uma visão romântica de como as notícias costumavam ser. É a nostalgia por uma nação que não existe mais”, disse a ÉPOCA o jornalista Richard Wald. Ele foi presidente do canal NBC News nos anos 1970 e vice-presidente da ABC News até 2005. Hoje é professor de comunicação da Universidade Colúmbia em Nova York. “A maior mudança no jornalismo se deve ao interesse do público por notícias leves, de celebridades, e menos por notícias internacionais ou discussões sérias sobre política”, diz ele. “A comunicação de massa reflete o interesse do público, e o público americano mudou de interesse.”

 

MODELOS Walter Cronkite (à esq.) e Dan Rather na bancada  do CBS News. Ambos foram inspiração para o âncora da série de TV  (Foto: Everett Collection e divulgação)

O começo da mudança, segundo Wald, foi a popularização dos canais de notícias a cabo. “Quando o apresentador Walter Cronkite dava as notícias da noite na CBS, só havia três redes de TV, e quase nenhuma competição”, afirma Wald. Hoje, além das divisões jornalísticas das grandes redes de TV, operam nos Estados Unidos três canais a cabo com 24 horas de notícias por dia – CNN, Fox News e MSNBC – e incontáveis sites de notícia, além dos blogs. “O mundo mudou”, diz Wald. “Não para pior ou melhor, apenas mudou.”

 

Nos Estados Unidos, The newsroom teve audiência de 2,1 milhões na estreia, uma das melhores marcas da HBO nos últimos anos. A recepção de quem entende de jornalismo foi fria. A revista The New Yorker chamou a série de “presunçosa”. A revista New York disse que é, ao mesmo tempo, “uma comédia excêntrica, um drama de escritório e uma polêmica sobre o que está errado na América”. Tudo e nada ao mesmo tempo. Quem saiu em defesa de The newsroom foi Dan Rather, um dos apresentadores citados na série como praticante do jornalismo de qualidade na TV. “Sorkin e sua equipe merecem louvor por trazer esse assunto às telas e levá-lo a uma audiência de massa. Fazem isso de forma divertida e interessante”, escreveu no site Gawker.

Rather foi âncora do noticiário CBS Evening News, da rede CBS, entre 1981 e 2005. Ele substituiu o legendário Walter Cronkite, que apresentara o programa por 19 anos antes dele. O estilo solene e engajado dos dois é a base para a interpretação do apresentador fictício de The newsroom. Suas principais características são a independência, a isenção e as posições contundentes. Em fevereiro de 1968, Cronkite iniciou um noticiário com um editorial crítico sobre a Guerra do Vietnã. “Dizer que estamos perto da vitória é acreditar, diante dos fatos, nos otimistas que estiveram errados no passado”, afirmou. Seu pronunciamento – e as reportagens que fez pessoalmente no campo de batalha – ajudou a virar a opinião pública americana contra a guerra. Rather lançou sua autobiografia no começo deste ano. Em junho, quando The newsroom estreou nos Estados Unidos, o historiador Douglas Brinkley lançou uma biografia de Walter Cronkite.

Por trás da nostalgia americana pelo “velho e bom” jornalismo dos anos 1960 encontra-se o desconforto com uma sociedade que se tornou mais complexa e mais dividida do que costumava ser. O noticiário americano é fragmentado não apenas em audiência, mas, sobretudo, em ideologia. Canais de TV como a Fox News produzem notícia e opiniões com viés claramente conservador, respondidas, em tom mais comedido, por redes liberais como a MSNBC ou CNN. Os democratas americanos se referem à Fox News como “máquina da propaganda da direita”, e seus candidatos às eleições presidenciais de 2007 – Barack Obama, inclusive – se recusaram a participar de debates promovidos pela emissora. Do outro lado, os republicanos referiam-se à CNN durante o governo do presidente democrata Bill Clinton como Clinton Network News, ou Rede de Notícias do Clinton. A impressão de unidade nacional e propósitos elevados que emanava do noticiário americano no tempo da Guerra Fria caiu por terra. Em seu lugar, vê-se uma sociedade dividida em suas opiniões radicais. A televisão é o mensageiro de uma crise. The newsroom parece confundi-la com o culpado por ela.