Crise nos oceanos exige conhecimento multissetorial

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Aquecimento global, descarte de lixo e falta de conhecimento estão entre os principais desafios para a sobrevivência oceânica e para seu papel como grande sumidouro de emissões globais de carbono. O tema, debatido na Conferência dos Oceanos promovida pela Organização das Nações Unidas em Lisboa, em junho, exige articulação entre setores público e privado e ganha relevância, segundo participantes do Glocal Experience.

Embora quase 80% da população do país resida a até 100 km do mar, cerca de 40% dos entrevistados consideram que suas atitudes não impactam os oceanos, enquanto 30% acreditam que o que ocorre lá não impacta suas vidas

A presença de 40 chefes de Estado em Portugal e investimentos filantrópicos de pesos-pesados é um dos reflexos dessa preocupação, aponta Flávio Andrade, da OceanPact. Também promissora foi a visão de convergência observada ao longo do evento e o consenso em torno da ciência como solução para o problema. Segundo Andrade, o aquecimento global afeta a capacidade oceânica de sequestro de carbono, mas as soluções para o problema são intrincadas e exigem conhecimento multissetorial.

A questão é que hoje o ser humano conhece mais a respeito do lado escuro da lua do que o fundo do mar, já que mais de 90% das águas abaixo de 500 metros de profundidade sequer foram mapeadas. A empresa é especialista em plataformas de dados para operações oceânicas, como plataformas de exploração de petróleo, e é uma das que já começa a interagir com países como a Índia para trocar aprendizados sobre projetos como o Blue Keepers, voltado ao combate do lixo plástico no mar e patrocinado pela empresa. Também criou um programa de inovação aberta em parceria com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro para acelerar startups com foco em oceanos ou economia azul.

A OceanPact abriu capital no ano passado e convidou a filha de Ricardo Gomes, fundador do Instituto Mar Urbano, para tocar o sino de abertura na bolsa. A pequena Nina ganhou o mundo aos 5 anos de idade em imagem coletando lixo no fundo do mar. Gomes produziu documentários e livros sobre a vida marinha ativa em locais como a Baía de Guanabara e tem apoio da OceanPact no projeto de replantio de 30 mil árvores em 12,5 hectares de mangue na região, em parceria com a ONG Guardiões do Mar. O próximo passo eleva a conta para 1 milhão de árvores. “O manguezal é o berçário do mar”, diz Gomes.

Não é o único, claro. “O oceano começa na pia da casa”, resume Andrade. Cerca de 80% da poluição marinha tem origem em terra firme, mas falta consciência a respeito do assunto, segundo pesquisa realizada em parceria com Unifesp e Unesco pela Fundação Grupo Boticário para desvendar a relação do brasileiro com o mar. Embora quase 80% da população do país resida a até 100 km do mar, cerca de 40% dos entrevistados consideram que suas atitudes não impactam os oceanos, enquanto 30% acreditam que o que ocorre lá não impacta suas vidas.

A maioria, 86%, nunca ouviu falar em economia azul e os que conheciam a respeito não conseguiam apontar qualquer atividade econômica marinha, nem mesmo a pesca, embora 19% do PIB brasileiro e mais de metade do oxigênio mundial sejam gerados no mar, diz Janaina Bumbeer, bióloga marinha da fundação. “O principal desafio para os oceanos é a falta de informação. Cabe a nós levarmos o conhecimento adiante”, constata.

Ana Asti, diretora da Secretaria Estadual do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS) do Rio de Janeiro, destaca a relação entre oceanos e o equilíbrio do planeta – o fundo do mar concentra 50 vezes mais carbono do que as florestas, compara, mas em 2050 a perspectiva é ter no oceano mesma quantidade de peixes e plástico. Com o agravante da presença de microplásticos até mesmo em fitoplanctons, microorganismos que alimentam a fauna marinha. “Além do aumento da temperatura, a presença do plástico é um dos principais fatores que reduzem a capacidade de absorção de carbono pelo oceano”, diz.

Fonte: Valor